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Quarta-feira, 6/6/2007 O rival Guga Schultze O telefone que toca, ela que atende, ele que está a três mil quatrocentos e vinte e dois quilômetros de distância, do outro lado da linha e que fala, despreocupado, confiando que são assim próximos, chegados, mesmo em extremos geográficos irreconciliáveis. Ela me olha, muda, escutando o fone mas com olhos fixos em mim, abana a cabeça como se a pessoa do outro lado da linha - ele, o amigo gay - a pudesse ver, mas olha para mim e seus olhos encerram uma pergunta e eu me pergunto qual seria e ela aponta o dedo na direção das prateleiras da sua sala e faz, com a mão, o gesto de escrever. Quer uma caneta, provavelmente quer papel também; ela faz gestos imperativos agora e eu não acho a porcaria das coisas na primeira tentativa, mas meto a mão por detrás dos livros, no vão que eles formam - livros de psicologia - e consigo capturar a Bic azul e volto, procurando o bloco de anotações que, para meu alívio, ela já achou e tem nas mãos. Eu estava na casa dela, tinha passado ali para dizer que havia um filme na cidade, que estava passando nos cinemas e queria que ela fosse comigo, mas percebi que eu nunca teria a décima parte da atenção que ela demonstrava ter, conversando, atenta, com o amigo gay e distante - uma atenção de mulher faminta. As palavras dele enchiam, visivelmente, sua alma. Eu não ouvia, claro, o que ele dizia, mas via no rosto dela o sorriso de criança feliz que, tantas vezes, em vão, eu tentara provocar. Fiz a ela sinais com as mãos, me despedindo. Fui em direção à porta, andando quase que de costas e me despedindo. Seu gesto de adeus, ainda que inconformado, me lançou porta afora, de novo para as ruas, de onde eu não deveria ter saído para ir até sua casa e fui, mãos nos bolsos da jaqueta, procurando os trocados para o ônibus, rumo ao centro da cidade, para ver o último super-herói americano e seu amor impossível, como o meu. Guga Schultze |
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