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Sábado,
24/8/2002
Wittgenstein no Front
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"É certamente a consciência da morte, e, portanto, a consideração do sofrimento e a miséria da vida, que confere o mais forte impulso para a reflexão filosófica e as explicações metafísicas do mundo."
(Schopenhauer, O mundo como vontade e representação)
Graças ao estrondoso sucesso da primeira edição, e atendendo a inúmeros pedidos, publicamos aqui mais alguns excertos de Wittgenstein - o dever do gênio:
Na frente russa, preparando-se para morrer
"Deus me ilumine. Deus me ilumine. Deus ilumine minha alma." [Diário, 29/3/1916]
"Faça o melhor que puder. Você não pode fazer mais que isso; e mantenha a serenidade. Ajude a si mesmo e ajude os outros com toda a sua força. E ao mesmo tempo mantenha a serenidade! Mas de quanta força se precisa para si de quanta para os outros? É difícil viver corretamente!!! Mas é bom viver corretamente. Contudo, não a minha, mas a Vossa vontade seja feita." [Diário, 30/3/1916]
"Atiraram contra mim. Pensei em Deus. Seja feita a Vossa vontade. Deus esteja comigo." [Diário, 29/4/1916]
Ronda noturna no posto de observação
"Somente então a guerra começará de fato para mim. E - talvez - também até a vida. Talvez a proximidade da morte me traga a luz da vida. Que Deus me ilumine. Eu sou um verme, mas através de Deus torno-me um homem. Deus esteja comigo. Amém." [Diário, 4/5/1916]
"Agora, durante o dia, tudo está quieto, mas à noite deve ser aterrador. Conseguirei suportar?? Hoje à noite saberei. Deus esteja comigo!!" [Diário, 5/5/1916]
Posição perigosa e solitária
"De tempos em tempos eu ficava com medo. Este é o equivoco de uma falsa visão da vida. Só a morte confere à vida seu significado." [Diário]
"A tropa toda, com poucas exceções, me odeia por eu ser um voluntário. De modo que estou quase sempre rodeado por pessoas que me odeiam. E esta é uma coisa que eu ainda não consigo suportar. As pessoas aqui são perversas e insensíveis. É quase impossível encontrar nelas um resquício de humanidade." [Diário]
"As pessoas à minha volta não são tão mesquinhas quanto aterradoramente limitadas. Isso torna quase impossível trabalhar com elas, pois sempre entendem tudo errado. Não são obtusas, mas limitadas. Em seu próprio círculo, são espertas o bastante. Mas falta-lhes caráter e, portanto, profundidade." [Diário]
Concepção moderna de mundo (um prenúncio do Tractatus)
"Toda a moderna visão do mundo está fundada na ilusão de que as chamadas leis naturais sejam as explicações dos fenômenos naturais.
"Assim, detêm-se diante das leis naturais como diante de algo intocável, como os antigos diante de Deus e do Destino.
"E uns e outros estão certos e estão errados. Os antigos, porém, são mais claros, na medida em que reconhecem um termo final claro, enquanto, no caso do novo sistema, é preciso aparentar que está tudo explicado." [Diário]
O que sei sobre Deus e a finalidade da vida?
"Sei que este mundo existe.
"Que estou nele como meu olho em seu campo visual.
"Que algo acerca dele é problemático, o que chamamos seu significado.
"Que esse significado não está no mundo, mas fora dele.
"Que a vida é o mundo.
"Que minha vontade é boa ou má.
"Portanto, que bem e mal estão de alguma forma ligados ao significado do mundo.
"O significado da vida, isto é, o significado do mundo, nós chamamos Deus.
"E associamos a isso a comparação de Deus a um pai.
"Orar é pensar sobre o significado da vida.
"Não posso moldar os eventos do mundo à minha vontade: sou completamente impotente.
"Só posso tornar-me independente do mundo - e assim em certo sentido dominá-lo - renunciando a qualquer influência sobre os eventos." [Diário]
Da lógica para a essência do mundo
"Esforços colossais no mês passado. Pensei muito sobre todos os assuntos possíveis. Mas curiosamente não consigo estabelecer a ligação com meus raciocínios matemáticos." [Diário, 7/7/1916]
"A solução para o problema da vida está no desaparecimento deste. Não é por isso que os homens aos quais o significado da vida se tornou claro após prolongadas dúvidas não sabem dizer no que consiste esse significado?" [Diário]
Nos montes Cárpatos, perseguido pelos russos
"Um frio gélido, chuva e neblina. Uma vida cheia de tormentos. Terrivelmente difícil não se perder. Pois sou um homem fraco. Mas o espírito há de me ajudar. O melhor seria se eu já estivesse doente, pelo menos então teria um pouco de paz." [Diário, 26/7/1916]
"Ontem atiraram em mim. Fiquei aterrorizado! Fiquei com medo da morte. Agora estou com um enorme desejo de viver. E é difícil abrir mão da vida quando se gosta tanto dela. É precisamente isso que é o 'pecado', a vida irracional, uma falsa concepção da vida. De tempos em tempos, eu me torno um animal. Só consigo então pensar em comer, beber e dormir. Terrível! E agora sofro como um animal também, sem a possibilidade de salvação interior. Fico então à mercê de meus apetites e aversões. Uma vida autêntica torna-se impensável." [Diário]
"Você sabe o que tem de fazer para viver feliz. Porque não o faz? Porque você é irracional. Uma vida ruim é uma vida irracional." [Diário, 12/8/1916]
Condição espiritual
"É verdade que há uma diferença entre o que sou agora e o que era quando nos conhecemos. E, pelo que sei, a diferença é que agora sou ligeiramente mais decente. Quero dizer com isso apenas que está um pouco mais claro para mim a minha falta de decência. Quando você me diz que não tenho fé, está perfeitamente correto, só que eu não a tinha antes também. É claro que quando um homem quer inventar uma máquina para tornar-se decente, por assim dizer, tal homem não possui fé. Mas o que posso fazer? Uma coisa me é clara: sou iníquo demais para poder teorizar sobre mim mesmo; na realidade, ou continuarei sendo um canalha ou então vou melhorar, e isso é isso! Apenas deixemos de lado a parlapatice transcendental quando a coisa toda é tão evidente quanto um soco na cara." [Carta a Paul Engelmann, janeiro de 1918]
Tractatus logico-philosophicus
"A verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-me intocável e definitiva. Acredito ter encontrado, no essencial, a solução para os problemas da filosofia. Se não me engano quanto a isso, o valor deste trabalho consiste, em segundo lugar, em mostrar como importa pouco resolver esses problemas." [Prefácio]
"Ainda nenhuma resposta da editora! E sinto uma insuportável aversão a escrever pedindo notícias. Sabe lá que diabos estão fazendo com o meu manuscrito. Por favor, tenha a extrema bondade de procurar o maldito canalha algum dia quando for a Viena, e me informe quais foram os resultados!" [Carta a Paul Engelmann, 22/8/1918]
"Acredito ter afinal resolvido nossos problemas. Embora possa soar arrogante, não deixo de acreditar nisso. Concluí o livro em agosto de 1918 e dois meses depois fui feito Prigioniere. Tenho o manuscrito aqui comigo. Gostaria de poder copiá-lo para você, mas é bastante longo e não haveria maneira segura de enviá-lo. Na realidade, você não o compreenderá sem uma explicação prévia, uma vez que está escrito na forma de observações bastante curtas. (O que, é claro, significa que ninguém o compreenderá, embora eu acredite que esteja claro como cristal. Mas desconcerta toda a nossa teoria de verdade, de classes, de números e todo o resto.) Irei publicá-lo assim que voltar para casa." [Carta a Bertrand Russell, janeiro de 1919]
"Em resumo, temo agora que talvez seja muito difícil chegar a um entendimento com você. E a pequena esperança que eu ainda guardava de que o meu manuscrito pudesse lhe significar algo esvaiu-se por completo. [...] Agora mais do que nunca estou ansioso para ver o livro impresso. É exasperante ter de ficar carregando a obra completa em cativeiro e ver que a insensatez tem rédeas soltas do lado de fora! E é igualmente exasperante pensar que ninguém a compreenderá mesmo que chegue a ser publicada." [Carta a Bertrand Russell]
Ao que Bertrand Russel respondeu: "Não desanime. Você acabará sendo compreendido no final."
Postado por Julio Daio Borges
Em
24/8/2002 às 14h43
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