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Segunda-feira, 5/5/2008 Há algo especialmente podre... Adriana Baggio na Áustria? Em março, li Medo de voar, da Erica Jong. Em meio a tantas considerações mais importantes e relevantes sobre esse marco do que chamam "literatura feminista", me surpreendeu o quanto a personagem principal detesta Viena e os austríacos (e os alemães de uma forma geral, já que ela é judia e viveu na Alemanha do pós-guerra, tentando se encontrar nos destroços nazistas). E na última semana de abril, terminei O náufrago (Companhia das Letras, 2006, 140 págs.), de Thomas Bernhard, tão bem resenhado pelo Julio D. Borges que fica complicado encontrar algo que complemente o texto do nosso editor. O gancho salvador é que, assim como a Isadora de Jong, os três personagens do livro abominam a terra de Mozart. Dois deles são ficcionais e austríacos e o terceiro é o pianista (artista do piano, como prefere o narrador, um ex-virtuose) américo-canadense Glenn Gould. Eles se conhecem no Mozarteum de Salzburgo onde, juntos, terão aulas de piano durante alguns meses. De tão horrível (na opinião deles), não conseguem morar na cidade e alugam uma casa numa localidade vizinha. Do início ao fim, opiniões deprimentes sobre as cidades austríacas pontuam a narração, que é o fluxo de pensamento do ex-virtuose enquanto aguarda a deprimente dona da deprimente pousada onde vai se hospedar. Ele pinta um país destruidor de pessoas, de mentes, de corações, a ponto de cogitar se a geografia contribuiu para o suicídio do amigo, o náufrago do título. O único, por sinal, que permaneceu na Áustria. Enquanto Glenn Gould volta para os Estados Unidos e o ex-virtuose, alguns anos depois, refugia-se em Madri, o náufrago permanence e soçobra em meio à decepção por jamais poder alcançar o talento de seu colega americano. Uma constatação que é feita muito cedo, ainda no Mozarteum, o que torna tudo ainda mais cruel. Como diz o livro, se ele nunca tivesse se deparado com o gênio, se ele nunca tivesse passado pela sala 33 e ouvido Gould interpretar as Variações Goldberg, de Bach, Wertheimer, o náufrago, talvez tivesse sobrevivido ― mesmo vivendo na Áustria. O fato é que, em dois meses, li dois livros cujos personagens detestam a Áustria. E enquanto isso, o governo austríaco trabalha para melhorar sua imagem depois de o mundo se chocar com o caso de um de seus cidadãos, o pai que abusou, engravidou e manteve a filha presa em um porão por 24 anos. Episódio que, somado a outro longo seqüestro de uma jovem (que ficou presa 8 anos, mas pelo menos o carrasco não era o pai), pode fazer as pessoas imaginarem o que há de errado com esse país. Infelizmente, não conheço a Áustria. Felizmente, já ouvi/li muito mais opiniões positivas do que negativas sobre o país. Tenho uma amiga morando lá e ela está muito satisfeita. Comento aqui a coincidência porque me fascina a maneira como certas informações, de origens muito distintas, se repetem, sem que possamos saber, antes de ler um livro ou abrir o jornal, o quanto os conteúdos se entrelaçam. Não concluo nada sobre a coincidente relação temporal entre os livros e os fatos. Talvez, apenas, que existem bons livros falando mal da Áustria. E que, provavelmente, a humanidade está ficando cada vez mais podre, seja na Europa, no Brasil ou em qualquer outro canto do globo. Adriana Baggio |
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