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Sexta-feira, 28/11/2014 Roberto Bolaños (1929-2014) Julio Daio Borges "Chaves" é mais um daqueles crimes que tradutores brasileiros cometem impunemente. O original - "El Chavo del Ocho" - não tem nada a ver com "Chaves". A tradução literal seria "o cara do oito", sendo "oito" o número da casa do "cara". Mas algum "gênio" do SBT caiu no golpe do falso cognato, pegou um sobrenome hispânico ("Chávez") e o aportuguesou, tirando o acento, e trocando o "z" pelo "s". "Chapolin" passou pelo mesmo processo. O original - "El Chapulín Colorado" - faz menção a "chapulín", o nome que se dá, no México, a um tipo de grilo. Por isso, na série, o superherói entra em cena todo saltitante. "Colorado", antes que pensem que é "colorido", é, na verdade, vermelho. No Brasil, virou "Chapolin"- com "o" no lugar do "u", sem acento, ainda com "n" no final. Assisti a "El Chavo de Ocho", pela primeira vez, em 1982. Em espanhol; por suerte. Na casa de uma tia que morava nos Estados Unidos. Não é esnobismo, mas - pelos erros de tradução, vocês já percebem - todas as piadas soam melhor no original. En español. Estreou no Brasil em 1984, mas, pela sua aceitação, tanto "Chaves" quanto "Chapolin" foram tão usados como tapa-buracos na programação do SBT que, anos depois, já estavam "queimados". Tive um amigo mexicano na escola, no colegial em 1989, e lembro de ele ser alvo gozações, porque, do México, a única coisa que se conhecia, no Brasil, eram "Chaves" e "Chapolin". Duas atrações que o SBT levava ao ar quando não tinha nada melhor para apresentar - ou quando precisava sincronizar sua próxima atração com o fim da novela das oito... A graça de "El Chapulín Colorado" está, eu acredito, em apresentar um superherói que é quase a antítese disso. Um anti-herói, mas não apenas no sentido cervantino, porque Dom Quixote é bem anterior a ele. E, sim, no sentido de retratar todo o lado subdesenvolvido da América Latina (por isso "pegou" no continente inteiro). Um herói em que ninguém acredita, que se acha superpoderoso, mas que é desastrado e só não causa mais estrago porque a série é "para crianças". Já "El Chavo del Ocho" é uma comédia de costumes, com um anti-herói assumido, o aportuguesado "Chaves". Não se conhece sua família, não se conhece sua casa, está sempre mal-ajambrado e, dá a entender, subnutrido. Como não tem ninguém "por ele", sempre leva a culpa por tudo. Passa por "burro", mas tem aquele "estalo" típico do "amarelo" de Ariano Suassuna. Chaves é inocente e passa por bobo, mas tem rompantes de João Grilo, embora não seja "malandro"... E Roberto Bolaños não fica só na comédia. Há, nele, um certo lirismo. Aquela romantização da pobreza, eternizada pelo vagabundo de Chaplin, que, em Bolaños, se confunde com a cafonice latino-americana, das novelas mexicanas, mas que, às vezes, comove, por emular a inocência infantil - daquelas crianças que, mesmo nas piores situações, fantasiam. Algo que outro Roberto, Benigni, tentou fazer em "A vida é bela", mas não foi tão feliz... Particularmente, gosto da bondade e da nobreza, nos dois personagens de Bolaños. A bondade do Chaves que, mesmo passando por todas as dificuldades e por toda a humilhação, ele jamais perde. E a nobreza, do Chapolin, da qual ele mesmo diz... "aproveitam-se". Acho notável que Roberto Bolaños, podendo ter escolhido qualquer personagem, em suas séries de TV, escolheu ser "Chapolin" e "Chaves". Um frágil herói da América Latina. Um bem-aventurado manso bíblico. Para ir além Leia também "A propósito de Chapolin e Chaves" e "Festival Chaves no Centro Cultural Vergueiro". Julio Daio Borges |
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