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Segunda-feira, 23/10/2006
O trabalho camponês na América
Fernanda da Silva

Entre as muitas atrações da 30ª Mostra Internacional de Cinema, que ocorre de 20 de outubro a 2 de novembro em São Paulo, a organização do evento acertou em promover uma sessão com dois documentários que discutem o trabalho, a vida e as aspirações dos camponeses na Bolívia e na Colômbia. Os filmes são, respectivamente, Hartos Evos Aquí Hay, de Hector Ulloque Franco e Manuel Ruiz Montealegre e Cumbal, Caminhos de Gelo e Enxofre de Handrey Correa, interessantes obras para entender as relações trabalhistas e a desigualdade social na América Latina.

"Um monte de Evos há aqui!". Essa foi a frase proferida por um camponês em um comício de Evo Morales, na Bolívia, na tentativa de demonstrar como o processo de politização dos trabalhadores do campo está organizado, forte, e assim como Morales chegou ao poder, muitos outros de seus companheiros estão preparados para apóia-lo e substitui-lo quando chegar a hora. É chegada a vez do povo, dos índios tomarem o poder e transformarem a Bolívia em uma nação comunista e mais justa, esse é o discurso dos ativistas políticos em Hartos Evos Aquí Hay, documentário que mostra a participação dos camponeses plantadores de coca de Cochabamba, região mais conhecida como Chapare, na eleição em que Evo Morales foi o primeiro índio do país a ser eleito presidente, em 18 de dezembro de 2005.


Organização política dos plantadores de coca do Chapare (Bolívia)

Por meio de entrevistas com os militantes políticos e a população do Chapare, tradicional área de plantação de coca na Bolívia, o filme mostra o cotidiano desses trabalhadores, os quais encontraram na representação política o caminho para protestarem, defenderem suas tradições e obterem melhores condições de vida. Essa organização em partidos políticos populares e militâncias regionais foi alvo de dura repressão do governo boliviano. Segundo relatos exibidos, os camponeses tinham suas casas invadidas e plantações queimadas por uma espécie de força policial responsável por acabar com as plantações de coca do Chapare. As famílias eram agredidas com muita brutalidade e alguns membros envolvidos com o partido político de Evo Morales, o MAS, eram presos acusados de terrorismo, tráfico de drogas, comunismo entre outros.

A folha de coca na Bolívia é encarada como algo sagrado e possui grande importância cultural e econômica. Nas áreas agrícolas como o Chapare ela é o principal produto gerador de renda, pois os outros gêneros agrícolas plantados como frutas e vegetais são apenas para subsistência. A coca é comercializada para toda a Bolívia e utilizada para mascar, fazer chá e para uso medicinal, a população boliviana é habituada a mascar a folha de coca de 5 a 6 vezes ao dia, fora os beliscos em outros horários. Alguns produtores da região comercializam a coca com o narcotráfico, mas são minoria. Segundo o diretor colombiano Manuel Ruiz Montealegre, presente na sessão, em toda a Bolívia há 25 mil hectares de plantação de coca, na região do Chapare, existe oito mil, já na Colômbia, há mais de 100 milhões de hectares de coca plantados.

Hartos Evos Aquí Hay me fez lembrar de Peões, de Eduardo Coutinho, tanto na estética quanto na temática, pois este discorre sobre a participação dos trabalhadores do ABC paulista no movimento sindical, mostrando a visão dos militantes, aqueles que lutaram ao lado de Lula para verem suas reivindicações atendidas e seu trabalho valorizado. No entanto, os trabalhadores bolivianos continuam apoiando Morales, pois até o momento ele está cumprindo com o que prometeu, por exemplo, com a nacionalização dos recursos naturais bolivianos. O que não ocorreu com o governo Lula, que prometia lutar contra a corrupção e fazer as reformas de base no Brasil, mas não cumpriu, fato que abateu a militância do PT - assim como a de muitos partidos de esquerda - e a torna cada vez mais desfragmentada.

O mais importante é a terra
Em Cumbal, Caminhos de Gelo e Enxofre é abordado com muita sensibilidade o trabalho e a vida de uma família de camponeses de Nariño, no sul da Colômbia, que como muitos de seus vizinhos, há gerações sobrevivem do trabalho no vulcão Cumbal. O líder da família, Homero, auxiliado por seus filhos, escala o vulcão para extrair gelo e enxofre e vender nas cidades próximas; eles também plantam gêneros alimentícios que servem apenas para subsistência.


Nariño (Colômbia), próximo ao vulcão Cumbal

Apesar de árduo e arriscado, o trabalho no vulcão é realizado com muito orgulho por Homero, que deseja trabalhar no Cumbal até o fim da vida. No entanto, não é apreciado por seus filhos, os quais prezam a vida em família, mas ficam envergonhados por trabalharem no vulcão. Por isso, conforme vão crescendo, migram para o Equador em busca de trabalho.

O filme discorre sobre a falta de esperança e perspectiva de progresso na Colômbia e apresenta uma grande frustração das pessoas entrevistadas: ter que abandonar sua família e seu país e em busca de emprego. É emocionante ver a relação de união e amor desses camponeses com a família e a terra natal, apesar das condições precárias de vida. Em uma passagem do documentário, uma das filhas de Homero, a narradora do filme, transmite o ensinamento do pai que lhe é mais caro. Homero diz aos filhos que eles são índios do campo, e por isso, o mais importante para eles é a terra, lição compreendida e seguida por todos os seus filhos.

Última Sessão
Faap - Fundação Armando Álvares Penteado
Rua Alagoas nš 903 - Higienópolis
Fone: (11) 3662-7000
Dia 24/10 (terça-feira), às 11h00

Cumbal, Caminhos de Gelo e Enxofre (Handrey Correa)
(Colômbia, 2006, 54 min.)

Hartos Evos Aquí Hay (Hector Ulloque Franco
e Manuel Ruiz Montealegre)
(França/Colômbia, 2006, 51 min.)

Fernanda da Silva
23/10/2006 às 07h47

 

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