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Quarta-feira, 16/5/2012
Nelson e 'A Serbian Film'
Duanne Ribeiro

Nelson Rodrigues, na crônica "Contra a Violência", de A Cabra Vadia, nos conta sobre uma anunciada (e, certamente, abandonada) pretensão de Hollywood lá pelos idos de 1968: eliminar a violência de seus filmes.

"O que se propõe, no manifesto citado, é da mais pura e deslavada alienação. Nada mais idiota do que fazer filmes sem violência para uma platéia de violentos. Todas as violências nos fascinam. Sempre foi assim, e agora mais do que violência. O cinema trabalha para o mundo que matou Bob Kennedy, chorou Bob Kennedy e, 48 horas depois, esqueceu Bob Kennedy. O esquecimento veio antes de que murchassem as flores do seu caixão. (...) O sujeito entra num cinema e leva a sua tensão exterminadora. Ele odeia e quer ver seu ódio na tela."

Se adaptarmos a citação para uma discussão atual, podemos ter algumas questões interessantes. No caso de A Serbian Film, a violência exibida parecia estar além desse desejo de ver o ódio, do que pode suportar essa "plateia de violentos". O filme foi censurado em vários países, Brasil incluído, por conter cenas de "sexo explícito, crueldade, elogio/banalização da violência, necrofilia, tortura, suicídio, mutilação, agressão".

Não é muito diferente da recepção que algumas peças de Nelson tiveram. Um exemplo: como conta Ruy Castro, em O Anjo Pornográfico, Álbum de Família "deixou os censores de cabelo em pé. Eles nunca tinham visto nada tão 'indecente' ou 'doentio'", e afirmaram que ela "preconizava o incesto" e "incitava ao crime". O que é que Nelson diria de A Serbian Film?

Um indicativo talvez esteja no encerramento de "Contra a Violência":

"Hollywood devia fazer precisamente o contrário do que exige a sua tola unanimidade. Mais do que nunca, deve fabricar os filmes hediondos. O homem precisa ser colocado diante da própria violência. Temos que ver a face da nossa crueldade. Ou o cinema nos ofende e nos humilha ou, então, deve morrer. E, sempre que o cinema apresenta a sordidez em dimensão gigantesca, cada qual sente o eterno, o sagrado, que existem no mais vil dos seres."

Gosto de pensar que esse trecho vai ao encontro do que concluí quando discuti o filme sérvio e sua censura:

"O que há de particular na violência da obra de Spasojević? A conclusão a que chego é que a diferença é positiva: a forma com que retrata seu tema é eminentemente demoníaca. A violência não aparece divertida, justa, emocionante, gloriosa. É apenas sórdida, ácida, insuportável."

Isto é: a violência de um jeito cru, sem idealização que a mascare além do que é. Que acham? Lembremos do que enfatiza Nelson:

"Que pobre utopia um cinema sem violência, sadismo, terror e medo! Seria a morte da própria indústria cinematográfica."

Duanne Ribeiro
16/5/2012 às 18h55

 

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