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Quinta-feira, 27/4/2006
Cinema e vídeo em Cuiabá (3)
Fabio Silvestre Cardoso

Cena de cinema: público confere o terceiro dia de festival

E segue o Festival de Cinema e Vídeo em Cuiabá. Tão firme quanto o calor na cidade, as produções têm atraído e animado o público, que nesta quarta-feira praticamente tomaram a sala de exibição nas principais atrações do dia. Do ponto de vista de variedade, a novidade ficou pela Mostra Fluxus de Cinema da Internet (Confira o site aqui). Do que se trata? Curtas-metragens concebidos e transmitidos na Internet. Merece menção, apesar dos evidentes traços de amadorismo em cada um desses vídeos. Nada que seja, no entanto, tão fraco como Bomba, que esteve na Mostra Competitiva de Vídeos. Decerto que o público riu e gostou bastante da piada escatológica promovida por Juliana Oliveira, Kaleb Natal, Thiago Henrique e Vitor Zago. Mas cabe aqui a reflexão: até que ponto uma piada deve ser levada a sério numa mostra competitiva? Os leitores que puderem assistir respondam.

O exemplo acima, no entanto, foi a exceção que comprova a regra. Em outras palavras, os principais destaques do dia praticamente ofuscaram as produções de menor qualidade, como se pôde constatar em Viva Volta, curta-metragem de Heloísa Passos sobre um trecho da vida e da obra de Raul de Souza, um dos grandes trombonistas brasileiros. A música rouba a cena dos depoimentos, às vezes melancólicos, do personagem central que insiste em perguntar (e lamentar) por que é que não é reconhecido no seu país de origem?, apesar de receber milhares de citações na Europa e nos Estados Unidos. Enquanto todos refletiam a respeito, o vídeo trazia peças da música de Soares, no passado e no presente. Em ambas ocasiões, quem acompanhava o músico era Maria Bethânia. Não escrevi errado, não, era a cantora que seguia o trombonista, e não o contrário. Notável.

Funk hors concours

Com camisa do MST (a moda), a diretora Denise Garcia fala ao público do festival

Curiosamente, a outra atração que chamou grande atenção da platéia também tratava de música. Sou feia, mas tô na moda, de Denise Garcia, estreou a série mostra hors concours. O documentário, de 60 minutos, aborda o polêmico, sensual e atual cenário do funk, gênero (ou estilo?) de música que arrebata boa parte das casas noturnas do país. Apesar do título, o documentário de Denise Garcia investiga as raízes que tornaram o funk o sucesso que ele é hoje. Para tanto, a diretora trabalha em duas frentes: uma mais teórica (com o depoimento dos especialistas) outra mais prática (com o depoimento das pessoas que fazem o funk). Como resultado, nota-se que a diretora buscava muito mais que respostas. No primeiro caso, com os teóricos, os espectadores encontraram uma legitimidade para a existência do funk tal como ele é. Basta observar a análise de Kate Lyra a propósito do que o funk representa para as mulheres: Para a especialista, o funk é uma espécie de discurso feminista. Opinião reiterada pelo DJ Malboro. Nas ruas de Paris (o documentário fazia questão de frisar as locações quando estava no exterior), ele assim reagia por telefone: "É um discurso feminista sem elas saberem que são feministas". É de se perguntar: O que Simone de Beauvoir diria a respeito?

No depoimento das funkeiras (e funkeiros), sobram lugares-comuns. Uma diz que o funk é importante porque "alerta as mulheres". Outras dizem que é o grito dos excluídos, que por anos tiveram de suportar privações e agora extrapolam graças à música. E sempre há quem reaja com virulência quando questionado a respeito da apologia à violência e ao sexo. "Sacanagem é o dinheiro que o governo rouba", diz o funkeiro. Já a cantora Deise ressalta: "Não é pornográfico; é sensual". Tudo isso sem mencionar a chancela que vem de fora. Aqui, novamente, esta produção se encontra com a de Heloísa Passos: se faz sucesso lá fora (leia-se rádios e casas de show em Londres e em Paris), como não pode ser aceito aqui?

De todo modo, o filme de Denise Garcia tem o grande mérito de mostrar ao público um olhar sobre um fenômeno cultural no momento em que este acontece. Timing perfeito, com edição de qualidade. Quanto ao palavrório (conceitual ou não), pode-se parafrasear o título do documentário. É discurso, mas tá na moda. E os aplausos ao final da sessão é uma prova do sucesso deste hors-concours.

Até o final do dia, as sessões continuaram concorridas, terminando com Ao Sul de Setembro, de Amauri Tangará, mais um para a mostra competitiva de longas-metragens. Para hoje, o festival continua. Veja aqui a programação.

Fabio Silvestre Cardoso
27/4/2006 às 15h30

 

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