Era perceptível que ele tinha problemas mentais. Bastava entrar no seu blog. E confirmar pelo seu último livro, Todos os cachorros são azuis. Aliás, ele me enviou autografado. E, embora eu não tenha gostado, vou guardar como uma relíquia agora.
Eu conheci muitos escritores problemáticos nestes meus anos de publisher na internet. E imagino o que a família e outras pessoas mais próximas devem ter passado. Genialidade e loucura não convivem apenas numa fronteira tênue, mas sim numa alternância de estados que pode destruir igualmente a vida de outras pessoas.
Numa época pensei em entrevistar o próprio Rodrigo, perguntando, justamente, como era abordar poetas contemporâneos em entrevistas. Cheguei a mandar um e-mail, querendo conhecer seu trabalho, mas logo vi que oscilava muito em qualidade e, por força das demais obrigações, acabei desistindo da empreitada.
Um tempo depois, Rodrigo me enviou seu Cachorros Azuis. É um bom título, mas não consegui avançar muito na sua prosa poética. Fiquei sem graça de falar isso para ele, mas deve ter percebido... pela minha ausência de feedback. Eu gostaria que o livro fosse bom, porque ele merecia uma entrevista, mas lamentavelmente não me fisgou.
Pelo que li do Claudio Daniel, Rodrigo era um compulsivo — e eu conheci outros compulsivos na internet também. Como existem muitos canais para se publicar, o sujeito se distribui em dezenas de formatos, dispersando sua energia, e oscilando, na qualidade, assustadoramente. A internet talvez não seja mesmo a principal morada da serenidade.
Para terminar, lamento, ainda, que não tenha gostado tanto da entrevista que Rodrigo fez comigo (assim como gostei de outras, de épocas passadas). Não pelas perguntas em si, que eram OK, mas pelas minhas respostas — porque talvez eu não estivesse numa hora para falar de literatura, ou de aspectos "literários" do Digestivo. Mas fiz questão de lincar a entrevista no meu CV, e de indicar o nome do Rodrigo, porque era um entrevistador que eu admirava — e me sentia lisonjeado por fazer parte de seu "panteão"...
Agora, imagino que alguém deva recolher sua vasta (e desigual) produção, a fim de que possamos chegar a uma avaliação mais precisa da obra de Rodrigo de Souza Leão. Que eu saiba, é o primeiro poeta contemporâneo que morre. Talvez marcando o fim da inocência da Geração 90 (da literatura) e da Geração 00 (da internet). Rodrigo fez parte das duas, penso. Um personagem que, como tantas vezes, pode interessar mais que seu autor...
Caro Julio, que belo texto! A sua narração me fez lembrar do dia em que fui entrevistado pelo Rodrigo: perguntas desafiadoras, mescladas com elementos básicos, mas até então não-pensados. Abs, Capella.
Julio, seu texto é bem honesto. Diz o que sentiu na entrevista e não joga confete depois do falecimento do poeta. Rodrigo era alguém que fazia amigos de forma muito rápida, e muito franca, também, e eu acabei me afeiçoando muito a ele, apesar que poucas pessoas tenham notícia disso. Falávamos ao telefone, sempre às sextas-feiras. Especialmente em razão da forma abrupta como tomei conhecimento, fiquei bastante abalada com a morte do Rodrigo, coisa que ele considerava como bem próxima, tanto pela fragilidade de sua saúde, como pela ingestão de tantos remédios. Enfim, uma tristeza muito grande, a perda precoce de um amigo fiel.
Oi, Julio. Você recebeu a notícia com atraso e eu li seu texto com atraso. Tô acompanhando mais o Digestivo, bacana. Ano passado perdemos outro poeta muito bom e jovem: Leonardo Martinelli. Se quiser conhecer, no blog "Modo de Usar" tem uns textos e infos sobre ele. Também tinha um livro, "Dedo no ventilador". Abraço.
Oras, mas se A. C. Cesar e Torquato foram chamados de gênios por serem loucos, por que Rodrigo não pode ser gostado por isso? Tem muita porcaria de Ana Cristina e de Torquato só alçada à categoria de literatura por sua turma de amigos saudosos, imitados pelos que os seguiam. Sometimes penso que a qualidade não importa tanto, o que vale é ter amigos famosos que falem bem de seus escritos em lugares públicos. E não foi o caso aqui. Pena, ou não: enfim alguém com coragem de não falar bem de um morto.