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Sexta-feira, 21/3/2008
Rodrigo Capella em turnê
Julio Daio Borges

No Brasil, se lê menos de dois livros por ano. Poeta: desista enquanto é tempo. Pare de escrever, pare de ter trabalho, vá para a praia, pegue uma onda, vá transar!(...) Os poucos livros de poemas que chegam às livrarias ficam em estantes empoeiradas, lá no fundo — ou seja, o público não encontra e nunca compra. Então a editora, de saída, já não publica livro de poesia.(...) Às vezes, repenso tudo: será que a literatura vale a pena? Será que vale a pena continuar a publicar? Será???

1. Rodrigo, como um músico, o escritor hoje tem de sair em turnê?
Ler é uma arte e, no Brasil, somente poucas pessoas conseguem fazê-la sem serem motivadas. A grande maioria precisa de constantes estímulos para pegar um livro, virar uma página e alcançar o verdadeiro tesão literário. Uma das maneiras de fazer isso acontecer chama-se... feira literária. Nas feiras o leitor se sente motivado, conversa com o autor, troca experiências e até atinge o orgasmo. Ler é um pouco como sexo: só é bom quando se atinge o orgasmo. Para isso, o leitor precisa de estímulo e esse estimo se dá nas feiras. Portanto, as feiras são muito importantes, eu diria que elas são imprescindíveis. Sem as feiras, não há literatura; sem as feiras, não há estímulo; sem as feiras, não há leitura; sem as feiras, não há escritor. Portanto, quem fala mal das feiras ou está mentindo ou está totalmente engando. Um país não se faz só com livros, mas sim com feiras. O escritor que não participa de feiras não é um escritor verdadeiro: ele é fruto de sua imaginação, ele é egoísmo puro. O escritor verdadeiro percorre o Brasil, divulga sua literatura e forma novos leitores. O escritor falso fica acomodado em casa, não faz coisa nenhuma, só fica escrevendo versinhos chatos...

2. Você concorda com o pessoal do Literatura Urgente, que dá aos eventos um peso tão grande quanto dá aos livros?
Plenamente. Ao publicar um livro, o autor passa por tanta burocracia que até dá desgosto. Quando lancei os meus livros, eu realmente me senti incomodado. Eu me perguntava: afinal, é sempre assim? Isso não muda? Tanto é que eu demorei quase dez anos para lançar Enigmas e Passaportes, meu segundo livro. Antes do lançamento, fiz várias reuniões com as editoras e precisei cuidar de alguns detalhes chatos, mas necessários. Participar de feiras é muito mais gostoso. Não existe burocracia. Há, pelo contrário, um sentimento de conquista, de poder conversar cara a cara com o leitor, de ser questionado e até de levar um tapa na cara. Tudo pode acontecer e isso é mágico. O autor pode dar uma autógrafo ou pode levar um murro. Eu repito: só pode se considerar escritor quem participa das feiras.

3. O Saramago tinha razão quando disse que, depois do Nobel, eram tantos os compromissos que ele mal conseguia escrever... — ou você acha que uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra?
É verdade, isso é fogo. Acontece, sim. Eu, por exemplo, tive que adiar a publicação de meus livros Poesia não vende e Rir ou chorar porque estava participando de tantas feiras que não tinha condições de escrever e participar ao mesmo tempo. Optei por privilegiar as feiras e foi a melhor coisa que fiz. O bom escritor tem que dividir seu tempo entre escrever e participar de eventos. Infelizmente, não se pode enviar um sósia... O mundo da literatura é punk, cansativo. O escritor não pode ter vaidade, tem de ser persistente, tem de mostrar que tem valor, tem de ser ousado, agressivo até. Quem for bonzinho demais, não serve!

4. Todo mundo fala das platéias de leitores do Sul, você — que já participou de feiras em Porto Alegre, Curitiba, Joinville e Florianópolis — acredita, também, que é diferente do resto do Brasil?
É totalmente diferente. Sinceramente, o Sul é outro país. Lá, as pessoas valorizam a literatura, gostam realmente de ler e não precisam de motivação adicional. O sulista lê porque ele simplesmente gosta de ler. Em Florianópolis, por exemplo, eu fui o mediador de um debate chamado "Poesia e blog: isso combina?". O pessoal compareceu em peso, faltou até cadeira. Em Porto Alegre, lancei meu livro Poesia não vende. Resultado: fizeram fila para eu autografar. Em Curtiba, eu encontrei o meu amigo Moacyr Scliar, e ele me disse: "Rodrigo, você é um talento!". Percebe? Vale a pena participar das feiras, ainda mais no Sul. Você sempre tem uma boa experiência.

5. Qual a sua expectativa para Minas Gerais (Poços de Caldas e Pouso Alegre)? E em Tocantins, o que será que te aguarda?
No dia 5 de abril, vou lançar o meu livro Poesia não vende em Poços e também vou participar de um debate poético, para falar sobre algumas tendências. Você sabia que, na Europa, muitos editores estão escolhendo os autores a partir dos blogs? E que os poetas têm mais visibilidade? É sobre isso que eu irei falar, discutir com outros poetas e conversar com a platéia. Debate para mim só é bom com a participação da platéia. Uma platéia interativa. E os leitores de poesia são, em geral, mais inteligentes do que os leitores de prosa. Não são leitores acomodados. Em Tocantins, eu vou ministrar uma palestra também sobre poesia. Já em Pouso Alegre, eu vou ministrar a palestra "Blog, poesia e dicas para se publicar um livro"...

6. Pegando o gancho dessa sua palestra, o que você diria para quem tem hoje um blog e quer publicar, depois, um livro?
No Brasil, se lê menos de dois livros por ano. Desista enquanto é tempo. Pare de escrever, pare de ter trabalho, vá para a praia, pegue uma onda, vá transar. Mas, se você realmente gosta de literatura, se você não vive sem ela, se ela é importante pra você, não desista, nunca desista, vá em frente e busque seu espaço. Publicar textos em blog é um bom começo, mas aqui, no Brasil, não é suficiente. Participe de feiras literárias, leia bastante, converse com escritores, incremente seu blog e sempre converse com seus leitores, eles são muito importantes. Um escritor não faz sucesso sem leitores. A equação é simples. Coloque a mão na massa, escreva belos versos e atualize sempre o seu blog.

7. E, pegando carona em outro tema, você precisou afirmar que "poesia não vende" para, em seguida, vendê-la — como é isso?
No Brasil, vende o negativo. Se eu lançasse um livro chamado Poesia vende, nunca iria vender. É aquela velha história: se te entregam um envelope lacrado e falarem: "não leia". O que você vai fazer? Você vai ler! É uma coisa simples que funciona bem. Você estimula o leitor a ler! Mas o livro tem fundamento. Poesia não vende defende que a poesia precisa ser valorizada, que ela tem luz própria e não precisa das outras artes para sobreviver. Atualmente existe quase um complô contra a poesia: se você leva um livro de poemas para uma editora, ela vai te falar o quê? "Poesia não vende". Já virou jargão. Os poucos livros de poemas que chegam às livrarias ficam em estantes empoeiradas, lá no fundo — ou seja, o público não encontra e nunca compra. Então a editora, de saída, não publica livro de poesia... Fecha-se o ciclo.

8. E como tem ido o seu Rir ou Chorar, sobre a vida de Ricardo Pinto e Silva? Tem outros projetos para se lançar, novamente, no terreno do jornalismo (e da biografia)?
O livro tem me surpreendido. Tem vendido muito bem e as resenhas têm sido positivas. O Rubens Ewald Filho, por exemplo, disse que o livro é uma aula de cinema. Os críticos de jornal também elogiaram bastante. Tenho outros projetos nessa área, mas infelizmente não posso divulgar ainda, pois o contrato com a editora me impede... Em breve, meus leitores vão saber, será algo difrente, inovador.

9. Fazendo um balanço dos seus cinco livros, o que dá mais trabalho: escrever, publicar, divulgar ou vender?
Fazer tudo junto é que é o problema. Por isso, eu fico constantemente louco. Às vezes, repenso tudo: será que a literatura vale a pena? Será que vale a pena continuar a publicar? Será? Penso, repenso e continuo em frente. Sim! Escrever, publicar e participar de feiras vale a pena! Eu vivo isso, eu respiro livros, eu sou um escritor que está inserido na literatura e que não pretende sair. Eu tenho um missão: valorizar a poesia, e vou fazer isso pelo resto de minha vida... No meu túmulo, quero que escrevam: quem respira versos, sonha poesia.

10. Uma última mensagem para seus leitores?
As feiras no Brasil ainda estão começando. Ainda tem muita feira para ser criada, tem muito evento literário para acontecer, tem muita coisa para mudar. No Brasil se lê muito pouco, como eu disse, menos de dois livros por ano. Na Colômbia, se lê dois, e na França, sete. Percebeu a disparidade? Ainda tem muito para se fazer aqui? Claro que tem. O Brasil vai ser, em breve, o país da leitura, a leitura vai estar na ponta da língua do povo. Leitura vai ser como Big Brother Brasil. É, eu tenho fé e acredito na mudança. Já está começando...

Para ir além
Rodrigo Capella on-line

Julio Daio Borges
21/3/2008 às 12h37

 

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