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Quarta-feira, 1/8/2007
Bate-papo com Olivia Maia
Julio Daio Borges

"(...)A Web pode existir sem o papel. Por isso, se tivesse que escolher só um, seria a internet. Pelo menos assim eu posso fazer barulho, ter o meu grupo de leitores. Antigamente os escritores se uniam e criavam revistas de vanguarda. Hoje em dia tudo parece muito mais distante porque as pessoas podem se conhecer e se comunicar mesmo estando muito longe. Parece contra-senso, mas faz muito sentido: porque as pessoas podem tudo isso por causa da Web. Tira a internet da mão dessas pessoas e elas vão estar completamente ilhadas(...)"

1. O que aconteceu (ou o que não aconteceu) com o seu livro que você ficou tão desiludida (com o mercado editorial)?
Eu diria que é uma sensação de "e agora?". O que acontece é que, afinal, por que ser publicado? Eu tenho um livro e quero mostrar ele pro mundo. Quero ver o meu livro na estante da livraria, e poder então dizer "olha, sou escritora". Quero saber que as pessoas estão lendo meu livro. E, por quê não, quero um pouco de atenção. Que a mídia olhe, fale do livro. Poxa, eu quero escrever literatura de entretenimento. Eu estou escrevendo uma coisa que é para a massa, não é para um público seleto de leitores especiais ou o que seja. Nunca pretendi virar best-seller, mas que ao menos quem gosta de literatura saiba do meu livro! Quero ler uma crítica no jornal, saber o que acharam. E, sem dúvida, que boa parte disso é uma vaidade. Mas afinal, o livro vai sair, foi escolhido por uma editora que está bancando seu livro todo do bolso dela. Você só vai precisar aparecer na noite de autógrafos e assinar umas cópias.

Acho que o processo todo me deixou um pouco cansada. O mercado editorial é lento, e não poderia ser de outro jeito. Falta livro? Que nada, há livros por todos os lados. Há uma porrada de revelações da literatura brasileira, inclusive sendo publicadas. É só olhar a quantidade de nomes desconhecidos na estante da livraria. Talvez essa gente esteja se sentindo como eu. Uau, consegui. E agora?

Afinal, o que eu quero com meus livros? Acho que me dei conta que disso tudo o mais importante são os leitores. Porque eu fico tão feliz quando um amigo para quem mando meus textos escreve um e-mail enorme sobre um livro que estou escrevendo e mandando para ele. Isso que é importante. Desumano está por aí. As pessoas reclamam que não encontram nas livrarias. Não faço a menor idéia de quantos exemplares foram vendidos, e, aparentemente, nem o meu editor. Será que estão lendo? Não sei. Sei que meus amigos leram, minha família leu, os amigos da minha mãe leram. Alguns leitores do meu blog, que nunca deram sinal de vida, devem ter lido também. Talvez, de certa forma, a atenção da mídia sirva para eu pelo menos ter a sensação de que o livro está sendo lido. É uma espécie de retorno. Eu preciso desse retorno, porque eu escrevo para esse retorno. Mas o livro saiu e é tudo um silêncio meio irritante. Se alguém que eu não conheço topou com meu livro na livraria ou viu a nota que saiu no jornal e comprou, eu não sei. Nem dá vontade de dizer que sou escritora. Talvez eu nem seja. Por que eu seria?

2. Publicar em papel não é a solução? (Um dia foi?)
O papel é importante. Se é por editora grande, por selo independente ou pelo próprio bolso, não importa. Mas o papel é importante porque é o meio para a leitura. Ler na tela do computador é desconfortável e cansativo, para os olhos e para os músculos. Eu nunca consegui ler um livro inteiro na tela do computador. E se não em papel... Onde?

O que não é a solução, para muita gente, é ir atrás de grandes editoras. Claro que se uma grande editora me ligasse agora dizendo "ei, quero publicar seu livro!" eu aceitava. Por quê não? Mas isso não acontece.

Eu já tive vontade de vender meus livros em PDF por um precinho simpático, mas sempre acabo desistindo. Quem lê PDF? Alguns devem ler, mas a maioria acha isso muito esquisito. Eu acho isso muito esquisito.

É preciso saber o que se quer (e a coisa começa a ficar toda muito existencial). Não é o papel que vai deixar alguém famoso e importante, mesmo que só no mundinho da literatura. Não é o papel que vai, necessariamente, fazer com que as pessoas leiam seu livro. Como você mesmo disse, o papel não vai resolver a vida de escritor nenhum. Mas o escritor, inevitavelmente, é um tanto quanto dependente do papel.

3. O que falta no mercado editorial brasileiro contemporâneo?
Eu diria que falta uma literatura mais rápida, mais descartável, um mercado mais ágil. E parece um pouco estúpido dizer isso, quando se pensa que existem editoras que publicam um livro por dia. Mas o livro sai e custa 30 reais e fica inerte na estante da livraria. Não existe público para um livro de 30 reais por dia. Não existe público para um livro por dia!

Isso deve frustrar o próprio mercado. Será que o mercado editorial está desiludido com os escritores brasileiros? Essa gente nova não dá dinheiro nenhum, e me pergunto se o meu livro vai conseguir se pagar.

Talvez sejam leitores de menos ou preço demais. Ou um pouco dos dois. E "aumentar o número de leitores" não é exatamente alguma coisa que a gente saiba como solucionar. Talvez se os livros fossem baratos de verdade. Um livro de 5 reais eu posso ler em dois dias para depois comprar outro.

Espaço no mercado editorial existe para qualquer um que seja persistente o suficiente e minimamente competente, com um tanto de sorte. Não falta espaço para o escritor iniciante no mercado editorial. Para a baixa quantidade de livros que a gente vende, capaz de estarem dando espaço demais! Não me parece que o problema esteja no mercado editorial. O problema é maior: é educação, é cultura, é a pouca importância que se dá para literatura num país como o Brasil. E são tão poucos os que vivem de seus livros que nem sei se dá para chamar "escritor" de profissão. O mercado editorial faz o que pode com esse público limitado que eles têm. E não dá para ter certeza se a culpa por esse público limitado é só da formação cultural da população ou se o próprio mercado editorial não tem também sua parte nela. Será que daria para abaixar os preços dos livros? Ou será que eles preferem não arriscar e continuar vendendo pouco, mas pelo menos mantendo a estabilidade que já têm?

4. E o que falta nos autores que surgem a partir da internet hoje?
Dos que conheço, boa parte está simplesmente dividida entre investir nessa história de continuar na internet ou ir atrás de editora. A internet é um bicho muito recente, e a gente acaba sem saber se é o caminho, se é o meio, se é a finalidade, se é o futuro, se literatura é blog ou se blog é literatura, se não é melhor deixar pra lá.

E acho ainda que nem entra nenhuma questão técnica de estilo e escrita. Se o cara tem seu blog e seus leitores, vá lá, ele que se entenda com eles. O que acontece é que muita gente cria um blog pensando que o blog vai trazer reconhecimento. E é curioso pensar assim porque é o mesmo que acontece com muita gente que quer publicar em papel por editora. O processo pelo qual os autores vão passar na internet é praticamente o mesmo que vão passar em uma editora, só que é mais rápido e mais direto. Se o que você faz interessa, vai ter seus leitores, mesmo que sejam só os seus amigos.

Então o que falta? Talvez um pouco de coragem. Muita gente olha torto quando ouve a palavra "blogueiro". Ninguém quer ser um blogueiro escritor. É feio! Já viu alguém se apresentar dizendo que "sou um blogueiro"? As pessoas dizem "tenho um blog", nunca dizem que são blogueiras. Aliás, pelo mesmo motivo que até hoje não consigo dizer que sou escritora. Digo que escrevo. Porque ser blogueiro não é profissão, não é atividade nem nada, é praticamente um hobby. E ser um, digamos, "filatelista escritor", pra citar um outro hobby, também não parece coisa nada atraente. E "blog" já é uma palavra horrorosa. Aí muitos autores estão todos segurando seus textos, pensando que é melhor mesmo publicar por fora e ser então um escritor blogueiro, que já é muito diferente! De certa forma foi o que eu fiz, mas veja só no que deu. Outros, ainda, ficam escondidos achando que ainda não são bons o suficiente. Imagino que se um editor de uma grande editora dissesse: "você é bom!", eles acreditariam. Mas isso provavelmente não vai acontecer. E será que a gente consegue se saber escritor, se o livro não tiver saído por uma editora? Será que a gente consegue se apresentar como escritor se tiver bancado a publicação do livro? Nem todos conseguem. Pode ser que fique aquela sensação de "só eu mesmo acredito em mim".

Tenho pelo menos dois amigos que conheci pelo blog, que têm blogs incríveis e escrevem contos sensacionais. Mas não publicam esses contos, ou porque acham que não estão prontos, ou porque acham que não são bons o suficiente, ou porque simplesmente o blog deles não é exatamente um blog de contos. E não é mesmo, mas essa literatura não precisa ser publicada como um post no blog. Até porque o post é um negócio que tem uma validade curta e cai no esquecimento em menos de uma semana. O blog é só uma porta de entrada para os leitores. Mas será que não dá para tomar coragem e fazer de outro jeito? Então fico pensando: gente, alguém precisa descobrir esses caras!

5. Ter um dos melhores blogs da internet brasileira ajudou o seu livro, ou atrapalhou?
Eu nunca me dei conta que tinha um dos melhores blogs da internet brasileira, para falar bem a verdade. Como eu estava dizendo: e o retorno? Oras, se alguém tivesse me avisado talvez eu tivesse usado isso a meu favor!

De qualquer forma, o blog ajuda bastante. Só poderia ter ajudado. Boa parte do pessoal que foi no lançamento do meu livro foi gente que conheci pela internet, e gente que ficou sabendo do lançamento e do livro pelo meu blog. Boa parte dos meus leitores são da internet, e boa parte das pessoas com quem eu converso sobre literatura e sobre escrever é gente que conheci pela internet, pelo blog. Alguns amigos escreveram sobre o meu livro em seus respectivos blogs, e isso pra mim é tão bom quanto falarem do seu livro em qualquer grande jornal.

O retorno que eu tenho do livro agora é só por causa do blog. As pessoas podem me achar por causa do blog. Estar na internet é importante, porque ficar ali na estante de uma livraria não vai servir de muita coisa para o meu livro. Se alguém procurar por "Olivia Maia" o Google aponta para o meu blog e diz: ali, ó. E então no meu blog eu tenho ali na barra lateral: esse é o meu livro, e você pode comprar ele pela internet. Já que é só mesmo na internet que as pessoas conseguem encontrar o livro.

6. Entre a Web e o papel - se você tivesse de escolher um dos dois -, com quem você ficaria? Por quê?
Ah! Mas eu quero os dois! Para mim não funciona o papel sem a Web. Se eu tivesse publicado Desumano e fosse contar só com a mídia e com alguns amigos mais próximos, estaria muito mais frustrada. É isso que acontece com muitos autores novos que conseguem publicar e então desaparecem. A Web pode existir sem o papel. Por isso, se tivesse que escolher só um, seria a internet. Pelo menos assim eu posso fazer barulho, ter o meu grupo de leitores. Antigamente os escritores se uniam e criavam revistas de vanguarda. Hoje em dia tudo parece muito mais distante porque as pessoas podem se conhecer e se comunicar mesmo estando muito longe. Parece contra-senso, mas faz muito sentido: porque as pessoas podem tudo isso por causa da Web. Tira a internet da mão dessas pessoas e elas vão estar completamente ilhadas. Para um escritor iniciante e desconhecido, sem a internet, acontece uma coisa parecida. Ele está ilhado com a sua literatura, esperando ser descoberto, mesmo que já tenha sido publicado. Essa é a escolha pelo papel, sem a Web. É depender demais de gente que sequer sabe quem é você. Gente que vive muito bem sem precisar saber quem é você.

7. Alguma coisa que você faria diferente (em relação à publicação do seu livro)?
Nada. Porque se fosse fazer qualquer coisa diferente ele provavelmente não estaria publicado. E eu não teria passado por tudo isso e estaria ainda ansiosa procurando alguém que topasse colocar meu livro no mundo. A publicação desse jeito foi importante até mesmo para eu me dar conta que talvez não seja esse o melhor caminho. Eu diria que foi bom enquanto durou, pena que durou tão pouco. Pena que não deu tão certo assim. É claro que olho o livro agora e acho que ele poderia ser melhor; essa é a sina de todo escritor que tem o livro publicado: putz, essa vírgula não devia estar aqui. Mas acredito em minha avó quando ela diz que uma hora a gente tem que dar o trabalho por acabado e parar de revisar, senão não vai parar nunca. Ela escreve roteiro e diz que é assim mesmo. E foi importante para mim dar um propósito para esse primeiro livro pronto; foi o primeiro livro que eu terminei e tive certeza que valia a pena ir atrás de publicação e divulgação. De certa forma, a publicação te força a dar o livro por terminado e seguir em frente para melhorar da próxima vez. O que aconteceu foi que me dei conta que talvez não fosse essa a melhor forma de publicação. Que talvez eu pudesse fazer diferente. E claro, é bom saber que, sim, fui aceita por uma editora grande, não sou a única que acredita no meu trabalho. Nesse sentido a publicação tem um ponto positivo, e serve para eu pensar: mas será que eu preciso mesmo de algum desconhecido importante acreditando no meu trabalho?

8. Um formato que misture o alcance da internet com a respeitabilidade do papel impresso poderia ser a solução?
É a solução. Aliás, uma ótima solução. Solução que parcamente está começando a existir no Brasil, mas ainda é um pouco, eu diria, tosca. Estou falando dessa coisa de impressão de livros on demand. Imprimir livro ainda é muito caro. E quanto menos livros você imprime, mais caro fica. Não podia ser assim. Bom seria se imprimir um livro fosse quase tão prático quanto distribuir um PDF. Mesmo as editoras que teoricamente fazem esse on demand te cobram um valor inicial para cobrir um monte de gastos. Seria um investimento que valeria a pena, se essas editoras estivessem um pouco mais integradas com essa gente que quer publicar. Por enquanto essas editoras só têm mesmo cara de solução para executivo. E escritor é um bicho estranho. Além de que escritor nem sempre tem 500 reais sobrando para investir no próprio livro, não importa o quanto ele acredite no seu talento. Ainda mais usar esses 500 reais em uma editora deslocada que você encontrou fazendo uma busca na internet.

9. O que você ainda espera do seu livro? (Ou já perdeu toda a esperança?)
Eu só espero que ele não vire uma pilha encalhada no galpão de estoque da editora e que depois eles piquem o papel para reciclar - coisa que muitas editoras fazem com encalhes - ou só para jogar no lixo mesmo. É um troço meio cruel. Mas não perdi esperanças de nada, porque, afinal, ele continua aí.

10. Fale de seus novos projetos literários (em papel, apesar de tudo; e na internet...).
Estou com outros 3 livros escritos e muito prontos. Um é uma história policial e os outros dois fazem parte de uma idéia para uma trilogia (não-policial). Um desses terminei recentemente e ainda vou reler um monte, mostrar para alguns amigos e mudar um monte de vírgulas. Não sei ainda o que fazer com eles, mas estou por enquanto tentando descobrir o que afinal eu quero com eles.

Agora estou escrevendo o primeiro livro de uma série policial que há muito estava enrolando para começar. Ao mesmo tempo, resolvi começar uma experiência com a publicação em um blog capítulo a capítulo de uma outra história policial. É uma espécie de romance policial folhetinesco. É uma experiência, mas até agora está sendo ótimo. O primeiro capítulo teve comentários legais e pelo menos os meus amigos estão interessados. Porque eu estava querendo o retorno. Depois de 3 livros prontos e silenciosos e parados eu estava precisando agitar alguma coisa, ter um feedback, lembrar para que eu estava escrevendo...

Para ir além
Livro e blog

Julio Daio Borges
1/8/2007 às 17h22

 

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