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Sexta-feira, 22/11/2002
Crimes sem texto
Julio Daio Borges

Tudo se passa como se essas jovens [Susan Smith e Suzane Louise], até agora ordeiras e nada excepcionais, mostrassem que nem sempre a lógica do chamado desenvolvimento econômico, do mercado, da riqueza material, seja o remédio para tudo. A barbaridade indizível do filicídio, do matricídio e do parricídio desnudam a impotência das fórmulas feitas e das receitas coletivas. Esses crimes sem texto revelam que há muito mais entre a sociedade e os homens do que fazem crer as nossas bem alinhavadas e hipercorretas teorias políticas e sociais.

Durante séculos, as sociedades tentam escapar da infinita crueldade de que são capazes pela adoção de receitas ideológicas que, uma vez estabelecidas e aplicadas, resolveriam todos os problemas, inibindo, corrigindo ou explicando as mazelas humanas. De fato, a consciência da injustiça social, da discriminação, da exploração do trabalho e da intolerância política (que só admite elogiar um lado, condenando o outro ao erro, pecado ou ao crime político), tem criado um mundo melhor e mais aberto. Mas a condição básica para a sua manutenção, o elemento fundamental para que as ideologias libertadoras venham a exercer esse papel, jaz precisamente na admissão de seus limites e, no caso em pauta, na consciência de sua incapacidade para explicar esses gestos tão perturbadores quanto são expressões veementes do lado obscuro, criminoso e demoníaco que toda convivência humana tem a capacidade de engendrar.

Roberto da Matta em "Em torno dos crimes sem texto"

Julio Daio Borges
22/11/2002 às 11h11

 

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