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Sexta-feira, 10/11/2006
Réquiem
Julio Daio Borges

Acabo de sair do banho. Coloquei a toalha pra secar lá no varal, do lado de fora. Também não deixei o chão do banheiro molhado, passei pano, tá tudo limpinho. A roupa também já pus pra lavar.

Aqui no quarto, abri o meu lado do armário e peguei aquela camisa que você me deu no meu último aniversário. Já estava até passada. A calça também, aquela preta que eu gosto.

Em cima da cômoda. Eu havia deixado meu perfume em cima da cômoda, mas não consigo encontrar. Veja só! Você pensa mesmo em tudo! Colocou no banheiro, junto aos cremes e aos outros perfumes e desodorantes, no lugar de onde ele não deve sair - eu lembro que você me disse isso, mas sabe como eu sou mesmo atrapalhado, não é mesmo? Eu sempre esqueço!

O pente. Eu sei que já não preciso do pente como precisava dele tempos atrás, mas ainda resta alguma coisa aqui para ajeitar. Fiapos para um lado, fiapos para o outro, fiapos agarrados ao pente. É a estática!

Limpo, arrumado, cheiroso, penteado. Acho que já estou pronto.

Você sempre soube que não precisaria de muito esforço. Sempre estaria aqui por você. Sempre tentei ser aquilo que você procurou, aquele com quem você sonhou, aquele que você pediu aos seus deuses, nas suas rezas, decoradas ou não. Eu viveria em eterna mutação apenas por saber que um dia chegaria a ser o mais próximo possível da sua tão sonhada perfeição. Você sempre se esforçou para que eu, tão mau aluno, pudesse um dia conseguir passar na prova.

Agora estou aqui, sentado na sala, do lado do telefone, mas ele não toca. Eu espero, e ele não toca. Eu transpiro, e ele não toca...

Tão simples: é só você dizer que vem que eu vou para a varanda lhe esperar.

O telefone não toca...

Eu já levantei, bebi água, desabotoei minha camisa. Já verifiquei, há linha, mas nada de você ligar.

Você ficou na cama até mais tarde aquele dia. Eu não quis lhe acordar (lhe ver sonhar sempre me fez tão bem...). Daí vieram outros, me gritaram. Eu não atendi. Não queria que você acordasse. Mas eles entraram, me levaram de perto de você. Diziam-me coisas que eu não conseguia compreender, palavras sem sentido, frases soltas. - Eu não ouvia mais nada.

Deram-me um copo d'água, não me lembro o que aconteceu depois. Eu acordei, você já não estava mais aqui. Alguém me disse que você havia ido para junto dos seus. "Uma viagem!" Você merecia mesmo umas férias!

Já faz alguns dias. Achei que você voltaria hoje. Devo ter me confundido. Mas amanhã é outro dia: eu tomo outro banho, eu visto outra roupa, eu passo o mesmo perfume.

Você sempre soube que seria assim. É só você dizer que volta que eu fico na varanda a lhe esperar.

Jorge Wagner, no seu A Canção Pobre, que linca pra nós.

Julio Daio Borges
10/11/2006 à 00h01

 

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