Uma nação, duas culturas
O Ocidente, dizem todos, vive nesta década uma ascensão do extremismo político. O termo parece impreciso. No célebre “Dicionário de Política” organizado por Norberto Bobbio, o cientista político Silvano Belligni propõe uma definição: extremistas, diz ele, são aqueles que rejeitam as regras do jogo de uma comunidade política. De onde vem o extremismo de hoje? Uma das hipóteses explicativas mais aceitas está no divórcio entre os valores da maioria da população, geralmente denominados tradicionais, e aqueles apregoados por políticos, jornalistas e artistas progressistas, com espaço na mídia e poder de decisão. Segundo essa percepção, a agenda destes últimos, frequentemente denominada “globalista”, com sua ênfase em temas como aborto, imigração e gênero, encontrariam no povo, na pior das hipóteses, um inimigo, e na melhor, um ouvinte cético. Jamais, contudo, um aliado.
A historiadora americana Gertrude Himmelfarb mostra, em “Uma nação, duas culturas” (É Realizações, 232 páginas, tradução de Rafael Sales de Azevedo), que está mais do que ciente desse divórcio. Segundo ela, os valores que acompanham os americanos desde a fundação do país têm sido atacados por diversos grupos políticos e sociais a partir dos anos 1960, perdendo considerável espaço na mídia e na academia desde então. Mas isso não significa que tenham desaparecido: permanecem vivos no seio da sociedade civil, onde as concepções tradicionais de família, religião e convivência ainda vigem.
O diagnóstico de Himmelfarb passa longe do tom fatalista encontrado na brigada “anti-globalista” da maioria dos países, e a autora é quase o oposto do estereótipo de “culture warrior” tão frequente nas redes sociais, sempre pronto a cingir suas lanças contra os supostos inimigos da tradição. Em primeiro lugar, não entende os anseios dos progressistas como ilegítimos: ao contrário, reconhece-lhes, em alguns casos, um papel renovador. Em segundo lugar, encontra pontos de diálogo entre as duas culturas a que alude, inspirada por uma – muito americana – fé na América e na sua capacidade de absorver novidades e combina-las com a tradição. Os EUA, entende Himmelfarb, podem ter suas divisões. Mas ainda são uma só nação.
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Postado por
Celso A. Uequed Pitol
23/6/2023 às 22h27
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