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Sexta-feira, 19/9/2008
Bate-papo com Odir Cunha
Julio Daio Borges

Odir Cunha tem mais de trinta anos de jornalismo e o reconhecimento de prêmios como Esso e APCA. Conforme ele mesmo conta aqui, começou em jornal diário, passou por revistas, rádios, tevês, assessorias de imprensa, internet e, hoje, escreve livros e dá palestras. Também passou por uma reviravolta grande, nos últimos tempos, e redescobriu o valor do que chama atualmente de "vida simples". Em O Barqueiro de Paraty (Mundo Editorial), seu mais novo livro (que será lançado nesta segunda, 22/9, a partir das 19 hs., na FNAC Paulista), pretende sinceramente ajudar as pessoas na difícil tarefa de "não perder a coragem de perseguir seus sonhos"... ― JDB

1. Você esteve no "topo do mundo" dentro do jornalismo brasileiro ― só em termos de prêmios, ganhou dois Esso e três APCA ―, mas, ao mesmo tempo, sofreu uma reviravolta e prega, hoje, um retorno à "vida simples", com menos dinheiro e mais equilíbrio. Como é isso?

Na verdade, Julio, eu só sofri uma reviravolta no aspecto material, que é o menos importante. No mais, eu só evoluí. Tenho me dedicado a ler, estudar, conversar, adquirir conhecimento e reavaliar conceitos. Hoje sou um ser humano melhor e, conseqüentemente, um profissional melhor. Sou um jornalista bem mais capaz, pois além de lidar bem com a parte técnica da profissão, aprendi a lidar com as pessoas.

Mas vivo de escrever livros, prioritariamente, porque é o que eu quero e porque acho que dessa forma posso ser mais relevante. No nosso país não é uma atividade normalmente mais bem remunerada do que o jornalismo, mas isso não me importa. Em dezembro completo dois anos exclusivamente como escritor, e as contas estão em dia (toc-toc-toc).

A vida simples é a vida sábia, a vida que lhe dá mais tempo para as coisas essenciais, a vida que respeita os relacionamentos, o meio ambiente, o saber... Ela só é simples no aspecto material, pois não é preciso ser milionário para vivê-la bem, mas é exigente quanto aos valores. É uma vida que valoriza a ética e a virtude, qualidades antagônicas ao nosso tempo.

2. A saga de Pedro ― protagonista do seu novo livro, O Barqueiro de Paraty ― se assemelha à sua, já que passou por uma crise de meia-idade, teve problemas no casamento e até, no caso dele, afastou-se dos filhos. Como você, felizmente, Pedro deu a volta por cima ― falta às pessoas, hoje em dia, esse jogo de cintura?

Não quero ser pretensioso, mas falta às pessoas a sabedoria para enxergar o óbvio. Sem conhecimento para discernir, elas engolem o que é vendido pela publicidade, pela moda, pelos meios de comunicação ― que, no fundo, é a mesma coisa. E engolem sem sentir o sabor, engolem correndo para poder engolir mais e mais. Vivemos a era da quantidade, das aparências. Os poucos que se dão conta da armadilha optam por outro caminho.

Logo que passei por esses problemas que você citou escrevi Dinheiro, é possível ser feliz sem ele (Editora Elevação, 2001). Com o livro, quis dar um alento para aqueles que passam por um momento complicado financeiramente e se sentem o cocô do cavalo do bandido.

Hoje, a tendência entre as pessoas de maior sabedoria, entre as que vivem nos países de melhor qualidade de vida, como os escandinavos, é adotar a vida simples, ou a simplicidade voluntária. Antes do final do ano sairá um novo livro meu sobre o assunto (Viva Simples, Editora Novo Conceito), analisando o que já acontece no mundo neste sentido. Sem querer ser catastrófico, afirmo que a vida simples é a única forma de vida que pode salvar a humanidade.

Em O Barqueiro de Paraty trato desse tema, claro. Trato porque acredito nele e vivo conforme essa crença. Gostei do livro porque tem algo que todos os bons livros precisam ter, que é a coerência. Não faço nenhuma mágica para que Pedro se transforme em um homem muito interessante. Não faço com que ganhe na loteria, por exemplo (risos). Ele vai descobrindo sua riqueza interior e isso o torna um ser humano melhor, um ótimo amigo e o tipo de homem desejado pelas melhores mulheres.

3. Você se apóia, também, nas idéias do filósofo romano Epitecto. Acredita que ― até com o sucesso de cursos como os da Casa do Saber, sobre grandes pensadores ― estamos vivendo um retorno à tradição fundada por Sócrates, Platão e Aristóteles? Falta às pessoas, no fundo, uma "filosofia de vida"?

Bem, Julio, tudo é uma questão de porcentagem. Sempre faltou à grande maioria das pessoas uma filosofia de vida. Quando falamos de busca de conhecimento, de uma visão menos materialista da vida, estamos falando da mesma elite intelectual de sempre. Mas sinto um interesse crescente por filosofia, que, afinal, não passa da eterna busca de se compreender por que estamos aqui.

O prazer de se pensar, de se buscar respostas para as dúvidas atávicas do homem tem sido partilhado, creio, por um número crescente de pessoas. A literatura tem popularizado a filosofia e isso é ótimo. Acredito que o universo de interessados no tema tende a crescer.

4. Num texto seu sobre o fenômeno dos blogs, você se preocupa com o fato de o isolamento, proporcionado pelo uso excessivo do computador, acabar prejudicando laços importantes na vida de qualquer ser humano, com os familiares, os de amizade, até os de trabalho. Estamos correndo o risco de perder as referências, de certo modo?

Corremos este risco, sim. As ruas estão mais perigosas, os relacionamentos mais voláteis, as conversas menos conclusivas. A internet, por sua vez, é uma tentação segura e viciante. Nela tudo pode ser rápido, imediato. Você pode se expor, ou não. Pode contestar autoridades, dar sua opinião sobre tudo e todos, ou apenas colocar-se como um voyeur da vida dos outros.

O blog é a maneira de cada um mostrar a sua cara nesse meio vertiginoso e movediço que é a internet. Psiquiatras deveriam analisar os blogs de seus pacientes, pois eles dizem muito sobre cada um de nós. É um exercício de egocentrismo atroz, de agudo individualismo, mas também pode ser apenas profissional, ascético, inodoro e indolor. Ele exprime, enfim, a alma de quem lhe dá vida.

É tão fascinante, enfim, tão sedutor, que pode desviar as pessoas da vida lá fora. Meu texto, publicado no Observatório da Imprensa, só queria fazer as pessoas repensarem o tempo que passam na frente de uma tela de computador. Era uma época em que eu estava ficando mais de 10 horas por dia diante de uma.

5. Li, numa outra entrevista sua, que você, atualmente, consegue trabalhar em casa escrevendo e que, por conta disso, acabou assumindo muitas tarefas do lar, como a de preparar o jantar para seus familiares diariamente. Dentro do que você prega em termos de mudança na vida moderna, está também incluída essa de os homens dividirem melhor os afazeres domésticos com as mulheres?

Depois de me separar morei sete anos e meio sozinho e usei esse tempo para aprender a tomar conta de uma casa. Faz parte da filosofia de vida simples. Acho que todo homem deveria fazer isso durante um tempo. Os relacionamentos com as mulheres seriam melhores, pois dependeríamos menos delas neste aspecto e daríamos mais valor àquelas que optam por se dedicarem apenas ao lar.

Brinco que quero ser um misto de escritor de sucesso e um bom doméstico. Na verdade, é mais difícil passar roupa do que ganhar o Nobel de Literatura, por menos glamour que seja admitir isso (risos). E o prazer de fazer uma comida que agrade as pessoas ― situação que eu destaco em O Barqueiro de Paraty ― se compara ao de terminar um bom livro.

Faço o jantar para minha mulher e minha filha e através do preparo dos pratos eu também me comunico com elas e transmito o meu carinho e o meu amor. Acho que é uma boa maneira de os pais se comunicarem com seus filhos jovens, por exemplo. Ainda escreverei um livro sobre isso.

6. Voltando para a sua vida profissional, é inevitável que eu te pergunte alguma coisa sobre o jornalismo praticado hoje, afinal são mais de três décadas no ofício... Enfim, eu queria saber como você vê o trabalho de jornais, revistas, rádios e TVs atualmente. Num blog, você disse que o acesso à profissionalização melhorou, mas que as condições de trabalho decaíram bastante ― como manter a dignidade da profissão nesse cenário de grandes mudanças?

Nosso sindicato tem trabalhado para que o diploma de jornalismo se torne obrigatório. Pode parecer um movimento retrógrado, mas eu concordo com ele. Acho que o diploma preserva ao mínimo um mercado de trabalho demais vilipendiado.

Há anos escrevi um artigo para o Comunique-se intitulado "Todo mundo é jornalista, menos quem é", falando dessa ironia que é presenciar profissionais de várias áreas atuando em veículos de comunicação ― como apresentadores ou comentaristas ―, enquanto a maioria dos formandos não consegue trabalhar na área.

Não é justo. Veja que se você quiser ser um técnico de futebol, ou de tênis ― mesmo que tenha conhecimento técnico para isso ―, não poderá, a não ser que tenha o diploma superior de Educação Física. No entanto, ex-atletas e técnicos esportivos exercem funções jornalísticas e são remunerados por isso.

Fui criado na escola do Jornal da Tarde dos anos 70. Então, jornalismo para mim é crítica, é rebeldia, é inconformismo. Acho que manter essa atitude é que me dá força. Sei que o jornalista iniciante não pode se dar ao luxo de recusar um emprego por caprichos éticos ou ideológicos ― pois se agir assim provavelmente ficará sem ter onde trabalhar no Brasil, país em que boa parte das empresas de comunicação é controlada por grupos políticos ou econômicos com objetivos específicos. Mas é importante pautar seu caminho no jornalismo pela ética, pela honestidade, pela verdade ― eu não diria uma ética absoluta, pois é utopia, mas uma ética possível dentro das nossas circunstâncias.

7. De novo, naquele seu texto sobre o futuro e os blogs, senti uma certa simpatia sua pelos chamados "cidadãos-repórteres", que não têm formação específica, mas que, através da internet, participam do jogo praticamente em pé de igualdade. Os jornalistas, em geral, criticam essas pessoas, porque elas, como você aponta, estão roubando sua audiência. Qual deve ser a postura do jornalista em relação ao que James Surowiecki chamou de A Sabedoria das Multidões?

Eu não as critico. Eu as admiro. Acho que a internet é o maior fenômeno democrático dos nossos tempos e o blog sua arma mais poderosa. E ele ainda está desenvolvendo esse poder, que é maior do que parece. Um dia blogs destituirão governos, promoverão lideranças, mudarão a mentalidade das pessoas (aliás, já estão fazendo isso).

Não acho que o blog deva representar uma reserva de mercado para jornalistas. Acho que nesse caso quem tem competência se estabelecerá. São necessárias muitas qualidades para fazer um blog funcionar bem, tornar-se atraente, ter credibilidade. Não é só uma questão de técnica jornalística.

Por outro lado, o forte dos blog é justamente o seu caráter libertário, anárquico, democrático. Por isso, não pode ficar restrito a um grupo de profissionais. Deve expressar o maior número de versões possíveis. Vejo o blog como a anti-matéria do jornalismo, o outro lado das verdades oficiais. Acho que ele é útil por ser justamente assim, imprevisível e indomável.

8. Apesar de toda a turbulência de que estamos falando ― no mercado do jornalismo ―, você realizou o sonho de milhares de colegas de trabalho: vive de escrever, de atividades ligadas ao texto e, inclusive, de palestras. O jornalista vem deixando, cada vez mais, de ser empregado numa redação, para se sustentar como profissional liberal. É esse o futuro?

Todo sonho tem seu preço, Julio. Desde que as pessoas estejam dispostas a pagá-lo, todo sonho se torna possível. O meu vem sendo acalentado há anos. O plano de viver como escritor provavelmente é mais antigo do que o de ser jornalista. Demorou para acontecer porque não me sentia capaz de escrever livros que pudessem acrescentar algo à vida das pessoas.

Não escreveria só por brincadeira, só para brincar com as palavras. Elas são poderosas e podem mudar o mundo. Se eu mudar alguma coisa em alguém, para melhor, já me dou por satisfeito. Vejo na literatura essa utilidade. Ela só é relevante quando educa, quando modifica. No mais, não vale a pena ser escrita.

Sempre incentivei colegas a escreverem livros. Acho que nós, jornalistas, temos a qualidade de sermos "clínicos gerais". Podemos versar sobre qualquer assunto, desde que pesquisemos corretamente, entrevistemos as pessoas certas e depois saibamos decodificar a linguagem técnica para o leitor comum.

Há muitos exemplos de jornalistas que estão trabalhando como escritores e isso é bom para o mercado editorial brasileiro, pois melhora a qualidade dos livros, torna-os mais confiáveis, mais profissionais.

Bem, respondendo à sua pergunta, acho que a tendência entre os jornalistas mais experientes é se sustentarem como profissionais liberais, mas os jovens ainda devem investir mais na profissão antes de partir para esse caminho.

9. Gostaria que você ― sempre pautado por uma carreira de mais de trinta anos ― desse alguns conselhos para quem está começando e não sabe se deve apostar na internet (uma mídia em ascensão) ou na velha imprensa (uma mídia em transição). O que você faria, por exemplo, se começasse hoje?

Não sei se as coisas precisam ser colocadas assim: ou uma, ou outra. Há exemplos bem-sucedidos dos dois lados. Alguns jornais e muitas revistas irão subsistir, apesar da ascensão da internet. Nenhum jovem que tenha a oportunidade de iniciar a carreira trabalhando na "velha imprensa" deve recusar, na minha opinião. Essas empresas dão um know-how importante.

Se eu começasse hoje, algo que certamente eu faria é me preparar melhor para a profissão. Não apenas para ser um jornalista, mas para ser um comunicador, um especialista em comunicações. Trataria de falar e escrever bem o Inglês e o Espanhol, faria cursos de oratória e me especializaria na língua portuguesa, nossa sagrada matéria-prima. Assistiria a muitas palestras, leria mais livros, viajaria mais, provavelmente aproveitaria para fazer uma pós-graduação logo após a faculdade, pois depois o tempo passa e a gente se acomoda.

Creio que se o jovem estiver bem preparado, poderá se tornar um bom jornalista em qualquer mídia. A adaptação de uma para outra sempre foi muito tranqüila para mim. Comecei em jornal diário, passei por rádios, revistas, fiz tevê, assessoria de imprensa, internet e hoje escrevo livros, sou curador de exposições e dou palestras. Parece muita coisa diferente, mas são atividades ligadas pelos mesmos princípios.

10. Queria terminar com conselhos seus, agora, para o público em geral ― aquele que, como você escreve em O Barqueiro de Paraty, "não deve perder a coragem de perseguir seus sonhos"...

Sim, porque as pessoas às vezes duvidam de seus sonhos, envergonham-se deles, perdem a coragem de mantê-los vivos. Às vezes é mesmo muito difícil, reconheço. Tanta coisa age contra nossos sonhos, que corremos o risco de abandoná-los. Mas eles, quando puros, autênticos, são a nossa própria vida. Abandoná-los é deixar de viver.

Em O Barqueiro de Paraty mostro que não é preciso ser um super-homem, ou uma super-mulher, para se alcançar nossos objetivos, desde que nos empreguemos de corpo e alma nessa tarefa. E desde que estes objetivos sejam plausíveis, claro. Os sonhos precisam ser adaptáveis à realidade também.

Bem, Julio, fiquei feliz com o livro. Ele me deu a sensação de que pode amparar pessoas na busca do equilíbrio e da felicidade. Gostei do resultado final, do trabalho quase artesanal dos editores. Sem falsa modéstia, acho que ele dará uma injeção de coragem em muita gente que está titubeante diante da vida...

Para ir além





Julio Daio Borges
19/9/2008 à 00h27

 

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