"(...)A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém.
"Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.
"Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos ― conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente ―, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais.
"O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.
"Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas(...)
"Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado(...)
"Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário.
"Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições(...)
"Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia."
“É possível a poesia após Auschwitz?”, perguntava, em 1949, um estarrecido Theodor Adorno. Uma dúvida pertinente para quem escrevia quatro anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e vivia em uma Alemanha social, econômica e moralmente devastada. Naquelas condições, caberia também perguntar: e a filosofia, é possível? Seu compatriota e contemporâneo Karl Jaspers acreditava que sim. E tanto acreditava que, naquele exato ano de 1949, mesmo diante dos escombros dos bombardeios, da miséria dos sobreviventes e da prostração de uma nação derrotada, encontrou forças para organizar doze palestras radiofônicas, veiculadas pela rádio Basel, da Suíça, versando sobre temas como as origens e os fins do ser humano, a ideia de Deus e a natureza da fé. A partir do conteúdo dessas palestras foi publicado "Caminhos para a sabedoria", que a editora Vozes lança agora em português (196 páginas, tradução de Cláudia Dornbusch) .
Não é fácil classificar um livro produzido de forma tão heterodoxa e em circunstâncias tão especiais: seria uma introdução à filosofia? Sim e não. Jaspers não segue, aqui, o itinerário típico de muitas obras propedêuticas, que apresentam os problemas mais recorrentes na história da filosofia e o tratamento a eles dado pelos pensadores de todas as épocas. Em vez disso, “Caminhos para a sabedoria” promove uma iniciação ao ato de filosofar tal como Jaspers o entende, isto é, como uma atividade integrada à própria essência do humano. Ressalte-se, aqui, o plural usado no título – “caminhos” -, indicando que há muitas vias para se alcançar a sabedoria filosófica. À diferença da ciência, que busca certezas a partir de conhecimentos acumulados ao longo do tempo – pressupondo, portanto, a existência de só um caminho, com um único sentido, das primeiras descobertas científicas até as atuais -, a filosofia não segue uma linha evolutiva e não tem um ponto de chegada pré-definido. Nas palavras do próprio Jaspers, é a busca da verdade, e não sua posse, que dá valor à filosofia. O que, de certa forma, garante que ela não apenas será sempre possível: será, também, sempre necessária.