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Segunda-feira, 23/5/2005 A Demissão da Crítica Julio Daio Borges Para quem acompanha o mundo literário brasileiro, não é difícil identificar o acordo. Ele é mais ou menos generalizado, e se ergue em torno de um preceito que tem passado por regra de ética e polidez, embora seja mais propriamente o esteio do compadrio. Trata-se do princípio de que uma reação crítica deve ser publicada quando for, de modo geral, favorável à obra analisada, ou quando nela predominar o caráter de apresentação mais ou menos neutra. Caso contrário, o melhor procedimento é o silêncio público, que não será contraditório com a maledicência privada. Por isso é tão recorrente na imprensa a ânsia de glosar os lugares estabelecidos pelos discursos acadêmicos mais prestigiosos, ainda que disso resultem textos contraditórios ou incongruentes. E também por isso a imagem de respeitabilidade crítica se faz por meio de uma curiosa mistura: do olhar desdenhoso que a universidade ainda lança sobre o campo do presente com o esforço historizante, que busca substituir o debate sobre objetos pela proposição de linhas de filiação nas fontes canônicas eleitas e celebradas pelas versões hegemônicas do desenvolvimento da literatura nacional. Não espanta, assim, nesse quadro de rarefação do embate crítico, no qual a regra é evitar o confronto, que a forma privilegiada do texto dedicado à produção literária moderna e contemporânea seja a glosa, tanto nos artigos elaborados para jornais, suplementos e revistas de grande circulação, quanto nos textos produzidos para circulação no meio universitário: monografias, dissertações, teses e relatórios de pesquisa. O procedimento comum é a paráfrase ou a transcrição, em mosaico, das formulações metalingüísticas da própria obra ou do discurso do autor sobre si mesmo, presente em entrevistas, artigos e depoimentos. O que resulta, de regra, num discurso plano, levemente acadêmico e tedioso, cujo atrativo principal é servir de resumo ao que está presente na própria obra e nos seus paratextos; ou então de apanhado dos lugares-comuns da historiografia dominante, de modo a "explicar" o objeto pela filiação a um deles, como decorrência ou contraposição. O resultado imediato é a anemia e o desinteresse que caracterizam a maior parte da produção brasileira que enfoca os textos literários do presente, incapaz de real enfrentamento com os objetos e problemas imediatos da cultura contemporânea e, principalmente, com a questão do valor. Paulo Franchetti, em "A Demissão da Crítica", hoje na Germina Literatura, amanhã na Sibila. Julio Daio Borges |
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