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Segunda-feira, 4/3/2013
Quando se está triste
Julio Daio Borges


Edward Hopper

Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias, porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se nos tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque, num relance, todo o sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer. Eis porque a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, penetrou no seu mais íntimo recanto. Nem está mais lá ― já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu; no entanto, ficamos transformados, como se transforma uma casa em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir a acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste. O momento, aparentemente anódino e imóvel, em que o futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos silenciosos, pacientes e entregues à nossa mágoa, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino e quando, num dia ulterior, vier a "acontecer" ― isto é, quando sair de nós para se chegar a outros ―, senti-la-emos familiar e próxima. Deve ser assim. É preciso ― e a nossa evolução, aos poucos, há de processar-se nesse sentido ― que nada de estranho nos possa advir, senão o que nos pertence desde há muito. Já se modificaram muitas noções relativas ao movimento; há de se reconhecer, aos poucos, que aquilo a que chamamos destino sai de dentro dos homens em vez de entrar neles. Muitas pessoas não percebem o que delas saiu, porque não absorvem o seu destino enquanto o viviam, nem o transformaram em si mesmas. Afigurou-se-lhes tão estranho que, em seu confuso espanto, julgavam-no saído delas justamente naquele momento, e juravam nunca antes ter encontrado em si algo parecido. Como os homens durante muito tempo se iludiram acerca do movimento do sol, assim se enganam ainda em relação ao movimento do que está para vir. O futuro está firme, caro Sr. Kappus, nós é que nos movimentamos no espaço infinito.

Rainer Maria Rilke, em Cartas a um Jovem Poeta

Julio Daio Borges
4/3/2013 às 19h00

 

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