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Sexta-feira, 13/1/2006
Cinema em Atibaia (II)
Marcelo Miranda

O Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual começou pra valer na quinta-feira, com a primeira leva de curtas-metragens e vídeos da mostra competitiva e as várias atividades e exibições paralelas da programação. Logo no início da tarde veio a porção "internacional" do festival com a Mostra de Curtas Franceses - dentro da parceria da organização com evento semelhante da cidade de Contis. Dos cinco trabalhos exibidos, nenhum era realmente memorável. Sente-se, pela pequena amostragem, que o estilo de filmar dos curta-metragistas franceses é bastante sereno, calmo, quase parando, talvez numa influência meio distante da Nouvelle Vague dos anos 60 - a diferença está na ideologia de Godard e cia., contra a falta de parâmetros do mundo globalizado de hoje. Tudo isso reflete nos filmes. Destaque foi para Monsieur Etienne, delicada reflexão sobre velhice e morte; e Undo, que se utiliza de imagens documentais para contar de trás para a frente (literalmente) a história da criação do mundo.

Já no final do dia veio o começo da Mostra Competitiva de Curtas Brasileiros, com dois programas: um dedicado a vídeos, outro a fitas 35mm. Aqui, houve um equívoco de cálculo da organização do festival: ambos os programas estão juntos, sem qualquer tipo de intervalo. Só ontem foram apresentados 13 trabalhos, totalizando quase três horas ininterruptas de projeção. Para os próximos três dias de festival, o esquema é o mesmo, segundo dados da programação. Isso pode matar as exibições, já que o público médio se dispersa ou simplesmente se desinteressa com jornadas cansativas (e às vezes maçantes) de seguir filme a filme sem absorvê-los como deveriam. Foi o que se sentiu: no começo, sala lotada, com 450 pessoas; mais ao fim, a debandada aumentava a cada nova produção exibida. Até mesmo a proposta de formação de público se compromete, pois o espectador sem costume de freqüentar salas de cinema pode ter a impressão de que aquele "cerimonial" é demorado e confuso demais.

De qualquer forma, o que mais importava na noite eram os filmes. Como em qualquer seleção, houve altos e baixos. Nos documentários, predominaram temas sociais sobre a vida na pobreza e miséria (Rotas Recriadas, Sobrevivências), a cultura de uma terra (Tropeiros) e o resgate de um cancioneiro popular (A Música Armorial). O mais experimental deles era Da Janela do Meu Quarto, do mineiro Cao Guimarães, que registra de forma instigante uma briga de rua entre duas crianças.

Da Janela do Meu Quarto
Da Janela do Meu Quarto, de Cao Guimarães

Nas ficções, algumas boas surpresas, como De 10 a 14 Anos, de Márcio Schoenardie, o mais aplaudido da noite. É a história de um garoto às vésperas de completar 15 anos e que vive os anseios típicos da adolescência - as dúvidas sobre crescer ou se manter preso à infância, os encontros e desencontros amorosos, e por aí afora. O filme é muito parecido com o estilo de Jorge Furtado, desde as "intervenções" narrativas aos temas abordados - e não soa despropositado que o curta venha justamente de Porto Alegre, terra de Furtado. Eu te Darei o Céu, de Afonso Poyart, foi o único que ganhou assovios do público, apesar de aplausos pouco acalorados. Merecia recepção até melhor: apesar de muito picotado pela montagem pretensamente frenética, o drama da senhora de 39 anos que contrata garoto de programa com quem passa o aniversário é muito interessante, variando entre a comédia erótica rasgada à angústia da protagonista de se ver à beira dos 40 anos.

Mas o filme que mais teve retorno dos espectadores (e provavelmente um dos melhores da noite) foi A Hora do Galo, de Marcos França. Outra reflexão sobre a velhice, mostrando idosa que acorda sabendo ser aquele o dia de sua morte. Nas suas últimas horas, ela decide acertar as contas com as únicas pessoas conhecidas ainda vivas. Tem ótimo uso do humor negro, junto a pequenos instantes mais reflexivos a respeito do perdão.

Outro que tocou fundo foi O Último Raio de Sol, de Bruno Torres. Apesar da lição moralista(no mau sentido), é um filme muito bem realizado e narrado, com interpretação marcante de José Dumont e um clima de thriller urbano que demonstra o quanto o jovem cineasta é promissor.

Atibaia já está movimentadíssima por conta do festival. Além das mostras de curtas e vídeos, há exibições diárias de longas na Praça da Matriz, ao ar livre e que reúne 250 pessoas, eventos de circo e dança e intervenções de artistas plásticos espalhadas pelas ruas. É sempre muito bom ver esse tipo de evento tomar forma e vida em locais inesperados, como aqui - lembrei-me da histórica Tiradentes e sua já tradicional mostra anual de cinema (que, aliás, divulgou a programação deste ano no seu site oficial ). Se a prefeitura de Atibaia seguir firme no festival, ajustando os pequenos problemas e ampliando seu alcance, o município só tem a ganhar. E o público de cinema, mais ainda.

Para ir além

Parte I

Marcelo Miranda
13/1/2006 às 10h36

 

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