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Sexta-feira,
4/8/2006
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Redação
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Gênios da vida real
Oi, Julio.
Escrevo para vc diretamente pq preferi não publicar meu comentário.
Li seu artigo sobre Glenn.
Sabe, eu fui menina-prodígio, e do tipo raro, porque dominava mais de uma linguagem criativa: cantava afinadíssima desde os três anos, decorando letras em duas línguas além do português: o italiano e o francês. Desenhava desde os dois anos figuras humanas com olhos e bocas. Aprendi a ler e a escrever sozinha dos três aos quatro anos e escrevia poemas aos seis.
Minha mãe e meu pai não sabiam o que fazer comigo, mas guardaram os registros: tenho fita gravada da minha voz, primeiros desenhos, poemas. Fiz um teste de QI aos cinco anos mas nunca me disseram o resultado exato, mas sei que foi bem acima da curva de Gauss. A pedagoga, segundo minha mãe, sugeriu que eu levasse uma vida tão normal quanto possível, estudando num colégio normal, etc, etc.
Contudo, quando a gente é mesmo muito diferente, não adianta: a gente sofre muito. Não tô fazendo apologia do sofrimento de artista não, é sério. Fiz tentativa de suicídio duas vezes. Fiz psicoterapia (o que me salvou e ainda me salva quando estou no limite) muito tempo. Tiro um transtorno bipolar grau 4 de letra.
Tô te confidenciando isso pq o artigo me tocou muito. Ninguém consegue ficar perto de gente anormal (acima da média do anormal, quero dizer, pq de perto...) muito tempo. É horrível. Na escola, na faculdade, vc tem sempre a sensação de estar absolutamente só, ser sempre o discordante, de não ter um grupo com o qual se identifique, e quando se tem um temperamento agressivo e se fala muito, como é o meu caso, consegue discutir e se dar muito mal na maioria das vezes, por mais bem intencionado que vc seja.
A maldiçao do prodígio, resumindo, é essa: ser um Edward Scissorhands.
Este é o principal motivo pelo qual eu sou abençoadamente casada até hoje com o mesmo cara - que eu conheci há 26 anos. Ele foi o único até hoje que topou encarar diariamente uma aberração. Só a morte nos separa, se depender de mim, claro.
Mais do que o parceiro do gênio, sofre o gênio, posso garantir. Que de gênio tem mais mesmo é o que idealizam dele, pq no fundo a maioria parece ser muito burra ou imatura (todo mundo se preocupa mais em desenvolver os potenciais do gênio do que o seu amor-próprio, ou auto-estima, e o resultado é que o gênio pode ficar infantilóide ou irresponsável) para lidar com suas emoções, e com a vida, de um modo geral. Gênios, meu caro, nunca estão em paz consigo, a morte está sempre presente, super concreta, eles brincam com ela desde a hora em que acordam pela manhã até a hora de dormir. Bom, comigo foi assim muito tempo. Não, às vezes ainda é assim. Também não sei se continuo sendo gênio, porque nunca mais fiz teste algum (e, em alguns casos, a prodigalidade é um surto que desaparece quando não estimulado.) Continuo cantando bem (mas não decoro mais letras como antes), e nas outras áreas, vc sabe alguma coisa. Não sei se o meu trabalho é genial, também não sei se quero saber. Houve algumas ocasiões em que me apareceram boas oportunidades para sair daqui dessa m... que é o Brasil e melhorar as condições para desenvolver potencial. Eu não quis, tive medo (era emocionalmente imatura?). E foi por isso que não segui adiante nas artes, nem na música. Optei por investir no meu emocional, o que significou para mim casamento, escrever livros, gravidez e, por conseqüência, uma filha. Até já plantei uma árvore, certa vez, mas ela morreu. Violetas deram mais certo, e agora tenho um bonsai - será que mini-árvore serve?
Bom, se eu sou mesmo um gênio, não sou máquina de produção. Uma coisa é certa, um gênio precisa, segundo Howard Gardner, de afeto e segurança emocional - muita paciência e - por quê não? - compaixão, por parte daqueles que se aproximam.
Na minha concepção de inteligência, também, não adianta nada brilhar sozinha, fazendo feliz o próprio ego. Por isso me dedico especialmente a gurizada e trabalho nas periferias. Depois que eu coloquei meus talentos não só a meu serviço, mas em benefício de outros, eu parei com a mórbida obsessão de lidar com os limites da morte.
Vê, tudo isso seu artigo suscitou. É um assunto que me incomoda ainda.
Mas vou dar uma resposta a pergunta que vc propõe: sobrevive ao gênio não o "outro gênio", mas a pessoa que, independente da inteligência, tiver capacidade de afeto genial.
Apesar de tudo, também não quero passar a impressão de que me odeio, ou de alguém que sofre dores metafísicas ou existenciais 24 horas. Gosto muito de me sentir lúcida. Ou de ter visões, dependendo do ponto de vista.
Beijo e obrigada por ler este desabafo (que muito poucos ouviram) até o fim.
De uma Leitora, que preferiu ficar anônima, por e-mail.
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Julio Daio Borges
4/8/2006 às 09h53
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De una catástrofe a otra
[¿Cree usted en la posibilidad de otra forma de existencia tras la muerte?] (...)Es una gran ventaja haber vivido esto una vez en la vida. Las cosas después ya no te afectan. Dejas de interesarse por el éxito o por el fracaso, por el teatro o por los directores, por los redactores o por los críticos. En realidad a uno ya no le importa nada. Lo único, es tener todavía dinero en el banco para poder seguir viviendo. Por lo demás mi ambición ya no era lo que había sido, pero con su muerte también se acabó. Nada te conmueve. Sigues disfrutando con los filósofos antiguos, con algunos aforismos. Es parecido a refugiarse en la música: durante unas pocas horas se puede llegar a tener un excelente humor. Todavía tengo algunos planes: antes tenía cuatro o cinco, ahora sólo me quedan dos o tres. Pero no son imprescindibles. Ni yo, ni el mundo los estamos reclamando. Si tengo ganas todavía haré algo, si no las tengo, o me faltan las fuerzas, pues se acabó. Qué más da lo que yo escriba; en resumidas cuentas siempre son catástrofes.
Esto es lo deprimente del destino del escritor: nunca consigues trasladar al folio lo que has pensado o imaginado; la mayoría se pierde durante el traslado. Lo que llegas a plasmar no es más que un pálido y ridículo reflejo de lo que habías imaginado. Esto es lo que más deprime a un autor como yo. En el fondo no puedes comunicarte. Todavía no lo ha conseguido nadie. En alemán mucho menos; es una lengua envarada y torpe, en el fondo horrible. Es una lengua espantosa que mata todo lo que es ligero y maravilloso. Lo único que se puede hacer, es sublimarla con el ritmo, confiriéndole musicalidad. Lo que escribo nunca corresponde a lo que he imaginado.
Los libros deprimen menos, porque uno se imagina que el lector pone más fantasía y a lo mejor consigue que el texto cobre vida. En cambio en el escenario, en el teatro, lo único que se levanta es el telón. Sólo quedan los actores que, durante meses y meses, han sufrido hasta la noche del estreno. Ellos deberían representar a los personajes que uno ha imaginado. Pero no lo consiguen. Estos personajes que en mi mente todo lo podían, de repente se componen de carne, huesos y agua. Son torpes. Yo había concebido la obra como algo grandioso, poético; pero los actores no son más que unos intérpretes profesionales, unos traductores. Una traducción poco tiene que ver con el original. Por la misma regla de tres, la representación de una obra en el escenario, poco tiene que ver con lo que pasó por la cabeza del autor. Las tablas, que, dicen, son una representación del mundo, para mí, sólo han sido eso, tablas; unas tablas que me lo han detrozado todo. El teatro todo lo pisotea. Siempre es una catástrofe.
Mais Thomas Bernhard, em entrevista (porque ele fez sucesso na semana passada...)
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Julio Daio Borges
4/8/2006 às 08h42
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Opium Dei
Blogar é a única maneira de falar sozinho sem parecer maluco.
Lisandro Gaertner - sim, ele mesmo - em seu novo blog.
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Julio Daio Borges
3/8/2006 à 00h25
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Bendita Insensatez
Foi numa tarde de um dia qualquer que um punhado de palavras causou um abalo sísmico entre ela e o mundo. De repente sentiu-se como que arremessada tal qual bola de canhão, desses de ferro que a gente vê perto do farol que vê o mar. Atrás ficou todo o resto das coisas. À frente o horizonte, o céu ou o fundo do oceano: não conseguiu escolher, pediu que o vento a levasse. Enquanto voava quis uma folha em branco. Pra derramar um pouco do tudo que acontecera. Mas com mais palavras? Quando abriu os olhos, o farol tinha aberto e alguém buzinava.
Carol Miotto, em seu blog, que linca pra nós.
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Julio Daio Borges
1/8/2006 às 08h57
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Elegbara
Prestem a atenção nas manchetes dos jornais, olhem para a fome na África e as guerras na Terra outrora Santa, a violência urbana na América do Sul e a violência militar no Oriente Médio. Algo escureceu desde o século das luzes, o Iluminismo que deixou ao mundo o legado do racionalismo, do cientificismo. Pois em Elegbara (Record, 2005, 144 págs.), de Alberto Mussa, somos convidados a uma fantástica viagem no tempo, no espaço e na cultura, somos levados ao mundo indígena e ao mundo árabe, retornamos aos cristãos Portugal e Brasil e logo estamos em Palmares ou nos Campos dos Goitacazes em busca de essências anteriores a este mundo racionalista e eurocêntrico.
Publicado originalmente em 1997 e com nova edição em 2005, o livro traz dez narrativas - assim chamadas pelo próprio autor - que não se limitam às já clássicas teorias do conto e se aproximam mais de uma literatura "primitiva", popular, de raiz oral. O narrador é mais um contador de histórias e o leitor se sente sentado com pernas de índio ao redor de uma fogueira.
Assim sendo, não cobrem verdade, não procurem demais verossimilhança, história oculta e história aparente, não tentem encontrar nexos entre as dez narrativas. Não se pode alcançar a verdade de Elegbara com as premissas do século das Luzes. É preciso fazer como os sábios de Timbuctu, elucubrar sobre as faces da verdade com esmero, ou como Féti, alcançar o domínio sobre o fogo e sobre a vida apenas com a observação minuciosa.
Além dos sábios de Timbuctu e do cativo Féti, desfilam pelas narrativas diversos personagens como o Onça, Zumbi dos Palmares, Ganga Zumba, Caminha, Cabral, Dom Sebastião e, claro, Elegbara - uma das denominações do orixá africano Exu -, alguns retomando elementos da vida real, todos questionando a realidade da vida. Ou da morte.
A luta contra a morte ou a transcendência em relação à morte é, de longe, o tema mais recorrente nas histórias e mais estranho a nossas mentes racionalistas. Os heróis parecem lutar menos pelas suas terras e nomes do que por uma espécie de permanência, mesmo que essa permanência se restrinja às rodas de contação de histórias ao redor da fogueira. Confira o final de quatro das dez narrativas:
"Mas, ainda depois de morto, o bugre continuou apavorando. (...) E ainda contam que - quando enfim tiveram coragem de atirá-lo ao Paraíba, o mar tomou de imediato a cor barrenta do rio." (pág. 63)
"Vagando pelas brenhas, certamente ainda há algum Zumbi para morrer" (pág. 71)
"Do fundo do seu túmulo humilde de rei esquecido - como quiseram os padres de Faro - dom Sebastião continua ensinando. Sobretudo não esperar, não crer" (pág. 142)
"E tinha razão: não há rei senão Deus. Elegbara é assim." (pág. 53)
De certo você sairá desta viagem mais confuso do que quando nela embarcou, mas isso se deve ao contato com tantas outras culturas e mitos. Aos leitores não iniciados nestas culturas - como este que vos fala - é aconselhado um pulinho numa enciclopédia para conhecer um pouco da vida de D. Sebastião e sua morte misteriosa em Alcácer Quibir, o porquê da cidade de Timbuctu ser patrimônio cultural da Unesco, a história do homem de Neandertal e a rivalidade entre Zumbi e Ganga Zumba no quilombo dos Palmares. Não são informações fundamentais, mas enriquecem e dão algum sentido a estas histórias. Isso, é claro, supondo que elas precisem de sentido, afinal ainda somos filhos do apagadinho século das Luzes.
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Marcelo Spalding
1/8/2006 à 00h12
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A aridez de Beckett
Em meio às comemorações pelo centenário de nascimento do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989), o Teatro Moira leva ao palco do Centro Cultural São Paulo um dos textos mais geniais de todos os tempos: Fim de Partida.
Em cena, quatro personagens e o caminho inexorável para o fim. Por meio de diálogos aparentemente banais, Beckett nos leva a um mergulho pela desolação e pela absoluta falta de perspectivas. Um terreno onde a esperança não acha solo para se firmar.
Clov, Hamm, Nagg e Nell criam para si afazeres banais e se perdem em conversas que não chegam a lugar nenhum, com o puro intuito de passar o tempo, à espera do fim - a única certeza que parece perpassá-los.
Mutilados, cegos, paraplégicos - estes são os materiais de Beckett em um mundo árido, morto, desabitado. Tudo na peça está escasso e se acabando. Uma representação cética e desesperançada da humanidade. Nada mais atual.
Um humor cruel e cáustico transparece nos diálogos. O diretor René Piazentin conseguiu com razoável êxito manter os jogos entre as personagens, tão caros ao dramaturgo. As interpretações soam um tanto quanto excessivas, embora certo equilíbrio seja alcançado. Destaque para o ator Mário Zanca.
Complementam o elenco as atrizes Natália Grisi, Perla Frenda e Vanja Poty. Preste atenção na inteligente economia cenográfica: nada ali sobra, nada está fora de lugar.
Para ir além
Fim de Partida - Centro Cultural São Paulo - Sala Paulo Emílio Salles Gomes - Rua Vergueiro, 1.000 - Paraíso - Tel. (11) 3383-3402 - R$ 12,00 - Até 03/08
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Guilherme Conte
31/7/2006 às 18h39
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Ainda quer prestar jornalismo?
Já estive em redação, em assessoria, em redação de novo, em assessoria... O mercado de jornalismo já teve um momento muito bom, e deve ter sido antes de eu começar a trabalhar como repórter. Mas falando sério, as seqüências de crises depois de 2000-2001 foram terríveis para a nossa área. Inclua na lista as crises cambiais, que elevaram os custos das empresas, uma vez que papel e insumos eletrônicos são cotados em dólar, o esvaziamento da bolha pontocom, que levou por água abaixo uma fonte farta de receita publicitária, a crise da Rússia e depois a da Argentina, que contaminou o risco Brasil e fez todo mundo segurar os investimentos até segunda ordem (e anúncios publicitários portanto), e teremos um quadro de "tempestade perfeita" para o jornalismo. Junte a isso que a maior parte dos grandes grupos de comunicação (Ed. Abril, Globo, etc.) investiram os tubos (sempre seguindo os "çábios" conselhos das Big Five) em licenças de telefonia e TV a cabo, num ralo que representa uma dívida na casa dos bilhões de dólares e teremos uma situação de: emprego formal de jornalistas residual, com salários arrochados, exceto para quem é do andar de cima ou as estrelas de TV e rádio, muita colaboração de freelancers carregando veículos tradicionalíssimos nas costas (frila trabalha em casa, absorve custos de transporte e telefone na apuração, não usa água, elevador, banheiro, pulso telefônico nem conexão à internet do "empregador") e muitos profissionais bons, mas que não conseguiram se recolocar lotando as assessorias de imprensa. Bem que a minha mãe falou para eu prestar aquele concurso no Banco do Brasil.... Mãe tem sempre razão.
Alexandre Barbosa, editor-assistente no portal do Estadão, em entrevista a Edu Vasques.
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Julio Daio Borges
31/7/2006 às 18h21
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Centenário de Mario Quintana
"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas. Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade."
As palavras acima foram escritas por Mario Quintana, um dos maiores escritores nossa literatura. E ontem, dia 30 de julho de 2006, foi comemorado o centenário de seu nascimento.
Desde o início deste ano o governo do Rio Grande do Sul vem realizando uma série de eventos culturais para comemorar o centenário de Mario Quintana. E um site foi criado sobre o poeta. Nele, os visitantes podem ler poemas, saber mais sobre sua vida, ler entrevistas, e muitas outras coisas.
Prato cheio para quem não conhece o autor e para quem já conhece também, é claro.
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Rafael Rodrigues
31/7/2006 às 17h50
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9º Búzios Jazz & Blues – II
A última noite do 9º Búzios Jazz & Blues foi uma das mais aguardadas pelo público. A expectativa ficou por conta do menu de atrações com altíssimo nível, e também pelo próprio sábado (29), dia que recebe mais turistas na região. Embora o balneário estivesse lotado, um imprevisto espantou a multidão por volta das 20h. A chuva chegou com força em Búzios depois de dias de sol escaldante em pleno julho, e expulsou os que já esperavam pelo show do Funk Como Le Gusta na Praça Santos Dumont. A água não deu trégua nem meia hora, nem sessenta minutos depois. Mesmo com chuva e ruas vazias, a big band paulistana subiu no Palco Tim de Música por volta das 21h40, e não deu outra. O repertório adocicado do soul-samba-funk atraiu guarda-chuvas que em pouco tempo tomaram a praça.
Embalados por sax, flauta, trompete, trombone, bateria, teclado, percussão e baixo, os 14 integrantes da banda privilegiaram a harmonia coletiva em detrimento dos solos. Enquanto o público desviava das poças para dançar, o Funk Como Le Gusta provava que é mesmo um forte representante da sofisticação instrumental brasileira. Arrisco dizer que o grupo se equipara, em qualidade e estrutura, com a banda Mantiqueira - guardadas as grandes diferenças entre ambas, já que esta possui uma levada menos híbrida, fiel ao jazz. Na apresentação, o grupo tocou o repertório dos CDs Roda de Funk e FCLG, que traz grooves consagrados, trilhas de cinema e clássicos latinos dos anos 70. Nas faixas, "SOS", "Latina", "Tabasco", "Tá Chegando a Hora", "Funk de Bamba", "Somos do Funk", "Zambação" e "Vertiplano".
Um quarteirão adiante, no mesmo horário, a Dixie Square Band já tocava standards do jazz nas calçadas molhadas da Rua das Pedras. Um verdadeiro ritual de "Dançando na Chuva", mas ao som dos clássicos "Ain't She Sweet", "Basin Street Blues", "Sweet Georgia Brown" e "Limehouse Blues". Logo em seguida, o Pátio Havana recebeu o Memphis la Blusera, que repetiu o desafio de levantar o público, como na noite anterior. Só que, dessa vez, num ambiente mais recluso. Ainda que com menos espaço para se expandir aos moldes do último show, o grupo argentino não perdeu o vigor. O vocalista Adrian Otero e o saxofonista Emilio Villanueva se destacaram com a mesma presença, dividindo a atenção coletiva da casa de shows. Influenciado por Robert Johnson, Muddy Waters, John Lee Hooker e B.B. King - com quem dividiu o palco posteriormente - o Memphis foi aclamado, em duas noites, por exigentes públicos: o diversificado, na praça de Búzios, e o seleto, na casa cubana.
Mas ainda estava por vir uma das atrações mais quentes do festival. Por volta de meia-noite, o mestre da guitarra, Eric Gales, lançou no ar os primeiros acordes, dedilhados no palco do Chez Michou. A partir daí, a chuva perdeu toda a importância. A habilidade que ele aprendeu aos quatro anos de idade em Memphis, Tennessee, já foi equiparada à do imortal Jimi Hendrix. Em entrevista antes do espetáculo, no entanto, ele não pareceu satisfeito com a comparação. "Eu sou eu, entende? Eu faço meu som, é todo meu". De fato, Gales domina a guitarra com tanta peculiaridade, que soa simplista demais colocá-lo no patamar de grandes mestres. Sua unicidade sobressai, também, no timbre de voz grave, de um blues autêntico vivamente nascido no gospel. Acompanhado de instrumentos com igual apuro, o guitarrista mandou uma mistura de rock contemporâneo, funk e blues com uma naturalidade impressionante. Na ficha técnica do artista, alguns que se revelaram seus admiradores: Carlos Santana, Mick Jagger, Keith Richards, B.B. King e Eric Clapton. Nesse clima, Gales encerrou o festival - para usar um clichê necessário - com chave de ouro.
E foi assim que Búzios virou a terra do blues e do jazz, pelo menos por quatro dias. Apesar de sua importância, o festival não pretende ser o maior do país, e talvez esteja longe disso. Mas em termos de qualidade e diversidade, ele se supera e sai na frente de muito evento do gênero. Primeiramente, porque não é elitista ou discriminatório. Estavam lá a criança e o velho, o rico e o pobre, que queriam - e podiam - ver os artistas. Para o Brasil, esse é um avanço cultural sem precedentes. Nem a chuva derrubou a noite, e nem o som ofuscou o brilho das praias. Litoral e jazz é uma combinação perfeita, contagiante, uma descoberta ímpar. Um roteiro altamente peculiar, que pode ser visto, pelo menos, uma vez por ano.
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Postado por
Tais Laporta
31/7/2006 às 16h15
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