|
Quarta-feira, 29/8/2007 O Sortilégio de Edson Cruz Guga Schultze Recebi, há pouco tempo, o livro Sortilégio, de Edson Cruz. Um livro de poemas, seu primeiro livro de poemas. Edson é editor do site Cronópios, também uma revista cultural da rede. O livro é dividido em quatro partes, distribuindo os poemas por coesão temática e/ou formal. A capa é bonita, vermelha. Gosto particularmente do pequeno desenho do selo da editora, Demônio Negro. O livro é um produto artesanal, ou semi-artesanal, me parece. Se for, é um artesanato de primeira, diga-se logo. Traz uma novidade interessante no fato de ser bilíngue; cada poema é traduzidos para o espanhol por Luis Benítez e Adriana de Almeida. Eduardo Milán, "poeta e crítico uruguaio", conforme consta num pequeno posfácio, comenta sobre "... una ironía controlada que a veces, saludablemente, desbarra en ira". Não pude deixar de celebrar a argúcia do crítico uruguaio, mesmo porque estou sempre em busca dessa ira poética. Há poetas de todos os naipes - os lamurientos, os reflexivos, os sarcásticos, os céticos - e, evidentemente, nenhum deles limita suas produções a uma expressão monocórdia, no conjunto da obra. No entanto, existem as tendências, particularidades em cada um e julguei encontrar, no livro de Edson Cruz, traços do que eu chamo de "ira poética". Edson, numa troca de e-mails, me contou de suas leituras, de Drummond a Murilo Mendes; e a posterior descoberta de Manoel de Barros. O poeta do Mato Grosso, a despeito da enganosa simplicidade, do universo "rural" ou regionalista que cria à sua volta como uma nuvem de pó - pelo menos aos olhos das moças que praticam teses de mestrado em literatura -, é herdeiro direto de Walt Whitman, um dos que eu chamo de "grandes poetas irados". E não há, evidentemente, nenhum demérito nessa genealogia de poetas. Mais que qualquer outra forma literária, a poesia não se limita, geografica ou historicamente. A comunidade dos (bons) poetas é tão universal quanto é possível ser. "As muito feias que me perdoem. Mas beleza é fundamental". A famosa frase de Vinícius de Morais sobre as mulheres - um tanto indelicada e um tanto discutível - se aplica perfeitamente à poesia. Esta, mais do que as mulheres, tem a obrigação da beleza. Um poema "feio", pra começar, não é poema. Não pretendo discutir a acepção dos termos "feio", ou "beleza"; apenas indicar que há vários belos poemas no livro de Edson Cruz. Um dos mais pungentes, "Lágrimas Oceânicas", é de uma simplicidade formal que contrasta soberbamente com sua maturidade poética. Há outros como "Ouriço", "Sinal Verde", "A Vasta Nuvem", "talvez ela" (assim, em minúsculas) e aquele que, provavelmente, é meu preferido, "Gonfotérios na Paulista" (ainda que eu não goste muito do título. Tive, inclusive, de ir ao dicionário para me lembrar o que é um "gonfotério", mamíferos bicudos pré-históricos). O poema, relativamente curto, se lança à frente sem parar, recusando pausa, reflexão ou lugar-comum, de forma que, ao término, temos a impressão de ter lido um poema muito maior. Ouço, aqui, ecos de Neruda e seu estupendo "Caballero Solo"; ou mesmo de Cesar Vallejo, essas vozes de uma América desconhecida (e poeticamente irada), tão irmanada na poesia que fariam Simon Bolívar babar. Evidentemente, são de minha preferência os poemas mais longos, ou mais articulados do que aqueles que a onda "minimalista" permite e que, já faz tempo, rolam por aí. Edson comete vários deles também, para gáudio de jovens leitoras e leitores, que propagam a onda. Poemas curtos, telegráficos, quase dísticos filosóficos mas que, graças à poesia que contêm (e não à idéia que encerram) estão bem inseridos no livro. É uma opinião pessoal, claro (a única que eu tenho). Mas, seguramente, para quem gosta de poesia, o livro de Edson Cruz é uma ótima - para não dizer extremamente necessária - pedida. Guga Schultze |
|
|