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Sexta-feira, 15/9/2006
A paixão de Luiz Carlos Merten
Verônica Mambrini

"Para ser crítico de cinema, ou cineasta, é preciso muita paixão pelo cinema." Luiz Carlos Merten, crítico do Estado de S. Paulo, faz-nos lamentar nossos cerca de 20 anos - nós, na platéia do curso de Jornalismo Cultural promovido pelo Centro de Estudos da revista Cult. A maior parte dos alunos é formada por universitários que, não tivessem visto motivo de inveja nos milhares de filmes já assistidos pelo jornalista que assina a maior parte dos textos de cinema do grupo Estado, teriam encontrado um na defesa apaixonada que Merten faz de sua profissão.

"Tudo bem, eu não ganho uma fortuna. Mas ganho bem, e para ver filmes, viajar pelo Brasil e para o exterior, conversar com estrelas de cinema, ver festivais. Mas isso não resolve a questão inicial: de onde eu tirei autoridade para escrever sobre cinema?" (aos que se animaram com a descrição do cargo, Merten manda tirar o cavalinho da chuva. Não tem planos de se aposentar no Estado de S. Paulo, onde escreve há 17 anos, tão cedo). Essa autoridade vem, de um lado, pela própria forma de trabalhar: Merten se considera mais um repórter do que um crítico. Gosta da redação, e já recusou a oferta de escrever de casa. Conversa muito com fontes, faz entrevistas, apura. Mas quem acompanha seus textos sabe que ele nunca é puramente referencial.

"Eu não sigo nenhuma teoria do beltrano, do sicrano. Eu sigo a minha", conta o crítico, que lançou cinco livros sobre cinema. Merten começou sua carreira jornalística no Rio Grande do Sul. Já tinha começado a faculdade de arquitetura, mas escrever sobre cinema ganhou a parada quando seus textos, divulgados informalmente, primeiro num mural da faculdade e depois numa página no Diário de Notícias, começaram a ser lidos e comentados. Logo surgiu a necessidade de cursar jornalismo, por conta da exigência do diploma. Merten teve períodos em outras editorias que não a de cultura - passou por política, polícia, esportes. Dessa experiência ganhou uma agilidade tremenda; quando morre alguma personalidade do cinema, é ele quem costuma ser chamado para preencher, em coisa de uma hora, uma página do "Caderno 2" sobre o recém-falecido, à beira do fechamento.

Merten desanca a faculdade e as fórmulas prontas para se aprender a escrever sobre (e a fazer) cinema. Sobra mais ainda para a maldição das estrelinhas usadas para classificar a qualidade de um filme, que grassam na imprensa apesar de serem ridicularizadas por qualquer jornalista cultural ou crítico de arte. Essa falta de critérios objetivos talvez seja desapontadora para quem gosta de cinema e quer ser crítico, mas não sabe como começar. A única dica objetiva de Merten é: "escreva. Faça um blog". Ele inclusive, acaba de lançar o seu; para um redator compulsivo como ele, talvez só a web mesmo seja o limite. Contudo, Merten é avesso à Internet; não abre e-mails e normalmente confia o suficiente na memória para não se sentir obrigado a checar cada nome ou data que menciona.

O melhor de uma palestra como essa está nas entrelinhas. Ao elogiar Munique, O Terminal e Guerra dos Mundos, os três últimos filmes de Steven Spielberg, o jornalista acabou dando a maior pista do que deve importar a um crítico. Ele diz que essa tríade venceu a desconfiança que ele tinha com relação ao cineasta, causada principalmente pelo fato de que em A Lista de Schindler e Parque dos Dinossauros, o campo de concentração e a ilha com sua fauna artificial têm basicamente a mesma essência. Sobre o Spielberg desses filmes, diz: "eu sempre acreditei que ele era um cara democrático, no sentido calhorda". Mas nas três obras mais recentes, Merten vê um diretor que compreendeu os Estados Unidos pós 11 de Setembro e faz um cinema de "reflexão à sociedade norte-americana atual", sem precisar de uma única menção direta a esse acontecimento.

O olhar crítico sobre a sociedade, a relação com as fontes, o conhecimento das especificidades do cinema como arte, sua relevância econômica e social, tudo isso fica para trás diante da reiteração da idéia que iniciou e concluiu a palestra: "Para ser jornalista de cinema ou diretor de cinema, tu tem que gostar pra caralho, mesmo, mesmo. Tem que ter um grau de envolvimento, porque é um exercício de paixão".

Verônica Mambrini
15/9/2006 às 13h10

 

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