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Quarta-feira, 11/5/2005
Blog
Redação
 
Rufo, 80 III

Uma vaca atropelada. Chamam a polícia. Correria. Os mortos de fome da rua e da favela perto dali carneavam o animal. Usavam facas e facões rudimentares. Não havia sobrado nada, nem os ossos.

José Rubem Fonseca poluiu minha mente com esta, que foi a primeira cena de horror de minha vida, em "Relato de ocorrência". E a alma, quando soube que havia sido real.

Não tem mais volta. Sinto uma mão de gelo em meu ombro com as histórias de Rubem. Exatamente por isso sou fã.

Andréa Trompczynski, também sobre o Rufo.

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Postado por Julio Daio Borges
11/5/2005 às 13h59

 
Rufo, 80 II

Tenho duas memórias dos livros do Rubem Fonseca. Uma da alma, outra das lombadas. Uma delas permanece quente dentro do meu cérebro, memória de histórias secas, duras, violentas, que me golpearam a fundo. A outra, real, me olha da estante todos os dias, apertadinha entre outros escritores. Como se soubesse de tudo. O meu Rubem Fonseca não tem oitenta anos, não é um único homem e não se importa se machucar com suas palavras afiadas. São muitos homens, muitas mulheres, são putas, são Lúcias McCartneys, são milionárias, são criminosos, são homens comuns. No olhar furtivo que dou à prateleira, as duas memórias se embaralham. E o meu Rubem Fonseca mais uma vez me assusta, surgindo na minha lembrança num golpe rápido, para repetir mais uma vez que vida e morte vivem lado a lado, como a alma e a lombada. Parabéns por isso, Rubem. Por tudo e só isso: pela coragem de contar uma verdade tão dóida.

Lúcia Carvalho, em sua homenagem ao Rubem.

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Postado por Julio Daio Borges
11/5/2005 às 13h57

 
Rufo, 80

Muito mais do que literatura policial, o que Rubem Fonseca escreve são verdadeiros tratados, recheados de ironia e sarcasmo, sobre o "baixo clero" da sociedade brasileira. São policiais, criminosos, gente comum. Sempre num cenário urbano assustadoramente real, ao mesmo tempo em que parece existir num plano separado do nosso tamanho a peculiaridade dos personagens e situações. Rubem Fonseca escreve do real sem que seus escritos pareçam ser do real. Com categoria, conhecimento, inteligência, charme. Palavrões, tesão, sexo, mortes, nas letras dele, não são grosseiros. São parte de um universo muito mais amplo. Que venham outros 80 anos!

Marcelo Miranda, em homenagem aos 80 do Rufo. Hoje.

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Postado por Julio Daio Borges
11/5/2005 às 12h25

 
Livros felizes

Em minha cidade há somente um escritor. Ele já publicou um livro, alguns anos atrás. Um escritor de cidade pequena, comum, foi até eleito vereador. Um escritor bom. Não, não que escreva bem. Ele é péssimo, fala sobre a mãe como a rainha do lar, essas coisas de escritor de cidade pequena. É bondoso, anda pelas ruas sorrindo, publica poesias no jornalzinho local e escreve crônicas bondosas em datas comemorativas. Não parece se atormentar com cruéis dúvidas sobre quem ele é, perder o sono tentando encontrar modos menos doloridos de escoar os malditos pensamentos.

O escritor bondoso foi homenageado na festa de fim-de-ano da escola de meu filho. Falou da importância de ler. Disse aquela frase do Lobato, construir um país com homens e livros. Eu não sabia o que sentir, era raiva, depois piedade. Foi aplaudido quando doou seus livros felizes para a escola. Então uma putrefata inveja veio de minha metade Mr. Hide. Os bons são aplaudidos nas cidades do interior, eu nunca seria aplaudida, merda. Minha mãe pegou em meu braço e sussurou: "olha, um dia será você ali. Eu sempre falo para todos que você escreve, filha". Agradeci em pensamento a um deus qualquer por ela nunca ter lido. Era melhor que pensasse que eu falava sobre brilho da lua e coisas assim, como o escritor bondoso, que pensasse que um dia eu estaria ali.

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Postado por Andréa Trompczynski
11/5/2005 às 09h46

 
Casa da Ignorança

Mais e melhores Ratzingers

Desde que soube da criação e dos bons frutos da Casa do Saber, centro de estudos chiques de São Paulo, já devidamente alcunhado de Daslusp, meu amigo Pereira, tosco no último, cotovelos gastos nos balcões de botequim, inimigo declarado do neo-iluminismo, danou-se, avalovarou-se, oxe. Quer porque quer abrir a sua Casa da Ignorança. Está na praça a colher subscrições de apoio ao seu projeto. Entornou a aguardente do destemor e da coragem, e agora não há mais como removê-lo de tal engenho e arte. É líquido e certo como tudo aquilo que ingere.

"Mais encanadores e menos Sartres", brada o entrevado, retomando uma antiga peleja desta Pátria de extremos,sempre entre o 8 ou 80. "Chega de Beauvoirs de butique", provoca, bandeira das ignorâncias desfraldada. "Abaixo as peruas nietszcheanas, que gastam seus aforismos até com as oiças de vendedoras de shoppings", abestalha-se, combatendo o que julga ser o seu bom combate. E mesmo que os amigos todos, esclarecidos, tentem ignorá-lo, ele segue, avante, montado no burro do desconhecimento, às quedas, embriaguês de teimosia e de cachaça, triste figura, lá vai o nosso bom e risível cavaleiro.

"Fora os mauricinhos kantianos", prega ainda o destemido Quixote de boteco, cujos moinhos são os ventiladores de teto. De todos os cursos da Casa do Saber, sempre na mira da sua espada chauvinista, um, em especial, o chamou para a briga: "Drama Grego - Formas Trágicas de Eliminar uma Mulher". "Pera lá, comequié?", soluçou, na sua crítica da pinga mineira de alambique pura. "Isso mesmo que ouviste!", aquiesceu a moderninha civilizada, discípula do professor daquele curso, sr. Antonio Medina Rodrigues. "Ele analisa a maneira como os gregos encaravam a mulher e o feminino na antiguidade e como esses modelos trágicos deixaram marcas recorrentes na subjetividade do ocidente", completou, lendo o catálogo do combatido estabelecimento. O cavaleiro da Casa da Ignorança perdeu de vez a paciência e, do alto do lombo do mal-entendido, esporou: "Comigo não tem essa viadagem de subjetividade recorrente, uma mulher é uma mulher é uma mulher, e nela não se bate nem com uma flor!"

Xico Sá, em o carapuceiro (que assina a mais anárquica página da Bravo!, a última - aliás, acho que foi uma indicação de alguém de lá...).

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Postado por Julio Daio Borges
11/5/2005 às 09h22

 
Escola da Vida

Dica(s) da Andréa para a Viviane: aqui, aqui e aqui (fonte: malvados.com.br).

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Postado por Julio Daio Borges
11/5/2005 às 08h22

 
Um post sem graça

Algumas capas de livros são tão boas que justificam o investimento, independente do que se pode ler no miolo. Julgo livros pela capa sem pudor algum. Quando não estou numa livraria, gosto de navegar pela Amazon só pra bisbilhotar capas, diagramações e projetos gráficos. Este, por exemplo, já está na minha Wishlist e deverá ser comprado em breve porque a capa ficou estampada na minha mente.

As diversas derivações de sentido que constam no verbete "ironia" de qualquer dicionário atualizado evidenciam até que ponto a ironia se entranhou na cultura, nos hábitos e no cotidiano das pessoas. Falar em uma "postura irônica" não faz muito sentido. Até prova em contrário, há algum grau de ironia em tudo que vemos, escutamos, lemos e assistimos. A ironia costuma ser associada à rebeldia e à irreverência, mas há muito tempo (década, talvez décadas) esse componente rebelde foi neutralizado pela banalização do uso da ironia. Ela é a postura oficial da televisão, por exemplo (programas baseados na auto-paródia irreverente estão por toda parte), e desde que o Lula foi eleito se sucedem os indícios de que está sendo adotada também pelos governos. Na cultura pop, ironia é sinônimo de humor. O fato é que, em algum momento de nosso passado recente (talvez a ascensão do Marcos Mion e seu Os Piores Clipes do Mundo na MTV), a ironia como postura diante do mundo atingiu o paroxismo (resultado: não apenas Marcos Mion, mas também todo e qualquer tipo de videoclipe foram ejetados da programação da emissora, que se vê presa num estado zumbi de auto-ironia antropofágica ou algo assim).

A ironia é um recurso destrutivo. Quando bem aplicada, ela resulta em uma crítica indefensável que não propõe nada no lugar do que está sendo criticado. Por isso, a ironia tem um efeito positivo apenas quando as duas partes envolvidas (quem enuncia a ironia e quem a recebe) possuem opiniões claras ou argumentos bem delineados, além de, é claro, um nível mínimo de inteligência e informação para processar tudo isso. Quando usada indiscriminadamente, a ironia tem efeito meramente destrutivo. É como aquelas discussões ferozes entre crianças. Uma diz "Eu não gosto de Pokemon" e a outra responde com algo como "é, mas teu pai tem câncer e tua mãe tem cheiro de cocô". A primeira criança vai embora chorando e a outra ganha um upgrade de auto-estima. Fim da discussão. A ironia banalizada pode ser igualmente vazia e destrutiva. Um livro repleto de clichês românticos banais pode ser declarado pelo autor como uma crítica irônica ao romantismo. Claro, é evidente! Por que alguém colocaria clichês românticos em um livro hoje em dia a não ser para ironizá-los? No entanto, a ironia não dará pistas de por que afinal o romantismo é tão ridículo, e muito menos oferecerá sugestões do que poderíamos usar para combatê-lo ou substituí-lo, se fosse o caso. E se alguém questionar o autor a esse respeito, receberá como resposta apenas algo como "mas é uma ironia, meu caro, se tu não entendeu, vai ler Lya Luft. Ironia não pode ser explicada, te liga".

A ironia do consumo moderno também tem um efeito vazio e remete ao consenso de que tudo se equivale, nada pode ser levado a sério. Dar ao que é inferior, de mau gosto ou nocivo o status elevado do cool é a solução imediata e agradável (bem-humorada) para um momento histórico de crise de valores estéticos. E, de fato, ironizar a cultura e os hábitos é engraçado. É engraçado, divertido e nos dá a agradável sensação de estar compartilhando piadas, as verdades por trás das ironias. Isso seria positivo, se não fosse a existência do outro lado da moeda: um desespero dissimulado diante da ausência de soluções para um mundo cujos problemas só podem ser resolvidos pelo sarcasmo, pela ridicularização dos contrastes.

A questão, portanto, não é como evitar ou combater a ironia. Isso seria perda de tempo. A questão mais adequada é como, dentro de um mundo essencialmente irônico, pode ser possível comunicar algo relevante sem ser chato.

Daniel Galera em seu Rancho Carne (porque a moda aqui, agora, são os posts longos - ah, e ele linca pra nós).

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Postado por Julio Daio Borges
10/5/2005 às 16h43

 
O cacófato da ex-prefeita

A Rede 21 é uma bóia salva-vidas para quem não tem TV por assinatura e precisa sobreviver ao mar de besteiras transmitidas pelas demais emissoras de TV aberta. A partir de ontem, segunda-feira, a Rede 21 está diferente. Mantém o mesmo perfil da programação, mas acrescentou novas atrações e trocou outras de horário. Uma das novidades é o talk show Saca-Rolhas, comandado por uma improvável trinca de apresentadores: Marcelo Tas, Lobão e Mariana Weickert.

A entrevistada que "tirou a virgindade do programa" (trocadilho infame de Tas) foi a ex-prefeita de São Paulo, Martha Suplicy. As perguntas começaram bem comportadinhas, tranqüilas, permitindo que entrevistada e entrevistadores tivessem bom desempenho nas preliminares. Próximo do fim, a temperatura aumenta e todos chegam ao clímax com a ex-prefeita atacando seus adversários políticos. No meio da confusão, sobressai-se a voz esganiçada de Mariana Weickert.

Mas o ponto alto do programa, na minha opinião, foi o cacófato soltado pela sexóloga. Ao responder como analisar psicanaliticamente a Câmara dos Deputados, ela disse que alguns parlamentares até são idealistas e pensam no bem do povo. Mas outros, "do palco gosta" mesmo (sic). Freud explica.

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Postado por Adriana Baggio
10/5/2005 às 09h54

 
Cultura

Quem gosta de se atualizar e discutir sobre o assunto, precisa passar pelo Digetivo Cultural. Lá pode encontrar bons textos críticos e se manifestar sobre eles.

Maíra, no seu Passagem das Horas.

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Postado por Julio Daio Borges
10/5/2005 às 07h30

 
O homem, o mar e o tempo

Um dia a gente foi com a família do seu Lisboa conhecer Itapuã. Tinha o coqueiral imenso, o areal, o farol bonito. Foi aquele encanto de gente de nível mais alto que desejava uma solidão à beira-mar. Tinha lá umas casas distantes umas das outras, uma vila de pescadores. Isso me fascinou de tal modo que eu aproveitava qualquer chance de ir a Itapuã. Ia a pé pela praia. Levava uma garrafa térmica com batida. Pra distrair.(...) Imagine que Itapuã foi crescendo e ficando famosa à base da propaganda que eu fazia no Rio. Com o tempo, foi se tornando um lugar que em dias de feriado quase que não se pode andar. Deram o meu nome à praça. Mais tarde, o governo mandou me avisar que ia ligar a praça ao aeroporto e que a avenida também ia se chamar Dorival Caymmi. Eu fiquei encantado, e então quis roubar a placa da rua. Mas, quando eu cheguei, alguém já tinha roubado...

* * *

Minha música é de antes do movimento rotulado. Movimento de Caetano e Gil, a Tropicália, vem com título, então não é do meu tempo. Tinha a capoeira no meio, mas com influência das cantigas modernas, rock'n'roll, be bop. Não é tão baiano. Não é tão brasileiro.

* * *

Ah, eu gosto do Chico Buarque... Um dia eu estava num hotel em São Paulo e encontrei o Ciro Monteiro. Ele me falou assim: "Sabe quem é aquele cara ali no balcão?" Era um rapazinho novo, garoto. O Ciro: "É o autor dessa música que está fazendo sucesso aí, 'Estava à toa na vida, o meu amor me chamou...'" Ah, eu fiquei encantando... Não pude falar com ele porque ele era meio fechadinho, estava tomando café no balcão. "Chico Buarque... É esse garoto, então?" Para encontrar Chico, eu esperei um tempão. De repente, via ele em algum lugar e dizia: "Oh, você por aqui, Chico! Onde é que você mora agora?" E ele: "Leblon, sei lá o quê". Em "Paratodos", que é uma jóia, ele teve um elogio pra mim. Disse: "Contra fel, moléstia, crime, use Dorival Caymmi".

Obviamente Dorival Caymmi, no outro domingo, no Estadão.

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Postado por Julio Daio Borges
9/5/2005 às 14h20

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