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Sexta-feira, 14/7/2006
O bêbado e seus personagens
Marília Almeida

R$45. Este foi o orçamento de Fábio Silvestre em seu espetáculo O Bêbado, que entra em seu segundo e último mês em São Paulo. O resto, acrescenta-se, foi material reaproveitado, emprestado de amigos e apoiadores. Não é difícil acreditar nesta afirmação quando conhecemos o histórico profissional do ator e humorista paranaense: fiscal de passagens e cobrador de ônibus, garçom de bar e decorador de vitrines, sempre se virou como pôde para levar seu projeto artístico adiante. E deu certo: O Bêbado já foi visto por 25 mil pessoas em Curitiba, em 139 apresentações e 17 temporadas desde 2003. A peça também será apresentada simultaneamente, neste mês, aos sábados e domingos em Curitiba e até o final do ano planeja uma temporada carioca.

Seu primeiro espetáculo, Um flash de nós mesmos, ficou dois anos em cartaz em sua cidade natal, Ponta Grossa. No Café Poesia, casa conhecida na cidade, começou a se apresentar com O Humorista de Capa Preta, o que fez com que se profissionalizasse na área. Após encenar peças dramáticas como Agora é que são elas, de Leminski, e A Falecida, de Nelson Rodrigues, criou, em 1997, O Fio, peça autoral dirigida, escrita e encenada por ele. Com ela, venceu quatro prêmios no Festival Internacional do Mercosul: melhor ator, espetáculo, cenário e iluminação. A partir daí, produziu diversas comédias, até a inusitada Amor Cachorro - uma novela mexicana, na qual contracenava com um cão.

Em um cenário composto apenas por uma mesa de bar, uma garrafa de cerveja, duas cadeiras e uma vassoura ao fundo, Fábio encena seu monólogo. Ele é um bêbado que conversa com o "Doutor", "sentado" na cadeira vazia ao seu lado. Temas delirantes como o Programa Nacional do Álcool e divagações filosóficas embriagadas sobre Shakespeare, além de banais, envoltos de piadas chulas, como futebol, casamento e alcoolismo, são tocados pelo personagem de Fábio, que faz trejeitos e gestos perfeitos para encarnar o alcoólatra provocador por fora, mas sempre triste e sensível por dentro.

Rebeca, uma travesti do interior que conta sobre sua vida para a associação dos moradores de seu bairro; Paulo Peroba, ex-ator pornô que faz um depoimento aos Alcoólatras Anônimos; e o pastor João Jonas são personagens já conhecidos de outras apresentações que Fábio reúne no espetáculo. Eles servem como uma quebra ao monólogo do bêbado e também são marcados por trejeitos e expressões que Fábio traduz com excelência. Paulo Peroba tem o tipo de "machão" misturado com "mano" da periferia que é impagável, assim como a voz da travesti Rebeca. Mas quem toma realmente conta do show é o bêbado, com seu monólogo cadenciado e suas trapalhadas em cena.

Há uma tentativa, por parte de Fábio, de tornar o monólogo um pouco filosófico e até dramático em certos momentos. Mas, como seus personagens são claramente caricaturais e muitas vezes soltam piadas de senso comum, mas que ainda assim provocam gordas gargalhadas do público, eles soam forçados. Shakespeare e política em uma caricatura de bêbado não combinam. E o drama não é esperado, o que definitivamente pode contar pontos e ser claramente uma tentativa de tornar a comédia mais crítica, mas é um grande risco. Seria talvez mais interessante manter o espetáculo com o humor leve e expressivo que Fábio consegue passar e com o qual contagia o público de seu espetáculo, sempre interagindo com ele. Afinal, esta é a característica mais veemente na triste e dúbia figura de um bêbado.


Marília Almeida
14/7/2006 às 12h35

 

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