1. Você é formado em Engenharia da Computação. Como iniciou sua carreira no Jornalismo Cultural?
Eu descobri que sabia escrever na época do Vestibular. Fui redação nota 10 da Fuvest, mas descobri isso só quando já estava dentro da Poli (1992). Procurei conciliar a Engenharia com meus interesses culturais, principalmente música e leituras. Quando estava me formando, escrevi um texto sobre a minha faculdade, bastante crítico (1997). Repercutiu, saiu na Folha, eu comecei a ter contato com jornalistas culturais. Montei uma newsletter quando saí da Poli (1998), montei, em seguida, um site pessoal (1999), para desembocar no Digestivo em 2000 (inicialmente uma newsletter cultural, simples, que foi se desenvolvendo ao longo dos anos).
2. Como surgiu a idéia do Digestivo Cultural? Quanto tempo levou até o site atingir a magnitude que tem hoje?
A ideia surgiu numa mesa de McDonald's, no horário de almoço, quando eu trabalhava no Banco Real, na avenida Paulista (e escrevia meus textos, ainda para o meu site pessoal, durante os intervalos). O banco estava passando por uma reestruturação, eu poderia ser demitido a qualquer momento, então pensei em "profissionalizar" minha atividade de crítico independente, bolando uma revista eletrônica (que fosse mais do que uma pessoa só escrevendo). Era o ano da bolha da internet (2000), havia muitos projetos no ar, eu decidi começar com uma newsletter que fosse "cultural" mas que não fosse chata, nem metida a besta, que fosse de fácil "digestão" etc.
3. Como você avalia a influência da internet no Jornalismo Cultural?
É enorme; principalmente porque a internet democratizou a emissão de opiniões como nunca antes na História. Se você considerar a crítica como uma atividade autobiográfica, como dizia Oscar Wilde, então quase todos somos críticos (de cinema, de música, de literatura etc.). Basta navegar por Orkut, Twitter, Facebook. Claro que jornalismo, de verdade, não é tão fácil assim. Mas as ferramentas de composição, de publicação e de edição transformaram quase todo mundo ― mais uma vez ― em redator, em editor, em publisher. Copiar e colar, por exemplo, é uma forma de edição (mesmo que você não concorde com o resultado). Assim, eu acho que o jornalismo depois da internet é outro jornalismo, tanto que às vezes eu acho que nem deveríamos chamar de "jornalismo" o que estamos fazendo...
4. O que você pensa sobre os blogs amadores que surgem diariamente no cenário cultural? São prejudiciais à qualidade do Jornalismo e da crítica cultural?
Eu não consigo acompanhar tudo, obviamente, mas acho saudável que as pessoas possam publicar o que têm vontade sem autorização prévia. A "filtragem" vai acontecer naturalmente. Quem for bom, vai acabar "aparecendo". A internet é uma espécie de escada, onde você pode subir os degraus. (De um blog para um site, para um portal...) É muito melhor do que era na época da velha imprensa, onde o mérito nem sempre era mais importante do que a sorte ou do que a lista de contatos.
O Digestivo se alimenta desses novos talentos e acho que, sem a internet, o ideia do site não sobreviveria. Quero dizer que se o Digestivo fosse uma revista de papel, não poderíamos arriscar tanto, teríamos de apostar nos mesmos nomes (para garantir o projeto editorial, a circulação, os "apoios") e, aí, perderia muito da graça... Eu tenho orgulho de termos revelado uma porção de novos nomes que não eram jornalistas, nem escritores, nem profissionais da cultura. Como eu, como o meu Editor-assistente e como a maioria dos nossos mais de 200 Colaboradores.
5. Você acompanha o trabalho de quais jornalistas culturais?
Eu acompanhei os clássicos: Paulo Francis, Millôr Fernandes, Ruy Castro, Sérgio Augusto, Daniel Piza, Luís Antônio Giron. Mas, de uns tempos prá cá, tenho acompanhado mais os novos nomes da própria internet (que se firmaram, como eu, nesta última década). Eu acho que o futuro do jornalismo ― ou do que restou dele ― está na internet, e acho que as pessoas que "fazem a internet" vão ensinar o caminho (e não mais os jornalistas "stricto sensu"). Assim, acompanho os blogueiros e os "empreendedores de internet" (ou tecnologia) mais do que os próprios jornalistas (principalmente nos Estados Unidos): Michael Arrington, Jason Calacanis, Robert Scoble, Chris Anderson, Jeff Jarvis, Clay Shirky, entre outros, até o Steve Jobs (que eu considero uma inspiração para pessoas de qualquer setor). ;-)
6. Quais suas leituras favoritas? E sobre o que mais gosta de escrever?
No Brasil, eu gosto de ler a Piauí e o Valor Econômico. O resto eu "pesco" através do Twitter. Ou quando alguém me repassa um jornal ou revista (físicos). Fora do Brasil, eu leio o TechCrunch, assisto (ou ouço) os videocasts do This Week in Startups, sigo os tweets do Scobleizer, os artigos do Chris Anderson na Wired, abro os links do Jeff Jarvis e mergulho nos ensaios do Clay Shirky (para esclarecer a lista acima). Às vezes compro a Economist. E às vezes caio na New Yorker, por causa de uma indicação ou outra. Não procuro acompanhar tudo e acho que, hoje em dia, nem precisamos. ;-)
Sobre escrever, tenho fases. Numa certa época, eu escrevia toda semana sobre música. Já me arrisquei mais em outras áreas ― que não são minha especialidade ―, como Gastronomia e Teatro. Mantive Colunas, de artigos e textos longos, durante anos. Mas, agora, estou mais voltado para a reforma do site (programação e layout), então diminuí minha produção textual. Noto que tenho escrito muito sobre internet, tecnologia... E alguns assuntos ― como o fim do suporte físico (tanto para os jornais quanto para os livros) ― simplesmente me fascinam...
7. O que leva em consideração na hora de redigir suas críticas literárias?
Numa certa época, eu procurei ler meus contemporâneos, até para conhecer. Aí, tentava separar o joio do trigo, digamos assim. Hoje, não sinto mais que tenho de "divulgar" os novos escritores (de livros). Então, vou depurando as minhas leituras. (Até porque cheguei em clássicos como o Dom Quixote, aí fica difícil ter boa vontade com a nossa produção local...)
Acho que quando você escreve crítica ― qualquer tipo de crítica ― você leva em consideração o seu repertório, e vai, geralmente, contrapor aquela produção "nova", sob sua análise, com alguma referência mais forte. Se eu leio um contemporâneo, por exemplo, vou compará-lo ao que eu considero o melhor, hoje: Milton Hatoum, Sérgio Rodrigues, Michel Laub e Daniel Galera. Crítica, para mim, talvez seja confrontação.
8. Quais os maiores erros e desafios da crítica literária no Brasil?
Eu já critiquei muito uma certa crítica literária que ficou incensando novos autores, nas últimas décadas, só porque eles eram "novos" e/ou porque eles eram "brasileiros". Um desses críticos, inclusive, me chamou para almoçar e tentou me explicar que tentava ver "o que havia de bom" em determinado autor (fazendo literalmente "vista grossa" para seus defeitos). Respeito a pessoa do crítico, mas considero esse procedimento desonesto para com o leitor que compra livros no Brasil. Imagina o jornal dizer que é "bom", você comprar e descobrir que é uma porcaria? (Já aconteceu comigo. E eu logicamente perdi o respeito pelo crítico...)
Talvez seja um traço do nosso subdesenvolvimento (intelectual, também). Como éramos quase um país de analfabetos, até há pouco tempo, qualquer um que escrevesse, já merecia um prêmio. Mas agora, até com a internet, existem milhares escrevendo. (Publicaram-se dezenas deles.) Portanto, a crítica tem a obrigação de selecionar essa gente. Chega de tentar ajudar o "pobre escritor brasileiro" ― às espensas de leitores ludibriados com livros que não valem a pena. Nossa literatura vai ser melhor quando parar de ser "subsidiada" por uma crítica, ou por um resenhismo, condescendente.
9. Quais leituras são imprescindíveis a um crítico cultural?
A leitura de críticos culturais. Tive uma Colaboradora que queria ser crítica, mas que não lia crítica. Só assistia ao crítico, que ela admirava, pela televisão. Crítica, eu acho que é escrita. E, se você não conhecer os grandes, da sua área pelo menos, nunca vai crescer. Vai ficar no impressionismo que grassa na blogosfera... Eu me formei lendo o Paulo Francis, mas aconselharia a Bíblia do Caos, do Millôr, todas as biografias do Ruy Castro, os ensaios do Sérgio Augusto no Lado B, fora monstros sagrados como o Wilson Martins (de quem eu comecei a ler a série Pontos de Vista). Fora do Brasil, eu indicaria o Harold Bloom, o George Steiner e Erich Auerbach, para ficar em dois contemporâneos e um "eterno".
10. Como é feita a produção de conteúdo no Digestivo? Com que frequência é atualizado?
Eu escrevo as Notas/ os Digestivos (que saem duas vezes por semana). Os Colaboradores cadastram suas Colunas (que saem todos os dias). Dividimos o Blog (atualizado diariamente). Convidamos jornalistas, escritores e artistas para os Ensaios (atualizados semanalmente). Entrevistamos (mensalmente). E eu escrevo os Editoriais (mensalmente, eu tento). Fora isso, entram os Comentários (em tempo real).
11. O que o leitor cultural mais gosta de ver no Digestivo?
É difícil generalizar. Aliás, alguns textos mais "genéricos" fazem bastante sucesso no Google (como alguns sobre amor ― sim, "amor"). Mas não diria que esses acessos representam o leitor médio do Digestivo. Acho que o nosso leitor procura, justamente, uma alternativa ao jornalismo tradicional. Como nomes diferentes, temas diferentes... Uma "pegada" mais autoral talvez. Misturando com gente consagrada, mas com coisas "não tão óbvias" deles. Complementando com o nosso olhar sobre a própria internet...
12. Como foi feita a seleção dos colaboradores do Digestivo?
Ela se dá através do texto. A pessoa manda e, se gostarmos, publicamos. Com o tempo ― com o acúmulo de colaborações ―, a pessoa recebe uma senha e pode cadastar diretamente. No início, eu chamei dez pessoas, entre amigos e conhecidos, que eu sabia que escreviam e que eu sabia que gostariam de publicar na internet (não havia quase blogs, ou ferramentes de publicação gratuitas). Essas dez pessoas foram chamando outras pessoas... E um padrão acabou se estabelecendo, com o tempo. Hoje chega mais gente do que damos conta...
13. O que você anda lendo ultimamente?
Acabei de ler o Gênio, do Harold Bloom. E, em termos de literatura, eu tenho preferido a clássica (como disse acima). Tentei engrenar a segunda parte do Dom Quixote, mas ainda não foi possível. Tenho lido também, bastante, sobre internet e internet business. Li há pouco tempo, por exemplo, The Cathedral and the Bazaar, sobre o desenvolvimento do open source e do Linux (esse livro no Kindle). Adorei A Linguagem das Coisas, sobre um assunto que eu não domino, design. Tento ler muitas outras coisas, que não concluo ou não avanço (então não cito). Agora entendo melhor o Paulo Francis, quando dizia que lia 100 livros por ano, mas que, "de cabo a rabo", pouquíssimos...
14. Pode me descrever o ambiente de trabalho do Digestivo (como é, quantas pessoas trabalham)?
Basicamente, são duas pessoas que coordenam o trabalho de outras quinze, no mínimo. Falo de mim, o Editor, e do Rafael Rodrigues, meu Editor-assistente. E falo dos nossos Colunistas fixos (sem contar a Ilustradora e demais Colaboradores eventuais). Descontando-se, também, os Comentários, os e-mails e os contatos com as assessorias de imprensa. E os Parcerios, sempre.
Os Colaboradores cadastram seus textos, que entram no sistema, e ficam à espera do Rafael, para revisar e montar as Chamadas (agendando a data, definitiva, de publicação). Eu vou escrevendo meus textos e escolhendo os Ensaios, semanalmente. Liberei, recentemente, as Entrevistas (mas antes fazia todas). Eu e o Rafa dividimos a moderação/revisão dos Comentários, mas os Colaboradores podem apagá-los, diretamente, se não gostarem. Procuramos redistribuir os melhores releases das assessorias de imprensa diariamente (são dezenas). E eu lido com os Parcerios, a maioria editoras (que fornecem livros, para remunerarmos nossos Colaboradores). Também lido com Anunciantes e novos projetos...
15. Além do Digestivo, em quais projetos está trabalhando atualmente? Quais são seus projetos futuros (pessoais e profissionais)?
O Digestivo me toma quase todo o tempo. Mas, particularmente, estou trabalhando na reforma do site, não só de layout, para "os próximos dez anos", digamos. Não posso dar muitos detalhes, porque estou experimentando muita coisa diferente (que pode não funcionar). Mas o grosso das mudanças vai sendo anunciado na seção de Editoriais... ;-)
A certa altura de seu Tristes Trópicos, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss escreveu sobre sua estada junto aos Nhambiquaras. Há um trecho em que ele trata da questão da escritura. Claudia Leitte (com dois t's, é bom ressaltar) não é antropóloga, mas os leitores da Folha descobriram ontem que ela também tem a sua escritura, que aqui vamos chamar de estilo. Qual é o paralelo entre os dois? Levi-Strauss descobriu um pouco daquela sociedade a partir de seus escritos. Nós, os leitores da primeira década de 2000, podemos entender um pouco mais de Claudia Leitte.
A cantora, que está em todos as mídias, agora arrisca seus palpites no "Tendências e Debates", seção da Folha de S.Paulo (o jornal do futuro) em que os autores discorrem sobre "diversas tendências do pensamento contemporâneo", como está no próprio cabeçalho da página A3. No passado, autores como Florestan Fernandes ocuparam esse espaço. Agora, ele é de uma cantora do mainstream, para dizer o mínimo. E sobre o que Claudia Leitte (com dois t's, lembrem-se) escreve? Ora, sobre "Internet, liberdade e responsabilidade". Ao que parece, veicularam a foto de Leitte (sim, leitor, é com dois t's mesmo) como se ela fosse a agenciadora de garotas de programa. Coisa grave, de fato.
O que me chama a atenção, para além do fato de ela sugerir que a internet deva ser controlada "precisamos de uma legislação célere, capaz de responsabilizar e punir (...)" , é a escritura, o estilo e os argumentos de autoridade da cantora. Claudia Leitte (ah, os dois t's) faz uso de um vocabulário sofisticado "Mas é justo querer fazer de uma ilação uma verdade?"; de perguntas retóricas; e de uma citação final a José Saramago, o Nobel de Literatura: "Também vou aconselhá-lo [meu filho] a ler Saramago". E você, hein, leitor? Imaginando que Claudia Leitte só cantava: "eu só quero é beijar na boca"? Eu sei, eu sei: devem ser os dois t's...
O projeto Voa Viola pretende mapear o que está sendo feito de interessante no Brasil com o instrumento. Entre as ações estão um portal e um festival, cujas inscrições vão até o dia 16 de agosto. A seguir, o violeiro Paulo Freire, um dos curadores do projeto ao lado de Roberto Corrêa, responde três perguntas.
1) Paulo, você e o Roberto Corrêa são os curadores do Voa Viola. Como é o trabalho de vocês para que o projeto consiga atingir o objetivo de mapear a produção dos violeiros no Brasil?
Roberto e eu temos uma parceria muito antiga. Temos uma grande afinidade de ideias e realizamos alguns projetos juntos. O Voa Viola é uma grande oportunidade para os violeiros de todo o Brasil mostrarem seus trabalhos, discutirem as questões, contarem causos, além de poderem participar do Festival com prêmios e shows pelo Brasil. Estamos notando um crescente interesse pelo instrumento e pela história que ele carrega. Nestes anos todos de viola firmamos muitas amizades e agora, espalhando a notícia, já está aparecendo um bocado de violeiro para engrossar o ponteado.
2) Num tempo de "modernidades" e entretenimento, de internet a videogames e "iPads", como a viola pode contribuir para a música em geral? Se você tivesse que apresentar a viola a um jovem, o que diria para despertar seu interesse?
A viola tem o efeito de tirar o sapato apertado e largar o pé no riacho, uma tachada de doce de leite, um mergulho na cachoeira, a música do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Quem quer ter mais tempo para aproveitar a vida é só entrar no mundo da viola. O portal Voa Viola pode mostrar estes assuntos e mais um bocado de novidades.
3) Você está há alguns anos vivendo da música através da viola. Como você vê esse mercado e a aceitação do público em relação ao instrumento? Houve evolução? Há interesse?
Sim, o interesse é cada vez maior. O mercado de trabalho para o violeiro é muito interessante, principalmente para quem quer tocar viola com todas as suas características: afinações, ponteados e técnicas peculiares. A música de viola enriquece muitos segmentos artísticos, é um mundo a ser descoberto e aproveitado. Estão surgindo oportunidades também para mistura com outras artes: cinema, teatro, dança. Como a viola se estabeleceu no interior do Brasil, ela é capaz de revelar a natureza de nosso país.