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Quarta-feira, 16/4/2008
Blog, afinal, é literatura?
Julio Daio Borges

Era um continho bem, mas bem raquítico, nascido prematuro, sem condições ainda de ser divulgado nem lido. Daí o autor tê-lo colocado na incubadora: todos os dias ele vinha visitar o conto tão mirradinho, de arcabouço frágil, situações incipientes, diálogos padecendo de disritmia e falta de fôlego ― tanto que respirava por meio de aparelhos, aqueles tubos e aqueles êmbolos tão grandes e barulhentos para um continho como ele. O autor enfiava a mão na incubadora pela abertura circular e, com a luva de borracha, tocava nos dedinhos do conto, que de tão miudinhos mal conseguiam se fechar na ponta do polegar dele. O autor sussurrava, quase cantando, quase mais pensando do que falando, "Um dia você vai ser incluído na antologia do século e nós vamos rir disso tudo". E o autor gostava de achar que os dedinhos do continho davam uma apertadinha em seu polegar. Mas lá pelo segundo ou terceiro dia, enquanto pajeava o continho, o autor percebeu as enfermeiras rindo e cochichando, atrás do vidro da sala da incubadora. Então ele, que além de arrebatado era um autor suscetível a certo tipo de crítica, foi ver que tititi era aquele ― e uma das enfermeiras não demorou a soltar que corria por aí que aquele continho, sabe, podia não ser dele. Mas ― ela emendou ― era só boato maldoso, imagina. De gente invejosa. Falou e foi embora. O autor sentiu o chão rodar e faltar ao mesmo tempo, a garganta entalar, e depois de uns cardíacos minutos voltou até a incubadora. Enquanto o sangue lhe voltava devagar ao rosto ele observava o continho mirradinho, de olhinho fechado, dormindo. E esperou, esperou, esperou até ficar tarde, até não ter ninguém por perto ― aí foi à máquina de oxigênio da incubadora e nem hesitou para desligar. O barulho parou mas não de repente. O autor apagou a luz da sala, pegou o casaco e só então lembrou que tinha guardado no bolso um pacote. Um pacote contendo uma roupagenzinha para o continho, para ser colocada assim que pudessem ir para casa. Uma roupagenzinha pequenininha, engraçadinha, do tamanhinho exato do conto e que revestiria a criaturinha de um estilo e de um acabamento que fariam as visitas dizer "é a sua cara". O autor olhou para trás, guardando no labirinto do ouvido o seco e esticado silêncio da máquina de oxigênio, foi até a lata de lixo, jogou o pacote e saiu do hospital. Lá fora a brisa carregada de motes para histórias de amor e morte circulava sem muita pressa, com alguma melodia e um tanto assim úmida.

Nelson Moraes, via Inagaki (via Twitter, porque eu acabei de entrar)... Ah, o Nelson também linca pra nós!

Julio Daio Borges
16/4/2008 à 00h21

 

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