Um olhar sobre Frantz Fanon
O crítico literário argentino Alberto Manguel dizia que "todo retrato é, em certo sentido, um autorretrato que reflete o espectador”. Seriam os retratos meros espelhos, a refletir menos a imagem retratada do que as experiências vividas pelo retratante? É uma posição ousada. Ninguém negará, contudo, que o retratar pressupõe uma perspectiva: é ela que circunscreve nosso olhar ao retratarmos o outro, fazendo-nos ressaltar este ou aquele aspecto que desejamos - ou que podemos - enxergar.
Essa ideia parece ter animado Alice Chekri a intitular o seu ensaio biográfico sobre o intelectual, revolucionário e psiquiatra martiniquense Frantz Fanon de "Frantz Fanon: um retrato" (Editora Perspectiva, tradução de Rainer Patriota). Na introdução à obra, ela nos alerta que sua intenção não é escrever uma biografia exaustiva de Fanon: a obra foi pensada como um "testemunho à distância" - "um esforço, necessariamente incompleto e inacabado", segundo ela. A ênfase na parcialidade do trabalho, além de exercício de honestidade intelectual, é declaração pública de sua posição enquanto escritora: nascida na Argélia, Cherki conheceu Fanon na juventude e, ainda estudante, juntou-se e à sua equipe psiquiátrica, compartilhando, além disso, espaços de atuação política. Não poderia, portanto, aspirar fazer um retrato de longe, como um observador desinteressado diante de um objeto.
A publicação do livro de Chekri vem em bom momento: neste 2025 que ora inicia, comemoramos 100 anos do nascimento de Fanon. Infelizmente, ao que tudo indica, sem holofotes: ao contrário de outras figuras de sua geração, ele não logrou ultrapassar o estreito e fechado círculo de militantes e intelectuais de esquerda, onde era e é referência permanente. Fanon é, hoje, sobretudo uma figura das revistas acadêmicas, das bibliografias de disciplinas universitárias e das menções pontuais nos debates especializados. Um destino inesperado para um homem tão envolvido com a ação coletiva e tão preocupado com as consequências políticas de seus trabalhos - e que, em uma curta vida de apenas 36 anos, ganhou a atenção e o respeito dos revolucionários de todo o mundo, de Che Guevara a Bobby Sands, passando pelos Panteras Negras, pelo MPLA e por Mandela. Alice Cherki soma-se a estes admiradores e retrata Fanon com o olhar amigável, quase fraterno, de uma ex-camarada de armas, firmemente convencida - e prova-o ao longo deste belo livro - de que o hoje centenário Fanon ainda nos traz uma importante mensagem.
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Postado por
Celso A. Uequed Pitol
20/1/2025 às 10h15
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