"O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa/ era a imagem de um vidro mole que fazia uma/ volta atrás de casa./ Passou um homem depois e disse: Essa volta/ que o rio faz por trás de sua casa se chama/ enseada./ Não era mais a imagem de uma cobra de vidro/ que fazia uma volta atrás de casa./ Era uma enseada./ Acho que o nome empobreceu a imagem." (Manoel de Barros)
O instantâneo captura a plenitude. É assim que podemos descrever o belíssimo trabalho de LiliRoze, fotógrafa franco-suíça que chega a São Paulo na próxima semana para inaugurar sua primeira exposição no Brasil.
Em 2009, ela ganhou o maior prêmio de foto de moda na França, pela APPPF (Agence Pour la Promotion de La Photographie Profissionelle en France). Sob a lente da câmera Sinar 4x5 e filmes de Polaroid, LiliRoze expressa suas visões coloridas ao mundo. Para ela, todo o seu feito é imbuído de intimidade. A ideia do desnudamento, da fragilidade e do abandono são suas maiores fontes de inspiração.
A predileção pela fotografia não aconteceu casualmente. Desde muito pequena LiliRoze estava aos pés de seu pai, fotógrafo amador, ansiosa para ver a mágica transformação que acontecia na banheira onde as fotos em preto e branco eram reveladas. Perplexa, ela não conseguia compreender como aqueles simples papéis se modificavam tão rapidamente, em tantos universos.
Só a imaginação infante pode trazer uma tradução precisa das obras da fotógrafa. Esse saber primitivo, esse olhar primeiro sobre as nuances da matéria. Só a criança tem a capacidade de tornar os instantes infinitos. Parece que, a cada retrato, LiliRoze reencontra sua casa natal.
Revisitar a própria casa! Reviver os cheiros, as luzes, os dias e as noites. Quando um artista devaneia intimamente sua casa, nós também somos invadidos por uma visita, transportados às nossas casas, aos nossos devaneios. A imagem da casa abandonada, da casa esquecida, da casa coberta pelo pó e por panos brancos já não pode mais existir. As janelas se abrem, permitindo que a luz possua a sala. Os barulhos aparecem novamente, as trepadeiras ressuscitam em caracóis as paredes, e podem ser verdes, profundamente verdes. A casa está completamente povoada. De novo.
Deixar-se entorpecer por toda a profundidade de um instante é um dom que precisa ser lapidado. Se o instante não é vivido em toda sua imensidão, não pode existir a imagem poética. E, para além do instante, o artista-criança também tem o poder de transformar, através da imaginação ativa, os tédios em pinturas, os objetos em moradas.
LiliRoze confessa que toda a sua obra está mais próxima do imaginar do que da realidade. As cores, assim, podem criar histórias originais. E o impressionismo lhe salva da crueldade mundana. A experiência onírica a suspende dos horrores concretos.
Para definir suas influências, ela cita Paolo Roversi, Sarah Moon, Joel-Peter Witkins, Duane Michals. E afirma que todo fotógrafo é um agente de novos horizontes. É impossível fazer arte sem trazer consigo loucuras e fantasias. Viver é absolutamente fictício.
Dessa forma, justifica também a escolha "primitiva" da Polaroid: ela é capaz de apreender acidentes inestimáveis para as fotografias. O leve flou (desfoque) acontece também pelas árduas opções. Ela trabalha com pouca luz, sensibilidade de filme baixa e longos períodos de exposição. Estará LiliRoze certa em negar a digitalidade atual? Vale a pena haurir seus portraits e tirar as próprias conclusões.
Para ir além
Exposição As fabulosas cores de LiliRoze ― De 9 de abril a 12 de Maio, no Espaço de Arte Trio ― Rua Gomes de Carvalho nº1759, Vila Olímpia ― São Paulo ― Telefone: 11 3757-3333 ― Horário de funcionamento: 12h às 15h ― Grátis.