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Segunda-feira,
16/5/2005
O sorriso do lagarto
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(...)O Brasil não tem importância para a maioria das pessoas. Ninguém sabe nada sobre o Brasil. Se você perguntar a um americano bem informado, ele vai responder que a capital é Rio de Janeiro ou coisa assim, talvez os mais cultos saibam que é Brasília. Ou eles pensam que as mulheres daqui andam nuas, que nós vivemos como índios. Na Alemanha ninguém se conformava quando eu dizia que nunca tinha visto um índio. Tem gente que ficava hostil a mim na platéia, achando que eu estava mentindo. Quando eu dizia que nunca estive na Amazônia, eles concluíam que era porque a Amazônia está destruída. Não adianta dizer a eles que o Brasil é um país de dimensão continental e que a Amazônia é muito distante.(...) Tem gente que se interessa particularmente pelo Brasil. E os departamentos literários ou são departamentos de literatura latino-americana, que jogam no mesmo bolo gente que não tem nada a ver entre si, uma espécie de gueto literário, ou são departamentos de português, dirigidos tradicionalmente por portugueses que, naturalmente, puxam a brasa para a sardinha deles: querem ensinar português de Portugal, não o do Brasil; ficam indignados quando os estudantes querem falar a língua brasileira; estudam autores portugueses e dão uma atenção quase que pró-forma para os escritores brasileiros.(...) As pessoas falam da imagem do Brasil lá fora. O Brasil não tem imagem nenhuma. A maioria das pessoas é incapaz de falar quinze segundos do Brasil fora daqui. O cidadão normal nas ruas de Berlim ou outro lugar, se você disser Brasil, ele vai falar "café", "Pelé", "paraíso tropical", "Amazônia". É só o que eles perguntam em aparições públicas: é o problema da Amazônia, da infância abandonada, acham que aqui a gente morre de tiro o tempo todo.
* * *
Acabo de voltar da Bienal de Salvador, perdi dois dias. Quando cheguei tinha mais de 100 e-mails acumulados. Para eu dar vencimento a eles, para resolver outras coisas que ficaram pendentes, já perdi uma semana. Ainda recusei a Bienal de Natal; ficaram chateados comigo. Tinha encontro em São Paulo, não posso ir. Ontem veio um apelo de Duque de Caxias, da população marginalizada, excluída, fica chato não atender. E lá vou eu para Duque de Caxias. Voltei de Salvador na segunda-feira de noite. Acordei na terça para escrever minha crônica. À noite, eu já tinha um programa de tevê para participar, porque o Alberto Dines é meu amigo, era chato eu não ir. Era uma homenagem ao Moacyr Scliar, que também é meu amigo. Não podia recusar.(...) Ontem mesmo eu estava conversando com a minha mulher e falei: pronto, agora não aceito mais; dou a entrevista de amanhã e não aceito mais nada, não vou mais a lugar nenhum.(...) Estou um feixe de nervos.(...) Até recusar convite dá trabalho, porque tenho que escrever uma carta. Aí insistem e eu tenho que resistir; fazem chantagem, arrumam um amigo meu que está em dificuldade e se eu não for ele terá problema. Ninguém sabe que escritor trabalha. Acham que escritor não trabalha, não vai ao banheiro, não briga com a mulher, é uma figura que não tem necessidades. Pensam que a gente senta e escreve, ganha uma fortuna e pronto. Eu tenho compromisso, tenho família, mulher, filhos, como qualquer sujeito de classe média.
* * *
Publicar autor novo no Brasil é até fácil, em relação à maioria dos países. Por exemplo, nos Estados Unidos você não consegue acesso a uma grande editora sem ser através de um agente. Se o original não for enviado por um agente bom, a editora não leva em conta. E um agente bom não aceita você se você não tiver sido publicado. Até que se quebre isso, muita gente despenca pelo meio do caminho. Aqui, a pessoa imagina que eu posso pegar o livro dela, largar tudo o que estou fazendo, ler os originais, reconhecer o seu talento, me entusiasmar pelo livro, fazer o prefácio e editar, como seu eu fosse editor ou agente literário. E, imediatamente, ela fica rica. As pessoas me vêem em um mundo glamuroso, como se eu não tivesse problema. Tenho problema, me aborreço, tenho dor de cabeça, coisas do dia-a-dia. Acham que eu tenho obrigação de ler os originais, de fazer prefácio, uma porção de obrigações que eu não tenho. Eu recebo uma montanha tão grande de cartas e originais que não respondo mais. Antigamente, dedicava meu final de semana inteiro para responder algumas linhazinhas a quem me escreve. Hoje, não há tempo e como eu me recuso a fazer uma carta com resposta padrão a todos, acho pior a pessoa receber isso do que não receber nada, então não respondo. Me mandam originais inteiros pela Internet. Não fico com raiva, compreendo que as pessoas querem uma opinião. Mas ninguém acha que escreve merda. As pessoas escrevem porque acham que têm talento. Não querem a opinião sincera. Elas querem a confirmação do talento delas. Além disso, mantêm a idéia de que os autores estouram de uma hora para outra, quando na realidade aquele estouro é precedido de não sei quantos anos de ralação. Como no dizer antigo: "O único lugar que sucesso vem antes de trabalho é no dicionário". Outra coisa que me pedem muito é para fazer uma frase. Em primeiro lugar, não sou um bom frasista. Em segundo lugar, uma frase dá um trabalho às vezes pior que escrever um texto de duas laudas. Mas aí é uma amiga que vai posar para a Playboy e a revista quer nomes; sabe que ela tem amigos entre intelectuais e escritores e pedem a frase. Você não vai negar isso para um amiga. E ainda dizem: "Fazer uma frase para você é num instante". E você trabalha de graça para a revista. Já brigaram comigo porque eu disse que não tinha frase. Por exemplo, não sei inventar frases de efeito como Nelson Rodrigues, que era especialista nisso, como Otto Lara Resende. Às vezes eu levo a semana inteira pensando o que eu digo, o que faço.
João Ubaldo Ribeiro, também, na mesma Idéia.
Postado por Julio Daio Borges
Em
16/5/2005 às 17h09
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