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Sexta-feira,
16/9/2005
São Francisco Xavier II
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No segundo dia, logo pela manhã, desfrutamos do impecável café da manhã da Fred, no refeitório da Kolibri. Muitas frutas, granola, mel, bolos, pães, manteiga, queijos e geléias saudáveis (a Fred é vegetariana). A trilha sonora, durante a temporada, foi escolhida por ela a dedo (um dia até tocou, por coincidência, meu amigo Juarez Maciel). Com base nas dicas da Patrícia, do Photozofia, a Fred nos aconselhou conhecer primeiro os locais próximos à pousada (a 6 Km da cidade) e, depois, rumar para o centro de São Francisco Xavier (onde estavam as outras atrações). Foi o que fizemos, depois de eu folhear, em sua biblioteca, um livro do Davi Arrigucci Jr., em que ele falava sobre o cacto de Manuel Bandeira: áspero e intratável.
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A primeira parada foi o Trutário Mariser. Até então eu não sabia nada sobre trutas; nem a Carol. Descobrimos que a sua criação pode ser extremamente complicada. O último dono do Trutário, por exemplo, enfartou depois de saber que dezenas de milhares de trutas haviam morrido, por conta de um ato falho de um funcionário seu, que, tomando umas e outras, descuidou delas durante uma tempestade. O dono chegou, avistou os urubus, sentiu o cheiro - e quase bateu as botas. Quem nos contou isso foi a dona Marina, que, com sua filha e seu genro, hoje administra(m) o Trutário. Além de estar aberto para a pesca, serve pratos (que ela mesma prepara) e cuida, obviamente, de todo o ciclo de vida das trutas: desde a fecundação, os embriões, até a idade adulta e o abate. Não degustamos nada, mas nos deliciamos com a visão da Cachoeira das Andorinhas, ali pelo caminho (outra dica da Patrícia) - o sol finalmente saía e o tempo melhorava.
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Até o Trutário, foi uma boa caminhada, mas, para A Rosa e o Rei, uma pousada próxima à nossa, seguimos de carro. (A Carol queria arriscar a ida de bicicleta, mas depois de avistar as subidas consideráveis, concordou que a melhor opção era mesmo a motorizada.) Quem nos recebeu, n'A Rosa e o Rei, além da vista deslumbrante, foi a Simara, que, fora o fato de ser artista dos teares, é a gerente de lá e também crooner nas horas vagas... A Rosa e o Rei está localizada num vale, basicamente em três níveis principais, circundados por cachoeiras e pela estrada. Chega-se no superior (dos chalés de cima e do deck), entra-se pelo intermediário (o restaurante, a recepção e o espaço para a prática de tai chi chuan), passa-se pela "fogueira" (um amplo círculo onde as pessoas se reúnem, à noite, ao redor do fogo) e alcança-se enfim o ponto mais baixo do relevo, próximo à sala de massagem, com mais chalés e a trilha para as duas cachoeiras principais, justamente: a Rosa e o Rei, o princípio feminino e o princípio masculino, conforme nos explicou o Fred, idealizador e dono.
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O Fred, ficamos sabendo por seu amigo Wilson (que chegou depois), foi operador da bolsa de valores (ou "jogador", como se dizia antes), e apresentou-se para nós como empreendedor no ramo da agricultura que, tendo um problema no joelho, mudou sua vida completamente depois do tratamento através do tai chi chuan. Quando o cumprimentei pelo feito de haver montado A Rosa e o Rei (que é inclusive um case para a engenharia e a arquitetura), ele resumiu conclusivo: "Nós não fazemos nada; quem faz é a energia. Nós somos...". "Instrumento", acrescentei - e ele acedeu. Fomos convidados para almoçar e para dividir a mesa com ele e com a Simara. A comida, excelente, também vegetariana, é uma sugestão para os hóspedes experimentarem, durante a sua estada, refeições mais leves. Provamos ainda do chá, do vinho do Fred e, em mim, ficou a impressão de um queijo fresco e de um doce de leite. O almoço se encerrou, já no meio da tarde, com o convite dele para voltarmos dali a dois dias e participarmos de uma "prática"...
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Corta para a noite. Já no Photozofia, depois de uma passagem pela pousada Kolibri, participamos, a convite do Sandro e da Patrícia, da abertura da exposição dos artistas Morgan e Sandra Soublin, lá mesmo no Photozofia. O Morgan, cheio de temas orientais; e a Sandra, mais delicada, com inspirações a partir da própria natureza, depois de uma temporada na França. Nossa suspeita era de que o Morgan tivesse uma ascendência árabe, mas ele nos contou uma história muito divertida de quando expunha em São Paulo, junto a inúmeros outros pintores, na Praça da República. Como todos faziam as mesmas coisas, ele, um rebelde, filho dos anos 60, inovou com motivos de embarcações da época dos grandes descobrimentos. Passou, de repente, a vender muito e, gerando bafafá, logo foi imitado na Praça. Quando a Praça da República inteira pintava, como ele, embarcações, passou a pintar flores, com o foco de luz desviado. Veio novo bafafá e veio nova onda de imitações. Passou, por fim, a estudar motivos orientais e a representá-los minuciosamente - de forma que nunca mais foi imitado.
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Outra história, essa comovente, que o Morgan nos contou, foi sobre sua experiência com arte & terapia. Dispôs-se a ser professor de um rapaz que praticamente perdeu o contato com o mundo, atacado pela sociofobia e pela síndrome do pânico. No início, praticamente não falava e como sempre ocorre, desconfiava até da presença do professor. Hoje - digo, meses depois -, cumprimenta o Morgan ("Oi, professor"), faz sua lição de casa e, quando uma atitude de alguém próximo a ele lhe agrada, promete presentear a pessoa com um abajur - objeto que aprendeu a confeccionar graças às aulas do professor Morgan. Às vezes saem os dois para uma volta no quarteirão. O aluno, muito desconfiado, olhando para todos os lados e o professor pedindo que ele relaxe. Tem funcionado. O Morgan diz que tem feito melhor até pra ele do que para o clinicado. Eu acredito. E acredito, inclusive, que é a melhor obra do Morgan.
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A noite se encerrou no Boteco do Rao, outra dica da Patrícia do Photozofia e outra sugestão enfática da Fred da Kolibri. Comentário, a respeito, do próprio Rao: "A Frederica falou bem de mim? Você sabe que esses alemães são meio sádicos...". O Rao é, antes de tudo, um grande gozador. E tem um passado que daria uma bela biografia (embora não confirme muitos dos fatos, é um envolvente contador de histórias). Carlos Rao, irmão da jornalista Gisela Rao, é figura conhecida dos anos 80, mais precisamente da Kaos Brasilis, a loja que vestia todo o Rock BR e que ajudou a fundar. "Sou o Charlie Boy, que eles dizem por aí...". Saiu de São Paulo há doze anos, morou em Ubatuba, casou-se algumas vezes (não revela quantas), teve dois filhos e descobriu São Francisco Xavier (não exatamente nesta ordem). Lá é, além de portador dessa aura meio mítica, o rei da gastronomia do improviso - o Rao prepara pratos, ao sabor do clima, com o que tiver na mão. Eu e a Carol preferimos não arriscar tanto e apreciamos então os risotos de seu jovem chef, o bem-apessoado Sereno. Rimos das piadas, e das músicas, e dos causos, principalmente do Orestes "Pinga" Lavorini, acompanhado pelo instrumento de sopro de Hilda Bueno (é, lá têm musica ao vivo...).
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(Continua aqui...)
* fotos de Ana Carolina Albuquerque
Postado por Julio Daio Borges
Em
16/9/2005 às 13h10
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