É atribuída a Antonio Lizárraga (1924-2009), artista plástico argentino radicado no Brasil, a afirmação de que a arte não tem que ser bonita: quem desejar coisas bonitinhas deve procurar bibelôs na esquina. A advertência poderia ter sido afixada à entrada do auditório do SESC Pinheiros, na noite de 25 de agosto de 2010, quando a apresentação do conjunto Percorso Ensemble serviu de fecho à programação dedicada à música erudita, levada a cabo ao longo dos meses de julho e agosto deste ano.
O Percorso Ensemble é uma formação camerística criada em 2002, voltada para a interpretação do repertório erudito dos séculos XX e XXI. Integrado por três percussionistas (Márcia Fernandes, Herivelto Brandino e Ricardo Bologna, seu fundador), além de um violoncelista, Douglas Kier, a audição no SESC Pinheiros concentrou-se na execução de peças de diferentes compositores, reunidas sob o instigante rótulo de teatro musical. Afinal, a ópera Otelo, de Verdi (1813-1901), por exemplo, baseada na obra homônima de Shakespeare (1564-1616) para teatro não deixa, de certo modo, de ser acolhida dentro dessa mesma rubrica (como todo gênero operístico, por sinal). No caso particular do Percorso Ensemble, o que ocorreu no palco revelou-se como algo muito próximo das conhecidas performances.
O espetáculo foi precedido das palavras do grande violonista Fábio Zanon, curador do evento, que didaticamente sintetizou sua proposta. Em primeiro lugar, ele observou que as peças a serem executadas tinham sua âncora no questionamento dos limites da arte ― aqui compreendidas as fronteiras da tela, do texto, do palco e da partitura ―, iniciado na passagem do século XIX para o século XX e que chegou ao clímax no pós Segunda Guerra Mundial.
No campo musical, segundo Zanon, a música, além de ater-se a seus elementos tradicionais (melodia, harmonia e ritmo), passou a levar em conta outros aspectos como o gesto, a textura sonora, o visual e, remetendo-se a John Cage (1912-1992), o próprio silêncio.
Depois de recordar que, de uma certa forma, essas considerações já haviam sido tecidas na Renascença, época em que veio à luz, entre os séculos XVI e XVII, o gênero operístico, em uma ruptura dos limites ditados pelas polifonias medievais, Fábio Zanon discorreu sobre cada uma das peças do programa: Bravo, de autoria do brasileiro Tim Rescala (1961- ); Siegrifiedp, de Mauricio Kagel (1931-2008); Les guetteurs de sons, de Georges Aperghis (1945- ); Vous avez du feu? e Musique de table, respectivamente sob as assinaturas de Emmanuel Séjourné (1961- ) e Thierry de Mey (1956- ).
O espetáculo traduziu-se em um desafio a ser encarado com humor e por ouvidos bem informados, daí a pertinência das explicações de Fábio Zanon.
Em Bravo, os quatro intérpretes mimetizaram uma plateia, tirando sonoridades das palmas, dos brados de "Bravo", dos pedidos de "Bis" e de outros ruídos que habitam, com os fantasmas, as salas de concerto: o papel da bala desembrulhada, a tosse irritante e o espirro inconveniente.
No único solo da noite, o violoncelista Douglas Kier interpretou Siegfriedp, aproximadamente cento e vinte variações criadas por Kagel, compositor argentino-alemão, sobre o anagrama musical formado pelas letras do nome do cellista Siegfried Palm. A partitura ― uma tabela montada nas seis faces de um cubo ― apareceu desdobrada sobre a estante do músico e integrou a performance. A interpretação, além das cordas dos instrumentos, incluiu tanto a respiração como a voz do intérprete.
Por seu turno, Les Guetteurs de sons ("Os espreitadores" ou "vigilantes" ― como quis Fabio Zanon ― "de sons") revelou-se como um estudo sobre o gesto do músico ao tocar seu instrumento. Os três percussionistas, de forma dramática, assumiram cada qual o seu tambor, soltando frases sobre a escuta do silêncio e a música que provém da natureza, não apenas da água que corre como das entranhas das conchas do mar.
Em Vous avez du feu? ("Você tem fogo?"), diante da plateia deixada às escuras, o Percorso Ensemble, com os integrantes vestidos de negro, acendeu e apagou repetidas vezes oito isqueiros, criando a ilusão de pequenas estrelas luziluzindo no palco.
Finalmente, a última peça da noite foi Musique de tables ("Música de mesas"), em uma alusão ao gênero praticado nos séculos XVII e XVIII, de composições escritas para acompanhar banquetes. Para interpretá-la, os mesmos percussionistas postaram-se diante de mesas e delas tiraram sons dos mais diversos, desde a passagem ritmada da ponta dos dedos e das palmas das mãos até o batuque.
Da mesma forma que grande parte do público tem dificuldade em aceitar como expressão artística certa parcela da produção visual contemporânea (considerando contemporâneos artistas já tidos pelo olhar especializado como canônicos, a exemplo de Jackson Pollock, 1912-1956), parte expressiva dos frequentadores das salas de concerto são refratários à música erudita atual.
Se, no quesito artes visuais, o desdenhoso espectador médio, afirma que "qualquer criança pode fazer aquilo" ou que "um pincel molhado em tinta e amarrado no rabo de um burro pode produzir algo semelhante a aquilo", a desqualificação, na música, chega por meio de observações de que a criação é barulho.
Sim, naquela noite nenhum dos presentes saiu do auditório do SESC Pinheiros cantarolando, ainda que mentalmente, trecho de uma das peças interpretadas, como contrariamente aconteceria ao fim de um concerto de Rachmaninoff (1873-1943). Mas, por outro lado, a música daquela noite, apesar de cerebrina ao excesso, exigindo a companhia de explicações prévias, à guisa de bula indicativa de seu modo de uso, é a canção de nosso tempo. Dissonante, agressiva, por vezes capaz de despertar discreto riso, porém, no todo patética, como um míope conduzido por um cego, à procura de redenção em um labirinto escuro.
Parafraseando Oscar Wilde (1854-1900), no prefácio do romance O retrato de Dorian Gray, a música do Percorso Ensemble pode ter instigado na plateia os complexos sentimentos de Caliban ao olhar para o espelho do palco e, ao mesmo tempo, reconhecer-se e não se reconhecer.
Nota do Editor
Eugenia Zerbini venceu o Prêmio SESC Literatura 2004 na categoria romance, com o livro As netas da Ema. Tem contos publicados no jornal Rascunho, revista Cult e no blog do caderno "Prosa e Verso" de O Globo.
Neste domingo, em Taubaté, os interessados tiveram a oportunidade de comparecer à pré-estreia de Nosso Lar. Foi com verdadeira e pessoal comoção que deixamos a sala de cinema. Baseado no livro homônimo do espírito André Luiz, transmitido pela psicografia de Chico Xavier, esperamos que o filme tenha alcance maior que o público espírita. Há detalhes que, si não constam da obra original, como a presença de Emmanuel, enriquecem o filme. A trilha sonora foi composta especialmente por Phillip Glass, incluindo trechos de peças clássicas mais conhecidas, como a Sonata ao luar de Beethoven. Longe de impor ideias ou fazer prosélitos, gostaríamos que, no mínimo, as pessoas incluíssem como temas de suas reflexões a lei de ação e reação, bem como a reencarnação, que nada mais são do que expressões e meios de execução da Justiça Divina.
"Isso tudo é superstição com a qual a Ciência nem lembra de preocupar-se". Cada dia mais assertivas assim adquirem status de lugar-comum, com toda a superficialidade inerente. Nos dias 24 a 26 de setembro, estaremos na capital de São Paulo participando do I Simpósio Internacional "Explorando as Fronteiras da Relação Mente-Cérebro", no qual serão debatidos justamente temas como a mediunidade, a reencarnação e experiências de quase morte. Os expositores, além de dois brasileiros, vêm dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Islândia. Nenhum deles possui titulação acadêmica inferior ao PhD.
Voltando ao filme, chamamos a atenção para cenas marcantes como o encontro de André Luiz com sua mãe, a descoberta de que ela acompanhava-o no momento do desencarne, e a chegada à Colônia das primeiras vítimas do Holocausto.