O porquê de se mudar a ortografia de uma língua que já é difícil de aprender (segundo o senso comum), talvez tornando-a ainda mais complicada, está na intenção de padronizar a forma como se escreve o português nos oito países que o tem como idioma oficial.
Um dos resultados esperados é o maior intercâmbio de publicações entre os países, já que uma só ortografia facilita, por exemplo, o processo de edição. Não será necessário adaptar obras portuguesas para leitores do Brasil, ou o contrário. Entre outros possíveis ganhos, haveria uma maior aproximação entre as culturas lusófonas.
Os defensores da idéia têm ainda outros motivos na lista de benefícios, mas os argumentos dos opositores não ficam para trás em quantidade. Dentre os aspectos negativos está a percepção de que as mudanças são relativamente suaves ― ou seja, será que não poderíamos continuar bem como estamos? ― e a constatação de que algumas novas regras não estão muito claras, o que mantém, em vez de diminuir, os problemas com a ortografia da língua.
Por mais que você veja reportagens sobre o Acordo na mídia, dificilmente vai ter acesso a essas questões de fundo. Para entender um pouco mais, uma opção é o livro O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa: o que muda, o que não muda (Editora Contexto, 2008, 96 páginas), de Maurício Silva. Por módicos R$ 19,90 (preço de venda no site da editora), você pode ter à mão as novas regras e saber que, a partir de sua vigência, a palavra "assembléia" não terá mais acento agudo na letra "e".
O portal iG também preparou um conteúdo especial sobre o Acordo, com a vantagem de ser gratuito e multimídia (mas com a desvantagem de você precisar fazer download das regras e ter que mudar de tela para consultar palavras, enquanto que o livro pode estar no seu colo enquanto você escreve). No texto do iG também é possível observar na prática a aplicação das mudanças, já que o portal adotou a nova forma desde 7 de setembro último. O especial do iG sobre o Acordo é muito bacana e vale a pena consultá-lo.
As mudanças começam agora, em 2009, e se tornam obrigatórias a partir de 2012. Imagino que, nesse período de transição, haverá um pouco de confusão. No caso de grandes produtores de texto, como jornais, revistas, portais, editoras, cada entidade irá definir um momento para iniciar a padronização. As agências de publicidade e assessoria de imprensa também já devem estar discutindo o fato. Afinal, a revisão vai passar a considerar as regras a partir de 1º de janeiro de 2009? Poderá haver algum estranhamento entre as pessoas do público-alvo que ainda não estão bem informadas sobre o "novo" português?
O Acordo simplifica a ortografia de muitas palavras e legitima formas mais simples e elegantes de escrever. Por exemplo, os meses do ano não precisam ter letra maiúscula no início. Eu nunca usei, mas já tive que argumentar que a forma com minúscula era mais simpática, menos pomposa. Agora, basta esfregar o Acordo na cara.
Outra mudança que me agradou bastante foi a simplificação das regras do hífen. Decorei apenas o necessário para passar no vestibular e depois fui assimilando o jeito certo por intuição, por bom senso ou pelo contato freqüente com as palavras através da leitura. Agora ficou bem mais fácil. Só vai hífen quando a primeira palavra termina com a mesma vogal com a qual começa a segunda palavra (contra-ataque); quando a segunda palavra começa com "h"(anti-higiênico); quando o final da primeira e o início da segunda são com a mesma consoante (inter-racial) e alguns outros casos específicos. Nos demais, as palavras se tornam uma só, como em "autoescola".
Mas não gostei das mudanças nos acentos. Palavras lindas como "vôo" ficarão "voo". Geléia vai perder seu acento agudo. E a pior de todas: não vai mais se usar o trema. Acho uma lástima. Aqueles dois pontinhos, já tão esquecidos e ignorados na escrita dos dias de hoje, serão para sempre eliminados. Vou aproveitando os últimos meses de 2008 para curtir bastante meus queridos tremas e assimilar com calma a dor dessa despedida.
Eu acho que, embora bonitinho, o trema não serve para nada. Mesmo sabendo-me errado, nunca usei, a não ser em provas. Ele serviria para diferenciar o quê do quê? Alguém confundiria a pronúncia de linguiça, aguentar, tranquilo, consequência, aguerrido, querido? Não acho. Já as palavras duplas, com hífen no meio, acho-as muito mais bonitas do que sem o hífen. Uma pena. Ó que coisa feia: agronegócio. Assim também a eliminação dos acentos em epopéia, assembléia, enjôo. Parece que acinzentou tudo. Bom, a gente se acostuma com cada coisa, não será diferente com isso.
O acordo ortográfico é um atalho para a mediocrização, uma espécie de pacto entre o mundo globalizado e suas conseqüentes perdas localizadas e a necessidade de que tudo venha mais simplificado, não de uma maneira simples, porém comodista e deselegante. Além do quê, sofrerá a prosódia com a retirada do trema e sofrerão e tremerão os professores para fazer com que os alunos separem o joio do trigo. Não precisava. Coisa de gente que não tinha o que fazer... Pena.