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Segunda-feira, 20/10/2008
Na CDHU, o coração das trevas
Vicente Escudero

Acabou mal o seqüestro perpetrado por Lindemberg em Santo André e a polícia, que poderia ter sido truculenta, matando antes o seqüestrador, acabou sendo crucificada por não agir como a ROTA da época dos grupos de extermínio.

"Bandido bom é bandido morto", diria o leitor ao ver o corpo ensangüentado de Eloá no colo de um policial, saindo do cativeiro. Mas até que ponto uma reação amalucada, desencadeada por um jovem de vinte e dois anos, infantil como a ex-namorada seis anos mais nova, pode qualificá-lo para uma vaga em frente ao rifle de um atirador de elite?

O cenário dificultava a ação policial. Quem imaginaria que um seqüestro em um apartamento da CDHU repercutiria tanto? Se a polícia nunca apareceu por lá para reprimir o tráfico de drogas que ganha vinte mil reais a cada dois dias, por que apareceria para dar cabo da vida de um maluco? Centenas de pessoas cercavam o condomínio aguardando o desfecho do caso. Um apartamento minúsculo, no segundo andar de um prédio, com uma única entrada e paredes finas impossibilitava a aproximação silenciosa dos agentes policiais. A negociação com Lindemberg fora interrompida por diversos interessados que não eram do ramo, com papo-furado, cheios de boas intenções para tentar convencer um louco a agir com bom senso. As redes de tevê fechavam o cerco a todo momento. "Lindemberg já correu o Código Penal, disse o Delegado daqui", "O Promotor veio garantir a aplicação da lei e a integridade física de Lindemberg".

Era necessário lembrar o seqüestrador, enquanto ele apontava a arma carregada para as vítimas, de que seria preso ao final?

Tragédia. Num primeiro momento a vingança de Lindemberg era contra a namorada. Depois das entrevistas catastróficas às redes de tevê, sua personalidade liberou a raiva contra toda a sociedade. Ele não reconhecia mais as reféns como as únicas vítimas. Decidiu apontar a arma contra o telespectador. "Vocês vão sofrer". "Pode avisar todo mundo que vai acabar mal"."O diabinho tá duelando com o anjinho aqui". Mesmo assim, as câmeras injetavam ainda mais veneno nas veias do sujeito, junto com a adrenalina que fluía a cada estocada de interrupção da programação pelas emissoras.

Nem as vítimas foram poupadas do picadeiro. Os corpos furados de bala, deformados e derramando sangue foram perseguidos pelos cinegrafistas, do condomínio ao hospital, até dentro das ambulâncias. Demonstrações lamentáveis de insensibilidade e desrespeito com os envolvidos.

A polícia errou ao permitir a recaptura da refém e só. Afinal, existe sincronismo capaz de superar a intempestividade de um maluco?

Vale lembrar um aforismo de G. K. Chesterton: "O jornalismo consiste em dizer que 'Lorde Jones morreu' para pessoas que não sabiam que Lorde Jones estava vivo".

Antes de apontar os culpados do caso, leitor, reflita se você conhece o ambiente em que ocorreu a tragédia de Santo André.

Nota do Editor
Leia também "A Brasilianização do Mundo".

Vicente Escudero
20/10/2008 às 12h49

 

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