Sou uma mulher que não dança. Uma meia-mulher. Porque, não dançar é um atestado de feminilidade baixa nos dias de hoje. Todas as vezes em que tentei dançar, senti como nunca antes, o peso da gravidade. Meus joelhos emperravam. Meus braços pareciam ter bolas de ferro nas pontas. Meu pescoço endurecia, na sensação de pesadelo que é a de todos estarem olhando pra mim. Se fechava os olhos, eu me olhava. Tinha a consciência de como cada pedacinho do meu corpo era atrapalhado e sem graça. E, o pior, eu não sabia que cara fazer. Que cara se deve fazer quando dançamos? De felicidade, de sedução, de relaxamento, de distração? Eu não conseguia definir, em todas as minhas tentativas de dança, que cara eu tinha que ter. Olhava as outras pessoas, e, pareciam estar à vontade com as caras que escolheram fazer. Uma amiga disse-me que tenho, certamente, couraças emocionais que me impedem de dançar. Nos ombros, porque carrego o mundo nas costas. No pescoço, pelo peso de raciocinar. Nos quadris, por medo de uma paixão avassaladora. Nas pernas, por comodismo, preguiça de ir. Nos braços, que cruzo no peito, um movimento de protecão e medo de revelar os sentimentos. Também explicou-me que, posso livrar-me delas com auto-conhecimento e meditação transcendental. Mas, eu penso que não deve haver um problema sério em continuar com as minhas couraças. Gosto delas. São quentinhas e me protegem. E, tão pesadas como uma armadura medieval, impedem que meus pés andem nas nuvens. Só uma vez dancei. E foi bom. Só havia uma pessoa olhando. Descobri naquele dia, um zíper escondido que deixava cair as couracas, como as roupas. Ufa, nem foi preciso fazer meditação transcendental. Usei minha própria cara, como ele usou a dele.
Prezada Andréa Trom, do jeito que o nosso país se arrasta, haverá tempos que mesmo com armadura medieval não conseguiremos sequer dar um passo, é tombo mesmo!
Abraços
do
Sílvio Medeiros.
Campinas, é primavera de 2008.
Querida Andréa, acabei de ler o texto que você me recomendou - postado aqui, no Digestivo -, intitulado "Está consumado". É puro alumbramento, refere-se a um tema (suicídio) muito pouco colocado radicalmente em questão. O texto remeteu-me ao grande poeta, a Carlos Drummond de Andrade. Em especial ao belo poema: "A Homenagem". Impossível reproduzi-lo aqui, apenas o trecho final: "... E disse apenas alguns/ De tantos que escolheram/ O dia a hora o gesto/ O meio/ A dissolução... E eu acrescento: Elis Regina, Gilles Deleuze, Roland Barthes..."
Andréa, algo em comum existe entre nós: Paulo (autor do texto), você e eu: a nossa ascendência russa; a minha mamãe era Schavirin. O Paulo está cheio de razão quanto ao aspecto melancólico dos eslavos!
Abraços do
Sílvio Medeiros.
Campinas, é primavera de 2008.