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Terça-feira, 17/6/2014 Gatos, Cães & Congelador Ricardo de Mattos Blackie na Antártida Minha irmã telefone, interurbano: Blackie foi sacrificado. Doença incurável. Debilitação e sofrimento. Tristeza geral. Achei que você ia querer enterrá-lo, diz ela, às lágrimas. Então o embrulhei em seda vermelha e o coloquei no congelador. Ó Blackie, esse te nome dado sem rodeios ou artifícios por menininhas, gato preto pulando de telhado em telhado com touca e avental de boneca Ó ídolo matreiro de rosto felpudo que resistiu a adoração e maus tratos, com freqüência sem arranhar, Ó tu que uivavas contumaz para a lua, tortuoso enjeitado astrólogo neurótico que previa o desastre criando-o, Ó companheiro fiel da meia-noite que tens a cor da meia noite, Ó tu que te apossavas dos travesseiros, com teu bafo de fígado cru, onde estás agora? Ao lado do hambúrguer congelado e das asas de frango: um paraíso para os carnívoros. Jazendo em seda vermelha e pompa, como o Faraó num templo metálico branco, ou um explorador de ossos finos da Antártida numa parca gélida, alguém que não escapou. Ou (vamos encarar os fatos) um pacote de peixe. Espero que ninguém a caminho do jantar desembrulhe a ti por engano. Que afronta, ser equiparado à carne! Como os gatos, odiavas ser ridículo. Tinhas fome de justiça, em horas fixas e sob a forma de fatias de carne assada com molho. Querias o que estivesse no teu caminho. (A morte é, contudo. Ridícula. E está no seu caminho. No nosso também. Justiça, eis o que vamos nos tornar. E então há piedade). O poema foi extraído do livro A porta da escritora e poetisa canadense Margaret Atwood, traduzido no ano passado por Adriana Lisboa. No livro Da dificuldade de ser cão, Roger Grénier relata caso semelhante, envolvendo um cão: "A zeladora de uma das moradias mais aristocráticas de nossa rua tinha sempre cachorrinhos pequenos, uma boa oportunidade de parar um instante e trocar considerações caninas. Um dia, ela me comunicou a morte de sua pequena Fox, de mais de catorze anos, e acrescentou: " - Como logo vai chegara a Páscoa e nós vamos para casa, em Limousin, minha filha guardou-o na geladeira". Defendemos judicialmente um criador de cães. Uma compradora alegou que o filhote foi adquirido doente e por isso morreu. Durante o estudo do caso, ele avisou: "- Coloquei o bichinho no freezer, se precisar fazer perícia". Ricardo de Mattos |
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