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Sexta-feira, 15/7/2011
Entrevista a Fernanda Munhão
Julio Daio Borges

Formado em Engenharia de computação pela Escola Politécnica da USP, Julio Daio Borges foi "redação nota dez" da FUVEST em 1992, e hoje atua como editor-executivo do Digestivo Cultural, um dos mais importantes sites culturais do país, além de vários projetos... ― F.M.

Tornar-se um "redação nota dez" foi mera sorte, facilidade nata com a escrita ou fruto de um trabalho constante nos estudos?

Vou tentar responder contando a história... Eu comecei um diário no ano do vestibular (terceiro colegial). Era mais para registrar os dias, que eu achava que passavam muito rápido... Supreendentemente, minhas redações foram melhorando. Eu comecei a "me colocar" mais nos textos também: meus sentimentos, minhas ideias... Acabei tirando um 9,5 na escola. E um 10, que foi parar no mural do Cursinho.

Claro que sempre fui bom aluno. Na terceira série, com 9 anos, lembro que fui o primeiro da classe. Não estudava só para isso, mas aconteceu. "Estudar", "ir bem na escola", "ser inteligente"... eram valores na minha casa. Tanto que meus dois irmãos também entraram na USP... E, além de estudar, eu lia os livros sugeridos. Mesmo quando não gostava, lia até o fim. Eu achava que era importante ler ;-)

Contudo, não imaginava o "10" da Fuvest. Nem imaginava que fosse entrar na USP (sou o "mais velho"). Não estudei num colégio forte (na época do colegial). Fiz um Cursinho muito bom, mas havia tanta gente "concorrendo", e tanta matéria que eu não dominava... Minha sorte foi o tema da redação: o próprio vestibular. Estava vivendo aquilo, achei bem fácil "desenvolver"... Tanto que gostei bastante do resultado. E pensei em reescrever a redação quando chegasse em casa. (Tinha ela toda de memória.)

Infelizmente não fiz isso... Quando soube da nota 10, meses depois (já dentro da Poli), tentei ir até o prédio da Fuvest, na USP, para tentar recuperar a redação. Eles, anualmente, escolhiam algumas das melhores, para republicar... Mas a minha não estava entre as "sorteadas"... Anos depois, reencontrei minha professora de redação do Cursinho, através da minha irmã, e contei a ela (que ficou orgulhosa)...

Um bom escritor é, necessariamente, um bom leitor? Qual é a relação ou não-relação entre a leitura e a escrita?

Eu descobri que escrevia bem meio que "por acaso". Era um leitor "dentro da média". Tinha um amigo que era um grande leitor, mas que era, também, uma exceção... Depois do 10, na redação da Fuvest, fiquei pensando que eu deveria investir mais na minha escrita. E comecei a ler com mais afinco. Creio que me tornei leitor, de verdade, um pouco tarde, na época da faculdade.

Meus contos dessa fase ― que estão na internet ― são quase ingênuos. Como disse uma vez, trocava "conto" por "crônica" e confundia jornalismo com literatura. De qualquer forma, descobri minhas três primeiras grandes admirações nessa época: o contista Rubem Fonseca, o cronista Nélson Rodrigues e o jornalista cultural Paulo Francis.

Respondendo, objetivamente, à sua pergunta: escrita é repertório; e repertório, para quem escreve, é leitura. Como diz aquela frase do Wittgenstein: "Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo". Compreender uma grande obra é ganhar uma nova compreensão da vida. E eu sempre tento evoluir nas minhas leituras; para evoluir não só como escritor, mas como ser humano ;-)

Como editor do Digestivo você tem contato com inúmeros textos. De um modo geral, é possível perceber as falhas ou dificuldades mais freqüentes de quem escreve?

Quase todos os dias, recebemos textos de candidatos que desejam publicar no site. Como o nosso foco é jornalismo cultural, me concentro no que funciona dentro do Digestivo. Por exemplo, se alguém enviar um poema, por melhor que seja, não cabe no site e eu não vou publicar (mesmo que seja impecável literariamente).

Respondendo à segunda parte da sua pergunta... Hoje sinto que está cada vez mais difícil, para as pessoas, desenvolver uma ideia. Não tem a ver com inteligência, e talvez nem com educação, mas tem a ver com o aspecto fragmentário desta nossa época. Já escrevi que "nos articulamos mal" e, de uns tempos pra cá, não tenho visto melhora... Quando nossos próprios representantes não dão bola para o português correto, fica complicado...

Falando em educação, que é a sua área, existe uma carência dos aspectos básicos. Como disse, é comum a mistura entre jornalismo e literatura, entre poesia e prosa... Depois, os "candidatos a jornalista" nem sempre leram os grandes jornalistas; tanto quanto os "candidatos a escritor" nem sempre leram os grandes escritores... Além da fragmentação, o "imediatismo" da nossa época atrapalha bastante.

Diante de vestibulares tão competitivos, quais as dicas aos estudantes que ainda não têm tanta habilidade com a escrita?

Duas dicas (confirmando o que já foi dito): leia e escreva.

Leia, mas não só o que a escola pede. Leia por curiosidade. Leia o que tiver vontade. Mas leia. Ver o filme (sobre o livro) não é a mesma coisa. Peça dicas para amigos "leitores". Visite bibliotecas. Frequente livrarias. Navegue pela internet. Tem tanta coisa pra ler na Web...

E escreva, mas não só as redações que te pedem. Escreva para você mesmo. Escreva um diário. Escreva para os seus amigos. Escreva para as suas namoradas. Escreva e-mails. Escreva cartas. Expresse seus sentimentos, para as pessoas que você ama. Se coloque no papel (ou na tela). Se exponha. Tenha coragem. E, sobretudo, seja você mesmo. De repente, você vai se descobrir escritor... ;-)

Para ir além
Site de Fernanda Munhão (para onde esta entrevista foi, originalmente, produzida)

Julio Daio Borges
15/7/2011 às 09h24

 

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