|
Quarta-feira, 6/12/2006 Cinema e os Direitos Humanos Fernanda da Silva Mostra busca informar população por meio da arte Com o intuito de apresentar um panorama cinematográfico das lutas pelos direitos essenciais do homem e fomentar a tolerância entre os povos, ocorre até o dia 17 de dezembro a Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul. Em sua primeira edição, a mostra traz 28 filmes inéditos no circuito comercial brasileiro, produzidos em países da América do Sul a partir de 2003. O evento é realizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) em parceria com o SESC-SP, com curadoria do crítico de cinema Amir Labaki e patrocínio da Petrobrás. O evento acontece nas cidades de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Recife, sempre com sessões gratuitas.A idéia de realizar essa mostra é cultivada desde 2005, como explica Marilia Andrade, coordenadora do evento e assessora Especial de Paulo Vannuchi, ministro dos Direitos Humanos. Para Marilia, esse é um momento oportuno, pois a mostra ocorre paralela a VI Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul, em Brasília. Segundo os organizadores, a intenção é tornar o evento anual, assim como ocorre há 8 anos na Argentina e há 3 anos na Bolívia, por exemplo. Entre os temas abordados nos filmes estão questões como a discriminação racial, o trabalho escravo ou em condições desumanas, as migrações forçadas, a questão carcerária, a acessibilidade para pessoas com deficiência, a defesa dos direitos políticos, a liberdade de expressão, a exploração sexual de crianças e adolescentes, a homofobia, a segurança pública, o desemprego, entre outros. De acordo com Marilia Andrade, os principais objetivos do evento são divulgar as novas aplicações dos direitos humanos, mais voltados para as necessidades cotidianas da sociedade, e aproximar cultural e socialmente os países da América do Sul, por meio do debate e da troca de experiências. "Queremos divulgar no Brasil filmes que mostram as novas facetas dos direitos humanos, tecnocraticamente chamados de DESC (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), pois até o fim das ditaduras militares na América do Sul, eles eram mais os direitos dos perseguidos políticos. A idéia agora é ampliar esses direitos na prática, porque na teoria eles já existem desde os iluministas e enciclopedistas franceses do século XVII. E o cinema é uma boa forma de explicar isso para uma população que costuma dizer, como senso comum, que direitos humanos são direitos de bandidos", explica Andrade. Outra data significante a ser comemorada durante a mostra de cinema é 10 de dezembro, o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Essa data foi escolhida em virtude da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU, em 1948. A partir daí, questões referentes a direitos básicos à existência e a proteção do Estado de direito do cidadão, antes negados ou negligenciados pelo Estado, começam a ser consolidados nos governos democráticos. Para comemorar os 58 anos da Declaração, está previsto um show no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, com a participação do ministro da Cultura, Gilberto Gil e um dia de festa com atividades artísticas na Cinemateca, em São Paulo. Está confirmada uma sessão para deficientes visuais no dia 8 de dezembro, às 20h, na Cinemateca de São Paulo, com a exibição do filme brasileiro Conquista, de Flávia Vilela e Felipe Hansen Hutter. A infra-estrutura para a sessão será montada de acordo com o método utilizado no projeto Cinema em Palavras, o qual consiste na narração das cenas nos intervalos entre os diálogos. Também ocorrerão debates após algumas sessões, no intuito de discutir e refletir sobre os temas abordados nos filmes. Justiça sim, esquecimento não Esse é o lema de peruanos que lutam para obterem sua dignidade e seus direitos de cidadãos de volta, após 20 anos de guerra e opressão no país, tanto por parte de grupos terroristas, quanto por abuso de autoridade do Estado. O documentário que retrata esse período da história recente do Peru é Estado de Miedo (2005), dirigido por Pamela Yates, um destaque da Mostra de Cinema e Direitos Humanos. Estado de Miedo aborda o trabalho da Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru, grupo que entrevistou cerca de 17 mil vítimas da violência no país e pesquisou sobre a morte de mais de 69 mil pessoas por conta de ataques terroristas e práticas violentas patrocinadas pelo governo peruano e pelo grupo terrorista Sendero Luminoso, entre 1980 e 2000. Por meio de depoimentos das vítimas, pessoas que vivenciarem os conflitos, arquivos históricos e análise de pesquisadores, o documentário reconstrói um período singular da história do Peru, semelhante ao que foi vivido em outros países da América do Sul. Assim, o documentário é um valioso registro para compreender as relações de dominação e opressão no nosso continente e o trabalho de organizações civis que buscam garantir os direitos humanos dos cidadãos. As condições precárias de vida, o abandono do Estado, o preconceito e as injustiças históricas cometidas contra a população indígena semearam um terreno fértil para Abimael Guzman, um professor de filosofia que por volta de 1970 fundou o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso. Com base na teoria maoísta e marxista, o grupo pretendia fazer a revolução comunista no Peru partindo do campo para a cidade. No entanto, para afirmar seu poder, Guzman comandava seus seguidores com extrema violência, obrigando a população a aderir à sua causa e dizimando os que eram contra; por essas atitudes, o Sendero passa a ser considerado um grupo terrorista. Em meio ao clima de terror instaurado no Peru, Alberto Fujimori, uma figura nunca antes ligada à política, surge para os peruanos como a esperança para se livrar dos ataques terroristas e de um governo injusto e corrupto. Fujimori é eleito presidente em 1990, e em abril de 1992, em nome do combate ao terrorismo, ele fechou o Congresso e assumiu poderes ditatoriais. Cinco meses depois, Guzman, o líder do Sendero Luminoso é preso e Fujimori atribui a si essa vitória. No entanto, em Estado de Miedo, fica claro que o mérito por capturar o terrorista mais procurado do país é da polícia, por suas técnicas de investigação. Após a prisão de Guzman, os líderes do Sendero Luminoso começam a ser presos e o grupo perde sua força. No entanto, outro poder opressor torna flagelo a população do Peru: a ditadura corrupta de Alberto Fujimori ao lado de Vladimiro Montesinos. A dupla passa a governar por decretos e continuam a perseguir e prender tanto terroristas quanto inocentes, torturando os cidadãos e financiando esquadrões da morte para se manter no poder. Outra característica marcante da ditadura de Alberto Fujimori é o quase completo controle dos meios de comunicação do país, obtido por meio de suborno. Dessa forma, Fujimori mantinha sua popularidade em alta e aterrorizava a população com possíveis ataques terroristas que não existiam mais. A situação vivenciada pelos peruanos pode ser comparada ao estado de alerta máximo popularizado governo de George W. Bush, nos Estados Unidos, que controla o país por meio de seus "alertas vermelhos contra o terrorismo", mascarando assim sua ineficiência como político. Estado de Miedo aponta como os anos de terror e abuso de poder deixaram a democracia peruana fragilizada, o povo descrente e amedrontado. No entanto, o trabalho da Comissão da Verdade já foi um primeiro passo para reconstruir a história do país a partir dos fatos reais, uma iniciativa para vencer essa cultura da ignorância e do esquecimento, adotada por governos autoritários e corruptos para se manterem no poder. Para ir além Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América do Sul Fernanda da Silva |
|
|