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Segunda-feira,
19/6/2006
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Redação
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Deus, Diabo e carnaval baiano
No final do ano passado, o diretor Fernando Guerreiro tomou conhecimento do projeto de montagem de um musical sobre a Bahia, que seria produzido para comemorar os trinta anos da Fundação Cultural do Estado. Com o pesado apoio da Lei de Incentivo do Ministério da Cultura e da Petrobrás, tornou-o real na peça Vixe Maria Deus e o Diabo na Bahia, em temporada paulista no teatro Fecomercio até o dia 6 de agosto, após dois anos de uma bem-sucedida temporada em Salvador, onde foi vista por mais de 125 mil pessoas.
Fernando Guerreiro é um dos fundadores da Companhia Baiana da Patifaria e produtor da comédia A Bofetada, que está em cartaz há mais de 15 anos e já foi vista por 500 mil espectadores. O encenador tem como característica o ecletismo quanto aos autores que servem de base para suas montagens, na maioria das vezes comédias, e já trabalhou até mesmo com um texto do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Trabalhou também com atores globais como Raul Gazolla e Caco Ciocler além de Danton Mello e Marcos Mion na filmagem e refilmagem de sua peça Cacilda Baker.
Inspirada no conto "A igreja do Diabo", de Machado de Assis, Vixe Maria Deus e o Diabo na Bahia foi escrita por Cacilda Póvoas, Cláudio Simões e Gil Vicente Tavares, que resolveram buscar inspiração no popular teatro de revista, misturando o trash e o teatro de cordel, tão presente na cultura regional. O resultado é uma peça escrachada, que não somente faz referências ao Carnaval do Estado e ao espírito festeiro de seu povo, mas também a outros traços de sua cultura como a religião com forte influência africana e manifestações populares e cotidianas, entrevendo características sociais.
No enredo, o Diabo, cansado de ser subserviente a Deus, resolve ampliar seus horizontes e arrebanhar mais seguidores. O local ideal para isto é onde os mortais cometem muitos pecados ou vivem mais proximamente inebriados por ele. Inevitavelmente, este lugar se configura no tradicional Carnaval baiano. Logo, Deus é alertado sobre o plano, mas até mesmo o todo poderoso pode cair nos encantos e feitiços do lugar.
O cenário de Euro Pires e figurino de Miguel Carvalho seguem o estilo barroco colonial e ajudam muito no processo de apresentar a cultura da região. O cenário esquemático é dividido em três para melhor visualização e dinamismo. O inferno é localizado em uma fresta aberta no palco, o céu em um andar acima, enquanto os personagens baianos passeiam pelo palco propriamente dito. Sua trilha sonora derrapa em uma mistura exagerada ao fazer releituras de músicas que marcaram carnavais baianos com ritmos como rock, ópera e até mesmo funk, ao invés de focar somente os ritmos regionais populares, que não provocariam tanto estranhamento e surpresas. Algumas até cabem nesta nova roupagem, mas outras soam distorcidas de sua origem.
O elenco é composto por 16 atores. Frank Menezes encarna bem o escárnio inerente da figura do Diabo e seu humor é irônico na maioria das vezes e, conseqüentemente, mais eficiente, bem ao gosto do autor do conto onde a peça foi baseada. Já Cristiane Mendonça, no papel de Naja, a esposa do Diabo, está impagável. Ela incorpora trejeitos de cobra a cada ação no palco e sua personagem é na medida sensual e interesseira sem nunca perder o traço de comédia em cada fala e expressão. Para completar o rol de protagonistas, Jackyson Costa, ou Deus, encarna um personagem ingênuo com tiradas de humor canastrão e Alan Miranda, um Anjo Gabriel infantil que se revela muito esperto e cômico ao longo da peça. Alguns atores secundários na trama acabam se destacando dos demais como Lázaro Machado no papel de Exu e um dos travestis e José Carlos Júnior, como o Pastor Evangélico.
No final, a peça consegue acumular muitas tiradas espirituosas e para isso se utiliza ao máximo das caricaturas do povo baiano e suas diversas facetas. Apenas encontra problemas quando as atuações ficam aquém da fina linha entre o gargalhar de si e dos outros e de seu personagem. Algumas vezes as alusões a fatos atuais soam forçadas, principalmente nas cenas finais, talvez visando arrancar o máximo de risadas do público e reforçar seu tom popular. Mas elas acabam por esvaziar o espetáculo quando este poderia ser finalizado de modo mais repentino e manter seu ritmo exagerado e frenético, com uma confusão milimetrada que dá charme e traduz fielmente o espírito regional que se propõe representar. Mas não deixa de ser uma boa representação de facetas da cultura baiana e própria para a comemoração original para a qual foi feita.
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Marília Almeida
19/6/2006 à 00h34
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Rio das Ostras (IV)
No penúltimo dia de Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras, o público já começava a reparar as características que destacavam os conjuntos de jazz e de blues, respectivamente. E a maior prova disso é a diversidade de perfis dos músicos que, de certa forma, representam o estilo executado. O guitarrista solo de Eddy Clearwater, Mark Wydra, apesar de ser coadjuvante, é o instrumentista que faz a roda girar no grupo. Até porque o baixista, Shoji Nato, e o baterista, Merle Perkins, atuam como base musical. É Wydra quem traz um colorido para as apresentações, abrindo espaço para a performance inusitada de Clearwater - ele entra com cocar no palco.
Mesmo essa percepção, no entanto, tem lá suas exceções. No caso desse festival, não poderia ser diferente. Quem assistiu à apresentação do conjunto do trompetista Wallace Roney pôde conferir, para o bem e para o mal, uma nova versão do jazz tradicional. Essa nova leitura tem como destaque a inclusão de um DJ lado a lado com a bateria, sax, piano e, claro, trompete. Desse modo, foi com certo espanto que o público viu a mescla do eletrônico com o tradicional; a mixagem em meio aos longos solos de trompete e sax. Cabe destacar, aliás, que no palco o grupo tem um jogo de cena particular: o saxofonista e o trompetista só vão à frente quando têm de tocar. Nos momentos de pausa, os dois ficavam atrás do baterista, como se aguardassem o rodízio dos demais músicos.
Nesse sentido, é possível afirmar que o show de Rooney, se não era popular como o blues de Clearwater, definitivamente era inovador, impressionando o público pelo longo tempo dos solos assim como das músicas.
Se o festival começou com o jazz da Banda Mantiqueira, o seu final, tanto no sábado, dia 17, como no domingo, dia 18 (após o jogo do Brasil), foi com o blues do gaitista Charlie Musselwhite - considerado por Carlos Santana como uma fonte de referência no gênero. Nos dois dias, a apresentação dele foi breve, porém não poderia ser mais eficiente no que se refere à interação com os presentes da Costazul e do palco improvisado no Shopping Village. E no que se refere ao show, Musselwhite soube dosar com experiência o blues com outros ritmos musicais, ora flertando com o rock, ora sucumbindo à latinidade, essa graças à participação do também gaitista Flávio Guimarães.
Encerramento
Os quatro dias de Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras provam que o evento já está sedimentado naquela região dos lagos do Rio de Janeiro. Para tanto, se é bem verdade que o apoio institucional é de peso, também é verdade que o público comparece. E não é uma platéia somente de Rio das Ostras. Paulistas, mineiros e cariocas também freqüentaram o Festival, fazendo com que um dos organizadores já dissesse: "até o ano que vem".
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Fabio Silvestre Cardoso
18/6/2006 às 19h00
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Rio das Ostras (III)
Os shows do terceiro dia do Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras, a princípio, teriam como destaque apenas as atrações da noite, em Costazul, posto em que à tarde estavam marcadas as reapresentações de dois concertos do dia anterior. Correto? Ledo e Ivo engano. E a performance do James Carter trio mostrou que uma segunda audição do mesmo espetáculo pode provocar ainda mais encantamento.
A apresentação foi na Lagoa do Iriry, às 14h, numa tarde em que o sol trouxe outra perspectiva para o desempenho do conjunto, além do fato de o palco proporcionar outra visão do espetáculo para o público. E as grandes mudanças se restringiram ao plano do ambiente. Isso porque no quesito musical a segunda apresentação do grupo apenas reforçou o sentimento de parte da platéia, assim como da imprensa presente, de que o grupo era a grande atração do festival.
Nesse sentido, um dos detalhes que mais chamaram a atenção foi a unidade do trio. No universo do jazz, não é difícil encontrar músicos de talento e capacidade de formar um conjunto de virtuoses. O que é mais difícil, no entanto, é fazer com que a genialidade de cada instrumentista seja convertida num objetivo musical comum, algo que não fique somente no plano do improviso, mas que seja organizado o bastante para que cada músico saiba encontrar o seu espaço. É exatemente isso que acontece com James Carter, Gerrard Gibbs e Leonard King, saxofonista, tecladista e baterista, respectivamente.
Cabe, aliás, destacar Gerrard Gibbs, que consegue como poucos fazer as vezes de teclado e baixo, em uma articulação que nem de longe dá a impressão de que ele possa estar sobrecarregado. Pelo contrário. A expressão do instrumentista é das mais alegres e vibrantes, sem deixar de ser centrado quando é preciso fazer a retaguarda para os solos de Carter no sax, por exemplo. Por outro lado, durante os solos de Gerrard ao teclado, tem-se a sensação de que o instrumentista criou um novo movimento a partir do órgão. Este repórter arrisca "variações sobre o Hammond", rapidez, agilidade, sem deixar de lado o sentimento em cada nota executada.
A Pianista
Quem vê Helen Sung junto com o sexteto de T.S. Monk não imagina que ela é um dos destaques do conjunto. Talvez seja por sua timidez, ou pelo fato de parecer anódino uma oriental executar o instrumento que consagrou Thelonius Monk. Pouco importa. As impressões que valem são adquiridas durante o concerto. E o público soube perceber a consistência do talento de Sung que, de certa forma, representa o conjunto de T.S. Monk. Explicação: a crítica especializada definiu esta apresentação como conservadora e até previsível, uma vez que o sexteto optou por uma performance mais acadêmica. A avaliação não está errada. Na verdade, esta foi a grande virtude do concerto, pois se a tônica do festival tem sido o estilo mais livre, é ótimo que um conjunto mantenha a tradição. Faz a diferença.
Para este sábado, T.S. Monk repete a apresentação na Praia da Tartaruga (às 17h). No palco da Costazul (às 20h), os destaques são, pela ordem, o gaitista Charlie Musselwhite e o trompetista Wallace Rooney. A cobertura segue daqui.
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Fabio Silvestre Cardoso
17/6/2006 às 14h30
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Rio das Ostras (II)
Estava tudo pronto para o show. Na Praia da Tartaruga, um público bastante razoável já aguardava a apresentação do baixista camaronês Richard Bona, mas até as 17h15 só os outros músicos do grupo se encontravam presentes. Bona (pronuncia-se Boná) esperava o término da passagem de som, imaginem vocês, ouvindo música com uma vista privilegiada: da extremidade do palco, contemplando o choque das águas com as rochas. De certa forma, também o seu público ficaria assim, mas por um período muito maior.
Às 17h26, com uma jazz ouverture, Bona e seu grupo começaram de vez a apresentação. Desde o início, cabe destacar que o contrabaixo do camaronês logo se transformou no destaque do espetáculo. Desse modo, a música instrumental foi o grande eixo de todo o show, mesmo levando em consideração as músicas cantadas no dialeto africano. Notava-se, aliás, uma preferência dele, Bona, por essas faixas, enquanto o público se mostrava um tanto reticente. Entretanto, o baixista de tempos em tempos improvisava e, com isso, dava novo fôlego à empolgação do público, que reagia muito bem à performance tal como aconteceu no fim da apresentação. Nesse momento, o grupo enveredou para outro ritmo, numa espécie de citação à música cubana (mais tarde, este repórter viria saber que o baterista do conjunto é cubano). Dos teclados à percussão, tudo remontava às músicas de Ibrahim Ferrer e companhia. E o sol se pôs, pela primeira vez neste Festival, com trilha sonora.
Se os leitores estão lembrados do último post, há uma menção, lá no final, que diz respeito às minhas apostas para a noite de apresentações de ontem. Além de Richard Bona, outro destaque era o James Carter trio. Pois o conjunto não decepcionou. Muito pelo contrário. Executando um jazz de altíssima qualidade no palco de Costazul, sem dúvida o de melhor estrutura desse Festival. Ao longo da apresentação, o público pôde conferir os limites do improviso com alto rigor técnico. Assim, o virtuosismo do trio não se tornou chato; antes, estilisticamente bem elaborado, de modo a conquistar o público a cada frase musical. Com repertório bem escolhido, Carter justificou a escolha dos críticos com uma apresentação simples no formato (jazz trio, sem artifícios eletrônicos), mas contundente na performance - era comum, por exemplo, a seqüência de uma música a outra com intervalos preenchidos por solos de sax (alto, tenor), bateria (por Leonard King) e teclado (por Gerard Gibbs).
O outro destaque da noite foi a presença de Eddy (the chief) Clearwater. Vale a pena ressaltar que, antes de sua entrada no palco, o seu conjunto formado por Mark Wydra (guitarra), Shoji Naito (baixo) e Merle Perkins (bateria) já arrebatava o público com o Twelve-bar-blues tradicional. Era, contudo, apenas uma introdução. Quando Clearwater subiu ao palco deu não somente voz, mas uma outra feição ao conjunto, que foi, a partir de daí, liderado por ele. A contraprova: a brisa do mar já havia se transformado em frio às 23h45 e o público, festivo, não arredava pé. Para tanto, o Clearwater não fez apenas o tradicional, mas trouxe um cardápio variado - do blues de Alabama ao blues de Chicago, passando pelo rockabilly. Ao final do espetáculo, Eddy the chief deu canja com guitarra nas costas. Um grand finale para uma grande apresentação.
Programação de hoje
O Festival continua hoje com as reprises de James Carter na Lagoa do Iriry (14h); Eddy Clearwater (17h); e com a esperada apresentação de T.S. Monk em Costazul (20h).
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Fabio Silvestre Cardoso
16/6/2006 às 13h30
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Rio das Ostras, primeiro dia
O título correto para este post, na verdade, seria meu primeiro dia, uma vez que o Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras começou ontem, quarta-feira, 14/06, com a apresentação da Banda Mantiqueira e de Leo Gandelman. Mas é um detalhe que escapa. E como ainda não se pode dizer nada a respeito dos shows, que os leitores fiquem, então, nessa primeira mensagem, com alguns detalhes da cidade que abriga a quarta edição desse prestigiado festival de música.
A primeira impressão para os visitantes é de combinação perfeita. De um lado, a programação conta nomes do quilate do contra-baixista Richard Bona, hospedado no mesmo hotel deste repórter, T.S. Monk (filho do pianista Thelonius Monk) e do saxofonista James Carter, que vem para o Brasil consagrado pela bíblia do jazz mundial, a revista Down Beat. Por outro lado, o cenário escolhido para o festival não poderia ser mais apropriado. Localizada na região dos lagos, Rio das Ostras (a 170km da capital do Estado do Rio de Janeiro) conta com um visual deslumbrante e pode-se afirmar que não será uma simples coadjuvante durante esses dias de festival. Prova disso são os palcos para as apresentações: Lagoa do Iriry, Praia da Tartaruga e Costazul. Veja mais aqui.
Para o dia de hoje, os destaques são Richard Bona, às 17h na Praia da Tartaruga, e James Carter trio. No entanto, essas são minhas apostas; a programação é mais extensa. Confira tudo aqui.
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Fabio Silvestre Cardoso
15/6/2006 às 16h00
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Ainda sobre a estréia na Copa
Terminou o primeiro jogo do Brasil, 1 a 0 sofrido diante da poderosa Croácia, que não empatou por falta, talvez, de um pouco mais de capricho de seus atacantes. Nem era preciso ouvir o Parreira para imaginar o que ele diria: estréia é sempre tensa, o resultado foi bom, o importante é vencer, o Ronaldo precisa pegar ritmo... E se os Ronaldos jogaram pouco, souberam driblar os jornalistas após o jogo, contrariando norma da Fifa. Jogadores quase sempre falam a mesma coisa, jornalistas, idem. E haja falta de assunto para explorar.
Opa, a certa altura do segundo tempo a Croácia avança pela esquerda e quem estava na cobertura do Cafu? O Kaká. Comentei com o amigo ao lado de quem assistia ao jogo, acho que era para o Émerson estar ali, ou não? Certo, a torcida brasileira não quer saber, o Brasil ganhou e somos os melhores do mundo, pelo menos até a próxima partida, contra a neopoderosa Austrália. Mas, verdade seja dita, até agora quem deu show de verdade foi a Argentina.
Falar mal é um esporte nacional quase tão popular quanto o futebol. Até outro dia, por exemplo, de dez comunidades sobre Galvão Bueno no Orkut, nove eram contra o comentarista. Qualquer coisa do tipo 100 mil pessoas falando mal e 500 defendendo. A Globo deve gostar, ou não renovaria o seu contrato até 2014. Com certeza, dezenas, centenas ou milhares de pessoas que berraram "gol" contra a Croácia já xingaram o Kaká quando ele jogava pelo São Paulo. O destino dos craques é mesmo a Europa, e para o Terceiro Mundo pouco sobra, inclusive no futebol. Mas é preciso falar, mesmo que não haja assunto. Nem que seja sobre bolhas e tonturas.
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Vitor Nuzzi
15/6/2006 às 14h34
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Em Cena: Um Casal Admirável
Primeiro filme de uma trilogia criada pelo cineasta belga Lucas Belvaux, Um Casal Admirável ainda pode ser visto no circuito de cinemas brasileiro. Apesar de realizada em 2002, apenas nos últimos meses que a trilogia vem percorrendo o país. O que torna a empreitada de Belvaux interessante é a pretensão de brincar com gêneros em três filmes que dialogam entre si. Um é comédia; o outro é suspense policial; e o último é melodrama. Gostando-se ou não da proposta, é no mínimo um exercício de como abordar o mesmo universo por óticas distintas.
Não necessariamente a mesma história. Não é o que fez Woody Allen em Melinda e Melinda, em que o espectador vê o mesmo enredo sob prismas cômicos e dramáticos. Lucas Belvaux simplesmente localiza os três roteiros na mesma cidade (Grenoble) e desenvolve uma série de personagens que esbarram entre si. A ordem importa pouco, mas vá lá: Um Casal Admirável, Em Fuga e Acordo Quebrado.
A idéia não é novidade. O polonês Krzysztof Kieslowski montou a aclamada e magnífica Trilogia das Cores nos anos 90. Eram A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e A Fraternidade é Vermelha, todos pequenas obras-primas que marcaram época. Belvaux dificilmente atingiria tamanha força, mas ver suas criações se esbarrando pode soar curioso.
Um Casal Admirável: primeira parte da trilogia de Belvaux
A começar por Um Casal Admirável, que oficialmente abre a trilogia. A história de um casal aparentemente feliz que começa a desconfiar um do outro guarda bons momentos de humor, focados no ritmo, na montagem excelente e no carisma do elenco - em especial o jeito atrapalhado e neurótico de François Morel e a beleza de Ornella Muti, ambos protagonistas. Depois de situações singelamente simples, que beiram o pastiche e a crítica de uma sociedade maldosa, fica a noção de que, acima de tudo, a comunicação ainda é a solução para tudo. Afinal, o casal do título passa por angústias e apreensões sentimentais por um motivo banal: eles não se falam sobre o que os aflige. E com isso, é dado o estopim para a série de constrangimentos aos quais eles se obrigam a passar.
(Aguarde para breve comentários dos outros dois filmes da trilogia de Belvaux.)
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Marcelo Miranda
13/6/2006 às 17h38
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Dez anos e várias solidões
Na ocasião dos dez anos da morte do escritor e jornalista gaúcho Caio Fernando Abreu, além da reedição de alguns de seus livros, a peça B, Encontros como Caio Fernando Abreu, que estreou no Centro Cultural Fiesp no dia 2, é mais uma das ações que marcam o ano e reacendem sua memória. Encenada pelo Núcleo Experimental de Artes Cênicas do Teatro Popular do Sesi-SP, sua temporada segue até o dia 27 de agosto.
Seu diretor, Francisco Medeiros, premiado nome da cena teatral contemporânea, frisa a importância da manutenção do Núcleo Experimental em meio a um mercado com poucos incentivos. Configurado em oportunidade para jovens atores em começo de carreira, ele consiste em cursos de dois anos de duração, que terminam com uma montagem profissional no Mezanino do Centro Cultural. Dirigido ao público jovem, o Núcleo já apresentou cinco peças desde sua formação, entre elas Motorboy, de Aimar Labaki e direção de Débora Dubois, e Romeu e Julieta, peça shakesperiana dirigida por William Pereira. A jovem dramaturga Lucienne Guedes, chamada para participar do projeto em fevereiro, explica que teve um reencontro com a literatura do escritor gaúcho. Segundo ela, estes encontros, premeditados ou naturais, feitos em processo colaborativo com todo o elenco e equipe, são o foco da peça.
B, Encontros com Caio Fernando Abreu é marcada pelo fragmentado, insights de sua obra e lembranças de sua morte. A própria encenação no mezanino do Centro Cultural, um corredor de 45 metros onde cabem apenas 50 espectadores, reforça a idéia da via, estrada onde os personagens se encontram e, muitas vezes, se separam. Baseada em livros como Morangos Mofados, um dos maiores sucessos editoriais da década de 80, e Triângulo das águas, que ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de contos, entre outros, seu elenco jovem se encaixa eficientemente em temas como a solidão, a censura política e a busca pela dignidade e uma vida regrada. A destacada atuação de Alex Gruli, como o mendigo narrador e participante das histórias, traduz a eloqüência e crueza da obra do escritor. As atuações são complementadas por uma trilha sonora bem selecionada e mistura elementos do rock e MPB, a maioria canções cantadas ao vivo.
Entre contos, romances, poesias, peças teatrais e crônicas nos principais jornais e revistas do país, Caio Fernando Abreu sempre esteve situado na intensidade do momento presente, reflexo de sua vida breve, pois morreu de complicações provocadas pelo vírus da AIDS aos 47 anos. Seus contos, publicados sob o Regime Militar, foram proibidos, considerados demasiadamente obscenos. Apesar das diferenças, todos os seus personagens são caracterizados pela paixão e inconseqüência, impulsionados pela traição, abandono, rejeição, morte e medo.
Daí se pode pensar que a peça, assim como a obra de Caio Fernando, é uma apologia do niilismo. Mas o próprio autor sempre viu a marginalização da sociedade como algo que pode ser transposto, apesar de dar o título cruel de um de seus maiores sucessos, Morangos Mofados, à juventude de sua época. Principalmente neste e em Triângulo das águas, as situações adversas de seus personagens os impelem a progredir. O mesmo acontece na peça, que tem uma reviravolta inesperada e o prisma de dois ângulos, opostos que se complementam. Ao lado de belas cenas, algumas necessitam talvez de maior contextualização e embasamento, mas esta crítica é contornada pelo argumento de seu diretor, que afirma que o texto está em sua segunda versão e é um espetáculo em processo, longe de estar finalizado. Assim como as homenagens a este escritor, símbolo de uma geração que encontra muitos reflexos na moderna.
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Marília Almeida
13/6/2006 às 10h10
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Conhecer a imagem
Relevante é a crítica na própria linguagem, o cinema precisa ser ele próprio objeto de crítica. Tudo isso está dentro do horizonte da construção da imagem, que é o que mais nos faz falta, o conhecimento da própria imagem. O cinema sofre hoje de uma ausência de observação da imagem, os filmes estão reduzidos a enredos: o sujeito sai de casa, usa roupa assim e assado, trai o marido, volta e depois se mata. O que é único e precioso - a construção das sombras no fotograma - está fora de questão. Há uma dificuldade que é o fato dessa literatura que pensa a imagem ser quase desconhecida em língua portuguesa.
Júlio Bressane, diretor brasileiro, em entrevista à Folha.
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Marcelo Miranda
12/6/2006 às 18h31
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Lobo Ex Homine
Neves foi ao parque no domingo. Êta programa bobo. Não fazia parte do time dos corredores de fim-de-semana. Do jeito que fumava não tinha fôlego. Também não ia fazer churrasco com a família, mulher e filha tinham ido passar o fim de semana na praia. Estava só, tinha que se misturar à multidão. Na sexta e no sábado percorreu o circuito de bares que costumava ir quando moleque. Quando moleque era aos 30 e poucos, porque agora se a filha tivesse juízo logo o faria avô.
Era um belo dia de sol. Passeou pelo parque cheio de domingueiros. Cachorros, bicicletas, patins, crianças sozinhas, tudo que era proibido transitar na pista para pedestres andava ali. O sol estava tão quente, sentou numa cadeira no bar e pediu cerveja. Ficou bebendo até o sol se pôr.
Escureceu de repente. Veio um vento de chuva, sacudiu as pinhas das araucárias. Como se fosse a figuração dum filme e tivesse combinado a saída, todo mundo fugiu do parque. Os garçons vieram fechar os guarda-sóis, guardar mesas e cadeiras. Ele só podia pagar a conta e ir embora.
Como é que o mundo todo tinha evaporado assim num piscar de olhos, estranhou. Atrás dele só um velho de muleta mexia nos cestos de lixo. Neves achou o fusca parado no estacionamento em frente ao parque.
Perto do fusca, o cão. Um pastor negro, olhos como um facho de lanterna. Quando Neves entrou no carro, o cão uivou.
Ele não gostava de cachorro. Principalmente um como este, que uivava de bobeira. Ligou o carro, saiu do parque. No primeiro sinaleiro viu que o animal o tinha seguido. Merda, praguejou. Vai ver estava com fome.
Acelerou, perdeu de vista o pastor. Chegou em casa, encontrou a mulher e a filha voltando da praia. A estrada é um horror, uma fila quilométrica, reclamava a mulher, avermelhada do sol. Perguntou, mal-humorada, o que ele havia feito no fim-de-semana. Ele disse que tinha saído, encontrado uns amigos, ido ao parque. Ao parque, você!, ironizou. Há muito tempo só conversavam aos coices. Ele não queria brigar, deixou pra lá.
Na hora de dormir, ouviu um uivo. Foi à janela, espiar se era. Era. O pastor negro como piche sentado no quintal. Neves cobriu a cabeça com o travesseiro, tentou dormir. Não adiantou. O uivo do pastor atraiu outros. Noite adentro seria uma lamentação. Neves achou a espingarda de chumbo de matar passarinho dos tempos de guri, carregou uma porção de sal, atirou. Acertou a orelha, as patas, as ancas. O cão ganiu e fugiu.
Não enche mais, pensou. De manhã viu o corpo esparramado na calçada em frente. Mexeu o focinho com a ponta do sapato, estava morto mesmo. Não devia ter carregado tanto sal. O bicho não tinha marca de sangue. Enterrou o cadáver no jardim.
No jornal que trabalhava, Neves sentiu uma pontada no peito. Não era a primeira vez que matava bicho, mas tinha sido sem querer. Passando o dia, esqueceu.
Voltando pra casa, a mulher veio, aflita. Na porta da garagem, o cão negro, sujo de terra, rosnava, avançando contra ele.
Marília Kubota, também no Cornélio.
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Julio Daio Borges
12/6/2006 às 08h38
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