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Terça-feira, 8/4/2008 Aprendendo a cobrir cultura Tais Laporta Qualquer um pode escrever sobre cultura. Mas fazer bom jornalismo cultural é outra história. Não basta arriscar-se a detonar um livro, um filme ou uma peça de teatro com base no famoso "eu acho que", sem argumentos sólidos ou sem nunca ter tido contato com uma referência anterior. Há um nome exato para o que preenche esse vazio: repertório cultural. Quem quiser ser um verdadeiro crítico de cultura, saiba que à sua espera estão muitos anos de leitura, de treino e de vivência. E o recado não é desta colunista. É de algumas das feras do jornalismo cultural na imprensa, cujas lições foram transmitidas na última edição do curso Jornalismo Cultural, da Revista Cult. A versão anterior teve cobertura de Luiz Rebinski Junior, também colunista do Digestivo. Cada convidado trouxe receitas da produção diária de conteúdo na imprensa, úteis para quem quer se lançar no jornalismo cultural. Quer dizer, no bom jornalismo cultural. Crítica literária em jornais e revistas Com Adriano Schwartz (professor de literatura da USP e ex-caderno "Mais!"). Quem é o crítico literário de jornais e revistas no século XXI? É aquele que, para Schwartz, tem algo a mais para escrever, além do que já foi escrito. Quando ele critica um livro, significa que conhece a história do autor, procura saber como a obra foi feita e busca conexões com outras obras literárias. A crítica no Brasil, contudo, não é um mar de rosas. Há quem escreva para orientar o leitor, mas há quem faça isso para mostrar a própria inteligência ou para atacar inimigos e aplaudir amigos. "A vaidade pode ser mais forte que o interesse profissional, em muitos casos", reconhece Schwartz. Mas o que incomoda o crítico é o fato de jornais e revistas aceitarem passivamente certos lançamentos, sem fazer uma crítica mais profunda. Um exemplo é o resgate das obras de Jorge Amado, pela Companhia das Letras, que segundo ele, foi recebido muito "passivamente". Outra dificuldade de suplementos como o "Caderno 2" e a "Ilustrada" é selecionar, dos cerca de 20 livros diários que chegam à redação, quatro ou cinco que ocuparão as resenham de toda a semana. O maior risco é ignorar novos talentos. "Como saber se você perdeu a chance de resenhar um novo Guimarães Rosa?", questiona Schwartz, para quem, quanto maior o repertório do resenhista, melhor a escolha das resenhas. E, para quem pensa em fama, uma notícia triste: a repercussão de uma resenha literária é minúscula no Brasil, indício de que, talvez, algo esteja errado na literatura contemporânea. Ele lembra que além do conteúdo crítico, há uma carência grande de reportagens culturais sobre livros, entrevistas com o autor e investigações da obra. Livros indispensáveis ao crítico: Ilusões Perdidas (Honoré de Balzac); Confessions of a Book Reviewer (George Orwell); e Crítica e Verdade (Roland Barthes). Crítica de cinema em revista Com Isabela Boscov (crítica de cinema da revista Veja). A jornalista que resenha filmes para a revista mais lida do Brasil diz que não há bom texto que não esteja em pé de igualdade com o leitor. "Sempre forneça o contexto, além da informação convencional. Você escreve para um leitor não-especializado", ensina Isabela, que também aconselha ao crítico não subestimar a capacidade intelectual de quem lê. O leitor não tem obrigação de lembrar quem foi o diretor de King Kong, ou quem ganhou o Oscar em 1970, mas também não pode ser tratado como se não soubesse que atores interpretam personagens, aconselha. Ela observa que fazer crítica de cinema é aparentemente fácil. Muita gente aposta naquele texto "malandro", cheio de "gracinhas" e, assim, "pensa que se safa" como crítico. Anos depois, "você não acredita que escreveu aquilo", ri. Assim como Schwartz, Isabela admite que grande parte dos críticos escreve para si ou para impressionar os colegas. "Mas isso não traz satisfação moral", garante. O maior desafio do crítico, para ela, é cativar o leitor todo dia, como consegue Inácio Araújo, na Folha de S. Paulo. "Crítica é para começar bem mais velho, depois dos 30 anos. Nada contra os jovens, mas é melhor testar todas as áreas do jornalismo antes. Todo crítico deveria ser, primeiro, repórter", sugere. Isabela também acredita que os jornais estão afundados em uma crise bem maior que as revistas, porque elas mantêm uma capacidade analítica mais profunda, um "algo mais". Cobertura cultural da Veja Com Carlos Graieb (editor-executivo da revista Veja). Trazendo uma pegada mais comercial, o editor de cultura da Veja defende seu peixe e diz que o jornalismo em revista semanal deve cobrir o que é tendência na indústria cultural. Segundo ele, cabe ao repórter/editor separar o lixo do proveitoso. "Nosso trabalho é selecionar o melhor desse emaranhado de produtos no mercado e destruir mitos do senso comum, como o de que novela da TV Globo não presta", conta. A Veja cobre somente cinema, música e literatura. "Não nos interessa cobrir teatro", diz Graieb. Mas por quê? "É uma opção editorial", justifica sem maiores argumentos. O jornalista (leia-se, a Veja) também demonstra desinteresse por temas ligados à política cultural. "A revista não cobre esse assunto porque não é interessante", diz. Graieb também não vê problema em misturar informação e opinião em uma notícia. Técnicas de texto e estilo Com Marcelo Coelho (articulista da Folha de S. Paulo). Para fechar o primeiro dia do curso, Coelho ensina o aspirante a crítico a fazer um texto atraente. "Só escreve bem quem já tenha lido muito", diz, com conhecimento de causa. O jornalista adverte que não se deve levar tão a sério aquelas regrinhas fechadas para o bom texto, como a famosa lei da concisão. "Ser conciso em exagero empobrece o texto e pode confundir o leitor". Coelho ajuda a não errar no começo de uma crítica: o lead clássico (o quê, quando, onde, como, por quê) não funciona bem neste caso. Nariz de cera ― aquela abertura floreada, porém vazia de sentido ― também deve ser evitado. Também não pega bem começar contando a história do livro ou do filme. "O ato de contar a história deve ser reduzido ao mínimo possível. Nada pior que revelar de forma ruim, num parágrafo, o que o livro conta bem", aconselha. E partir para a opinião direta é outro inconveniente. Coelho pede para evitar o clichê: "Instigante. Essa é a melhor palavra para definir..." Talvez uma boa maneira de começar o texto, segundo Coelho, seja destacar um momento específico da obra que desperte uma observação curiosa, ou no qual sua opinião esteja mais consolidada. "A intenção secreta da obra deve ser desvendada", ensina. Cuidado também com julgamentos de valor sem justificativas convincentes: "Este filme é ridículo". Mas por quê? "As pessoas escolhem adjetivos genéricos para não correrem o risco de dizer besteira, mas eles nada acrescentam", diz. Como adjetivos são inevitáveis em uma crítica, é preciso procurar seu ajuste fino, a palavra que mais perfeitamente se encaixe àquele contexto, de modo a dar sentido ao argumento. Quanto ao desenvolvimento do texto, Coelho fornece um truque para o leitor não abandonar o texto entre um parágrafo e outro. Essa dica ele pegou dos americanos, já que aqui o costume é escrever em blocos com pensamentos independentes. "Deixe um detalhe não explicado no fim de um parágrafo e revele-o no seguinte. Assim, você prende a atenção", sugere. Finalizar o texto também é missão difícil. Coelho cita o último parágrafo do perfil "Frank Sinatra está resfriado", que Gay Talese escreveu em Fama & Anonimato, como exemplo clássico de um encerramento bem-sucedido. A reportagem na Literatura Com Ubiratan Brasil (editor do "Caderno 2"). O jornalista de cultura do jornal O Estado de S. Paulo se apóia na literatura de não-ficção para aprimorar suas reportagens. "Corro atrás dos grandes mestres do new journalism", revela, citando leituras infalíveis de Truman Capote, Gay Talese e Lilian Ross. Ubiratan também busca inspiração nos autores brasileiros, como Joel Silveira, autor da reportagem "A milésima segunda noite da Avenida Paulista". "Ele usava recursos interessantes, descrevia-se em cena, usava flashbacks e tinha uma ironia muito fina", resume, com admiração. Como exemplo atual de bom jornalismo, o repórter cita um perfil de José Dirceu, publicado recentemente na revista Piauí, que rendeu à publicação seu recorde de vendas. "Daniela Pinheiro esteve com ele vários dias, o acompanhou em eventos e até freqüentou sua casa", lembra Ubiratan. Sobre o bom texto, o jornalista acredita que 40% é formação, e o resto é talento. Mas aptidão natural não dispensa leitura e curiosidade constante. E não evita vícios. "Quando você está tão envolvido com o assunto que cobre, parece que não há nada de novo para falar. Aí que você se engana. É só comparar duas matérias sobre uma mesma coletiva, e buscar detalhes que ninguém deu", sugere o jornalista. Para ele, a imprensa brasileira padece da falta de especialização. "Não se faz mais críticos como antigamente. É preciso ter lido todos os clássicos antes de ser crítico. Enquanto você lê, faça jornalismo em outras áreas", repete o conselho de Isabela Boscov. A crítica de teatro Com Beth Nespoli (crítica de teatro do "Caderno 2"). Ao assistir uma peça teatral, Beth já elabora o que estará presente em sua próxima crítica. Ela se apóia em estudos acadêmicos para escrever com maior perfeição possível. A imprensa cultural, segundo ela, passa por uma crise de aprofundamento e falta de espírito crítico. "A obra já nasce como uma provocação, e o crítico deve responder a ela", provoca também. O exercício mais difícil do texto crítico seria dialogar sem ser autoritário. Beth cita Décio de Almeida Prado como exemplo a ser imitado, profundo conhecedor das correntes críticas e dono de um texto elegante e de linguagem jornalística impecável. "Crítica é diferente de reportagem. Em ambas, você deve ser apegar ao maior número de informações e, se possível, entrevistar o diretor, descobrir o que leu para chegar à peça". Para Beth, criticar sem embasamento é um crime hediondo no jornalismo. "Escrever sobre uma peça que faz uma releitura de Odisséia sem nunca ter lido a obra não dá", alerta com seriedade. Para um texto de qualidade, ela aconselha jamais ceder às frases de efeito, evitar emitir juízos sem explicar por quê e não fazer "brincadeirinhas" só para descontrair, já que podem ter duplo sentido. A crítica de artes plásticas Com Fabio Cypriano (doutor pela PUC/SP e crítico de arte da Folha de S. Paulo). Ao contrário dos outros jornalistas, para quem a cobertura cultural está cada vez mais restrita, para Cypriano, ela assume um espaço cada vez maior. "E mais importante", complementa. Ele cita Monteiro Lobato e Mário Pedrosa como os maiores críticos de arte nascidos em terras brasileiras. Caracteriza os textos da revista Bravo! como neutros, uma vez que procurariam evitar a polêmica, com a intenção de acompanhar uma agenda, e não posicionar-se sobre a qualidade das obras. Cypriano critica a postura passiva da imprensa diante de temas que mereceriam maior destaque e investigação. O mau uso das leis de incentivo à cultura, segundo o jornalista, é um desses temas. "Há vários exemplos que poderiam ter sido mais explorados. Em 2006, o Cirque du Soleil captou R$ 10 milhões em incentivos para apresentar-se no Brasil, um absurdo, já que eles têm marketing próprio e não precisam de ajuda", questiona. Para Cypriano, é obrigação do crítico interessar-se por política cultural e entender a relação arte/política, ao contrário do que acredita o editor da Veja, Carlos Graieb, para quem o tema é irrelevante. Cypriano foi o único dos convidados que reconheceu nas novas mídias, especialmente a internet, um potencial para a disseminação de um novo jornalismo cultural. "O jornalismo pode ter uma ocupação bem mais inteligente que nos espaços limitados da imprensa", aponta. Comunicação eficaz Com Welington Andrade (professor e vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero). Dono de uma articulação impecável, Wellington ensina a aplicar, como ninguém, as possibilidades da literatura no texto jornalístico. Aconselha a criar uma ligação afetiva com o leitor, além da experiência intelectual, como forma de prender sua atenção ― uma vez que os que lêem, a minoria, procuram prazer na leitura. São leitores preciosos, porque já perdemos uma grande parcela, de goleada: 2/3 dos brasileiros são analfabetos funcionais (aqueles que entendem a grafia das palavras, mas são incapazes de compreender uma frase sequer). Textos "tagarelas", aqueles que citam muitos nomes e trazem excesso de informação só para impressionar, são uma falácia, segundo o professor. Uma dica é espelhar-se em Antonio Candido, autor reverente à língua, ao mesmo tempo sofisticado e claro. Wellington questiona o excesso de adjetivos na crítica cultural. "Criticar é adjetivar o mundo? Pode-se definir a arte por substantivos", acredita. O bom texto, para o professor, é cheio de referências que ampliem o repertório do leitor. Também deve ter muitas vozes (polifonia), experimentando vários níveis de linguagem. "Você tem obrigação de fazer leituras, por mais chatas que pareçam, como de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. É preciso conhecer a subversão da língua para aprender a brincar com o texto", argumenta Wellington, para quem eufemismos e hipérboles são recursos de um texto incompetente. "Só servem para tentar impressionar o leitor, como as frases de efeito, ruins e superficiais". Também é recomendável evitar o uso de estereótipos, omitir nomes essenciais e repetir "verdades universais", complementa o professor. Tais Laporta |
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