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Quarta-feira, 19/12/2007
Feliz Natal, Charlie Brown!
Gian Danton

A editora L&PM está lançando Snoopy ― É Natal! (L&PM. 2007, 136 págs.), o quarto volume da coleção L&PM Pocket dedicado aos personagens da turma do Peanuts. Seu criador, Charles Schulz, é considerado o Freud dos quadrinhos.

Conta-se que um psiquiatra, chegando ao seu consultório, encontrou um bilhete de seu primeiro paciente, dizendo que estava dispensando o tratamento com médico, pois havia encontrado a causa de seus traumas. E ilustrava a situação com uma tira de Peanuts.

A história, real ou lendária, ilustra a incrível capacidade que Schulz tinha de perceber os dramas e traumas humanos, sintetizando-os na figura de crianças. Umberto Eco disse que "a poesia dessas crianças nasce do fato de que nelas encontramos todos os problemas, todas as angústias dos adultos que estão nos bastidores".

Nessa história aparentemente ingênua, encontramos os mais variados tipos humanos e seus conflitos. Charlie Brown, o personagem principal, é o estereótipo do fracassado. Ele não consegue empinar uma pipa ou chutar uma bola. A única vez em que ganhou algo na vida foi um corte de cabelo. "Mas eu sou careca, e meu pai é barbeiro!", retrucou ele. Noutra ocasião, dançou com a rainha do baile, mas foi incapaz de lembrar de nada desse acontecimento.

Se Charlie Brown é a bigorna, na qual batem todos os males e dissabores da vida, a menina Lucy Van Pelt, irmã de Linus, é o martelo. Sua vida é provocar traumas no pobre Minduim, mostrando a cada momento o quanto ele é incapaz. Sua tirada mais clássica é fazer Charlie Brown acreditar que finalmente será capaz de chutar a bola, para tirá-la no último momento. Interessante que, apesar disso, ninguém jamais pensa em culpá-la pela derrota do time. O culpado é sempre aquele que não conseguiu chutar a bola.

Uma biografia escrita recentemente publicada com o título de Schulz and Peanuts dá a entender que o próprio autor colocava suas neuroses nas tiras, razão pela qual elas parecem tão reais. O autor o descreve como um homem solitário, tímido e infeliz, dominado por figuras autoritárias, como sua primeira esposa e sua mãe, ambas representadas na personagem Lucy. Schulz se identificaria tanto com Charlie Brown, o fracassado, quanto com Schroeder, o músico. Este último seria o lado artístico, através do qual ele se libertaria da tirania da esposa. Sintomaticamente, outra cena famosa é a de Lucy tentando conseguir a atenção do pianista, que a despreza solenemente enquanto toca.

Nesse sentido, Snoopy, provavelmente, representaria a liberdade criadora. Se Charlie Brown é o pé no chão, as tristezas e agruras da vida, Snoopy pode viajar o mundo e até mesmo ser um famoso piloto da I Guerra Mundial. Não por acaso, Charlie Brown é o personagem predileto dos adultos, que vêem nele seus traumas (a tirinha é a mais recortada, exibida e enviada a colegas nos EUA) e Snoopy é o personagem preferido das crianças, que ainda vislumbram na vida mais seus pontos positivos que negativos.

A tira foi criada por Schulz no início da década de década de 1950 e rapidamente tornou-se um sucesso, chegando a aparecer em mais de 2600 jornais em todo o mundo, chegando a ter um público leitor estimado em 355 milhões, em 75 países.

Na década de 1970 o sucesso da tira levou ao surgimento do desenho animado, que era pessoalmente supervisionado por Schulz. Ao invés de descaracterizar a obra, o desenho a ampliou para além dos limites dos quatro quadros diários.

De todas as histórias exibidas, a de Natal é provavelmente mais lembrada por uma geração que cresceu assistindo a esses desenhos. Indo muito além da melancolia habitual, o episódio captou o espírito natalino como poucas vezes isso foi feito. É como se, em meio a todos os traumas e problemas da vida, ainda houvesse espaço para a felicidade de momentos simples e singelos.

A edição da L&PM provavelmente pretende captar o interesse dos leitores que se lembram desse episódio. Daí o título, Snoopy ― É Natal!, e a bela capa colorida em que Charlie Brown e Snoopy dançam ao lado de uma pequena árvore natalina e de um presente.

Infelizmente, para quem esperava uma coletânea sobre o tema, nem todas as tirinhas tratam de Natal. Isso não chega a ser um desmérito, já que os Peanuts valem por si mesmos, mas talvez uma coletânea temática estivesse mais de acordo com o espírito da obra.

Em todo caso, o livro é um belo presente de Natal. Nele, o leitor encontrará não só os traumas e as tristezas da infância, mas também as pequenas e singelas historinhas divertidas de crianças. Exemplo disse é aquela seqüência em que Sally, a irmã mais nova, pergunta a Charlie Brown se quando morrerem eles vão para o céu. "Quando chegarmos lá, vamos encontrar todos os insetos que matamos? Será que vamos ver todos eles no céu e teremos que nos desculpar com eles?", indaga ela. "Não faço a menor idéia...", reponde o Minduim. "Tem uma aranha no teto do meu quarto. Por que você não a mata para mim? Você pode pedir perdão depois!". Essa pequena seqüência caracteriza o humor ao mesmo tempo singelo e profundo de Charles Schulz. Lá estão desde as pequenas dúvidas e angústias infantis à forma como as crianças lidam com elas (no caso de Sally, é mais fácil jogar a responsabilidade sobre o saco de pancadas de seu irmão).

Como aspectos negativos, o volume peca por não trazer textos de apresentação (há apenas uma pequena lista de personagens) e pelo formato vertical. Como as tiras são horizontais, isso obriga o leitor a dobrar o livro para ler. Quando uma seqüência pula de página para página, o problema se agrava, já que muitas vezes a piada perde parte do seu charme nessa virada de página. Seria talvez a hora de a L&PM começar a pensar em um outro formato para seus livros de quadrinhos da série de pockets.

Para ir além
Snoopy ― É Natal!

Gian Danton
19/12/2007 às 02h27

 

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