Blog é literatura?
Uma vez me fizeram aquela pergunta: você acha que grafite é arte? Aí eu respondi que, se o grafiteiro for o Michelangelo Buonarroti, sim, sem dúvida que grafite é arte. Citei isso porque toda vez em que se começa a falar de blogs, está implícita a pergunta: afinal, blogueiros são escritores, blog é literatura?
Perguntas estúpidas, aprendi já faz tempo, têm um considerável poder de nos estupidificar, se as tratarmos com imerecido respeito e insistirmos em lhes dar respostas objetivas. A uma pergunta estúpida cabe apenas a resposta: sua premissa é furada, chuchu. Vá pentear macaco.
A premissa da pergunta "blog é literatura?" é furada porque o meio por onde uma mensagem é propagada não define o que essa mensagem é. (Ei, Marshall McLuhan: vá pentear macaco você também.) O Nelson Rodrigues publicou Asfalto Selvagem, capítulo a capítulo, como folhetim de jornal. No mesmo jornal, talvez o Pedro de Lara fizesse suas interpretações de sonhos e Madame Sosostris, a célebre vidente, assinasse o horóscopo. Pedro de Lara e a tal madame poderiam reivindicar o título de escritores apenas por dividirem um mesmo espaço físico com o Nelson? E alguém poderia pôr em dúvida a denominação "literatura" dos escritos de Nelson Rodrigues apenas por ele escrever na mesma página em que eram desovados os palpites de um lunático e as profecias de uma charlatã?
Na verdade, a maioria das questões que a internet fomentou desde 1996, 97, por aí, acabaram se mostrando pseudoquestões. Naquela época, a internet de fato mexia com a imaginação das pessoas - havia meio que um clima de o céu é o limite, uma coisa meio parecida com os anos 1960 da Corrida Espacial, em que as pessoas davam como certo que em 2010 estaríamos fazendo piqueniques em Júpiter. Até que chegou o momento em que as pessoas começaram a perceber os claros limites dessa nova realidade com que estavam lidando.
Eu me lembro que o Gerald Thomas uma vez falou exatamente sobre isso - seu diagnóstico, quase preciso, foi de que a internet surgiu prometendo uma grande revolução artística, mas que em pouco tempo virou apenas uma infinita "Páginas Amarelas" cheia de anônimos tentando desesperadamente se autopromover. O Gerald foi, como disse, quase preciso porque há em sua declaração uma coisa tolamente ilusória (ninguém jamais levou realmente a sério essa coisa de "revolução artística") e um viés escrotamente elitista.
Sim, um viés escrotamente elitista: o que há de errado em pessoas que acham que têm algo a dizer disporem de meios, e meios baratos, para fazer isso? Vá lá, até concordo, é chato mesmo que 90% dos blogs existentes na rede sejam escritos por idiotas e subliteratos, mas até aí a culpa não é da internet. E sobram ainda 10% de pessoas bacanas, talentosas etc., que, por não terem compadres no mercado editorial, não terem estômago para puxar o saco de figurões - ou até mesmo frequentar suas camas e sofás -, não terem grana pra bancar um vanity press de 500 exemplares etc. etc. etc., não estão mais condenadas a ver seus escritos mofarem na gaveta.
Nota do Editor
Texto escrito para o Especial "A Arte de Blogar".
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Postado por
Eduardo Haak
19/1/2011 às 03h07
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