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Segunda-feira, 31/7/2006
9º Búzios Jazz & Blues – II
Tais Laporta

A última noite do 9º Búzios Jazz & Blues foi uma das mais aguardadas pelo público. A expectativa ficou por conta do menu de atrações com altíssimo nível, e também pelo próprio sábado (29), dia que recebe mais turistas na região. Embora o balneário estivesse lotado, um imprevisto espantou a multidão por volta das 20h. A chuva chegou com força em Búzios depois de dias de sol escaldante em pleno julho, e expulsou os que já esperavam pelo show do Funk Como Le Gusta na Praça Santos Dumont. A água não deu trégua nem meia hora, nem sessenta minutos depois. Mesmo com chuva e ruas vazias, a big band paulistana subiu no Palco Tim de Música por volta das 21h40, e não deu outra. O repertório adocicado do soul-samba-funk atraiu guarda-chuvas que em pouco tempo tomaram a praça.

Embalados por sax, flauta, trompete, trombone, bateria, teclado, percussão e baixo, os 14 integrantes da banda privilegiaram a harmonia coletiva em detrimento dos solos. Enquanto o público desviava das poças para dançar, o Funk Como Le Gusta provava que é mesmo um forte representante da sofisticação instrumental brasileira. Arrisco dizer que o grupo se equipara, em qualidade e estrutura, com a banda Mantiqueira - guardadas as grandes diferenças entre ambas, já que esta possui uma levada menos híbrida, fiel ao jazz. Na apresentação, o grupo tocou o repertório dos CDs Roda de Funk e FCLG, que traz grooves consagrados, trilhas de cinema e clássicos latinos dos anos 70. Nas faixas, "SOS", "Latina", "Tabasco", "Tá Chegando a Hora", "Funk de Bamba", "Somos do Funk", "Zambação" e "Vertiplano".

Um quarteirão adiante, no mesmo horário, a Dixie Square Band já tocava standards do jazz nas calçadas molhadas da Rua das Pedras. Um verdadeiro ritual de "Dançando na Chuva", mas ao som dos clássicos "Ain't She Sweet", "Basin Street Blues", "Sweet Georgia Brown" e "Limehouse Blues". Logo em seguida, o Pátio Havana recebeu o Memphis la Blusera, que repetiu o desafio de levantar o público, como na noite anterior. Só que, dessa vez, num ambiente mais recluso. Ainda que com menos espaço para se expandir aos moldes do último show, o grupo argentino não perdeu o vigor. O vocalista Adrian Otero e o saxofonista Emilio Villanueva se destacaram com a mesma presença, dividindo a atenção coletiva da casa de shows. Influenciado por Robert Johnson, Muddy Waters, John Lee Hooker e B.B. King - com quem dividiu o palco posteriormente - o Memphis foi aclamado, em duas noites, por exigentes públicos: o diversificado, na praça de Búzios, e o seleto, na casa cubana.

Mas ainda estava por vir uma das atrações mais quentes do festival. Por volta de meia-noite, o mestre da guitarra, Eric Gales, lançou no ar os primeiros acordes, dedilhados no palco do Chez Michou. A partir daí, a chuva perdeu toda a importância. A habilidade que ele aprendeu aos quatro anos de idade em Memphis, Tennessee, já foi equiparada à do imortal Jimi Hendrix. Em entrevista antes do espetáculo, no entanto, ele não pareceu satisfeito com a comparação. "Eu sou eu, entende? Eu faço meu som, é todo meu". De fato, Gales domina a guitarra com tanta peculiaridade, que soa simplista demais colocá-lo no patamar de grandes mestres. Sua unicidade sobressai, também, no timbre de voz grave, de um blues autêntico vivamente nascido no gospel. Acompanhado de instrumentos com igual apuro, o guitarrista mandou uma mistura de rock contemporâneo, funk e blues com uma naturalidade impressionante. Na ficha técnica do artista, alguns que se revelaram seus admiradores: Carlos Santana, Mick Jagger, Keith Richards, B.B. King e Eric Clapton. Nesse clima, Gales encerrou o festival - para usar um clichê necessário - com chave de ouro.

E foi assim que Búzios virou a terra do blues e do jazz, pelo menos por quatro dias. Apesar de sua importância, o festival não pretende ser o maior do país, e talvez esteja longe disso. Mas em termos de qualidade e diversidade, ele se supera e sai na frente de muito evento do gênero. Primeiramente, porque não é elitista ou discriminatório. Estavam lá a criança e o velho, o rico e o pobre, que queriam - e podiam - ver os artistas. Para o Brasil, esse é um avanço cultural sem precedentes. Nem a chuva derrubou a noite, e nem o som ofuscou o brilho das praias. Litoral e jazz é uma combinação perfeita, contagiante, uma descoberta ímpar. Um roteiro altamente peculiar, que pode ser visto, pelo menos, uma vez por ano.

Tais Laporta
31/7/2006 às 16h15

 

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