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Quinta-feira, 4/12/2008 Sol sem luz Julio Daio Borges Godofreddo guarda em seu quarto jornais. "Para pesquisas" diz; e lá vai ele dando novas camadas às colunas de celulose; tais quais células de seu próprio corpo. Muitas já mortas, alimentam multidões de ácaros e banqueteiam tímidas e famélicas traças. Tropeça nos próprios pés à procura de um chinelo, que lhe escapara. Desaba na cadeira a qual solta contido gemido. Diante da escrivaninha pálida, por descuido estende página amarelada de fotos e fartos fatos deformados. Lê os testemunhos do rôto espírito da época e solta um arrôto enquanto polemiza consigo próprio a impropriedade do estilo e da falta de arte no manuseio da palavra, se insurgia mais contra a forma do que com o conteúdo, já é lugar-comum de terra exangue falar sobre: "a sofisticação da técnica mutualizada com a anemia espiritual". Vociferava enquanto a voz era devorada pelo fogo da falta de fôlego. Voa uma mariposa negra contra a luz fria da lâmpada, tonta ela tenta se queimar mas não consegue... "Que paixão!" Liga o rádio para ouvir Wagner e pocotó, pocotó. Pega um copo, desses de molho pronto, e tenta acuar a incauta voadora; caçador experiente, depois de algumas horas, consegue e a prende no invólucro, depositando-a na escuridão das esquinas. Volta para o quarto, encontra outro copo, perdido num canto da escrivaninha; alí ao lado do Paraíso Perdido. Entorna e queima as vísceras. Lá pelas tantas, tonto, resolve sair sondando sonhos à procura de pesadelos, e só encontra mariposas, uma delas fôra, imagina ele, sua esposa, posando nua no fundo do copo de seus olhos incendiados. Parou no meio da rua, sem notar que estacara; estava a delirar, procurando no caledoscópio o que aquela figura multifacetada da memória lhe gritava. Tal qual uma búzina de Scania. E as cores, e as cores. Todas as cores do mundo numa única e infinda planície negra. Wilson Roberto Nogueira, nunca dica do Pó&Teias, que linca pra nós. Julio Daio Borges |
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