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Domingo, 13/8/2006
FLIP 2006 IV
+ de 3000 Acessos

Está acabando, está acabando. Sala de imprensa praticamente vazia neste domingo de manhã. O sábado foi de balada forte. Eu e a Carol ficamos só na pizza. Na verdade, eu quase esqueço de dizer que a Flip, em si, é só uma parte de toda a movimentação que se organiza na cidade nesta época. O Off Flip, por exemplo, - que não é uma gozação, nem um protesto, apenas um evento paralelo - hoje cresceu a tal ponto que já tem sua própria assessoria e sua própria sede. Muitos eventos giram em torno da pousada Villas de Paraty, que estava no nosso caminho e que sempre vimos movimentada, principalmente à noite. Também muitas coisas acontecem na Casa de Cultura onde, na verdade, começou a Flip em 2003. Ontem à tarde, um monte de crianças cantavam e dançavam o maior rock'n'roll zoológico sob o olhar embevecido de Paulo Roberto Pires e sob a proteção das mamães, também embaladas pelo som.

* * *

Existe um desejo de participação muito forte em toda a Flip, em toda a Off Flip, em toda a Flipinha e em todo o Off-Off Flip. Eu até quero escrever mais longamente sobre isso. As mesas, da Flip, acabam meio orientadas quase que para uma grande oficina de textos. Muitas perguntas no sentido de: "como você escreve?"; "como você cria seus personagens?"; "quando você dá um livro por terminado?". Perguntas meio sem sentido, conforme apontaram muitos dos próprios perguntados. Eu, Julio, tenho meu método de escrever, mas será que ele interessa a mais pessoas? O Jonathan Safran Foer, por exemplo, respondeu que, na verdade, não tem método. Lê todo o livro todos os dias, antes de começar. Mesmo que esteja na página duzentos e não sei quantos, ele volta na primeira página, lê tudo e (re)começa a escrever de onde parou. Isso me interessa, porque eu escrevo. Mas isso não interessa à Carol, por exemplo.

* * *


Foto de Walter Craveiro

Jonathan ainda disse que um romance é uma espécie de obsessão. Como é que você vai conviver com idéias que devem durar, sei lá, cinco anos? Quando casamentos, ele disse, não duram, hoje, três, quatro anos... Do romance, ele concluiu, fica apenas o que você tem de mais entranhado dentro de você, porque o resto, a cinco anos, não sobrevive. Eu admirei a calma e aparente ordem que emanava na figura do Jonathan: ele parecia tão centrado, tão seguro de si... E eu tinha visto, nestes dias todos, os jornalistas descabelados, desarrumados, ansiosos e mal dormidos. Ser escritor, eu pensei, é muito melhor. Muito mais calmo. O problema é que a Ali Smith não parecia muuuito mais calma. Ela andou aqui, pra cima e pra baixo da Flip, com a mesma calça, com a mesma blusa preta, com um cabelo que não parecia lavar desde a Escócia... Ela não era mais calma e mais "ordenada".

* * *

Essas reflexões interessam a mim, mas interessam às outras pessoas? Às vezes parece que, sutilmente, a organização da Flip "empurra" as pessoas para o ofício de escritor. E, depois, vamos ter de agüentar esses milhares de escrevinhadores que pensam que são escritores, porque viram uma determinada mesa e acharam, de repente, a coisa excitante - mas não é, não. Como disse o Paul Auster, na Flip 2004, é terrivelmente boring. Ir todo dia ao escritório, sentar e escrever. Tardes inteiras, manhãs inteiras. Sempre igual. Chato pra burro. As pessoas estão preparadas para essa conclusão? Não, não estão. Eu acho que não estão. Ontem, de manhã, foi também engraçada uma declaração do André Sant'Anna. Hoje ninguém vai escrever uma Quinta Sinfonia, ele garantiu. Ninguém tem mais cinco, seis horas para passar escrevendo. Telefone, internet, televisão, celular, rádio - são muitas as interrupções. Segundo ele, ninguém mais se concentra. Então escreve só migalhas (blogs?). Eu não sei se concordo, mas é uma boa observação...

* * *


Foto de Walter Craveiro

"Nem vai pelo lado da Quinta Sinfonia, que não é uma boa...", aconselhou o Lourenço Mutarelli. Meio na base da brincadeira, porque ser como Beethoven era - no seu linguajar - uma piração. A mesa deles, mais o Reinaldo Moraes, foi quase uma mesa lisérgica. Eu anotei algumas declarações (ou leituras de "obras" deles): "uma balada de pó", "orgias junk-putanhescas", "estrangulando uma loira" e "refrescando o saco no rasinho". Foi uma mesa meio catártica, cheia de palavrões, expressões chulas - um pai de família, um dos poucos que aparecem na Flip, se acabava em gargalhadas. Subitamente, alguém no palco protagonizava todas as baixezas que ele identificava mas não tinha coragem de praticar (ou de pensar). Deu a impressão de que o Mutarelli e o Moraes não vão sobreviver muito tempo a si próprios. Já o André, no seu jeito mineiro, mais calmo, vai viver cem anos. Lembrei, ainda, do texto da Andrea Trom sobre O natimorto. A Carol quer ler O cheiro do ralo. Eu quero ler o Sant'Anna desde que o Daniel Galera me indicou.

* * *

E por falar em mineiros, eu vi poucos. É muito longe; é muito caro - eu entendo. Parece que tinha mais gente do Rio do que de São Paulo neste ano. Principalmente socialites na fila da Tenda dos Autores. Algumas com os maridos a tira-colo (ou tiracolo?). Como as pessoas se cumprimentam na fila da Tenda dos Autores...! Parece que, nas classes altas, se você for e não vir os outros (e não for visto) é como se não tivesse valido. "Você estava lá? Mas eu não vi você lá...! Vi fulano, vi beltrano, vi até sicrano mas não vi você lá. Você foi mesmo?" Muitas Cicaréias, como diz o Paulo Lima, de "boca nova". Com aquele brilho na boca. Fazendo bico como se mascasse(m) chiclete. Aperta o bico, arrebita o bico, volta pra trás, mastiga... Que trabalho pra ser bonita! Pobres mujeres, como eu digo sempre pra minha mãe. Mas isso não tem nada a ver com a Flip. Ou tem? Não sei. Me perdi.

* * *

Eu conversava com a Renata, da assessoria, e ela acha que, por ser agosto, a Flip está mais calma. E eu acho que, por ser agosto, tem menos paulistas. Os cariocas até podem vir e passar o fim de semana, mas os paulistas vão pagar caro por isso. Não só em dinheiro, claro. Parece que, na Flip 2006, teve menos oba-oba, menos gente que veio porque estava sem nada pra fazer... Universitários; de férias. A assessoria estava mais calma como um todo. E a sala de imprensa. Apesar do Hitchens. Alías, ele não apareceu mais por aqui. Ele não apareceu mais em Parati. Deve ter saído de helicóptero. Não sei como deu os autógrafos ontem. Até tive pesadelos com aquela mesa... "Why don't go and buy the fucking book?", ele bradava no final. Não sei se de brincadeira, não sei se a sério. Faz diferença? Seu ídolo, Oscar Wilde, teria sido mais condescendente com os americanos... Como foi.

* * *

Quê mais? Uma mesa que eu sempre esqueço de mencionar mas que foi muito legal. A do Miguel Sanches Neto, com Ignácio de Loyola Brandão e Wilson Bueno (no lugar do Cony, adoentado). Foi uma mesa exemplar; com a mediação exemplar da Beatriz Resende (continuo sem saber se é com "s" ou com "z"...). Gosto das crônicas do Loyola. Mas os livros dele me parecem todos de crônicas (também); não me parecem literatura. Pessoalmente, ele é simpático, magnético e fala bem para platéias. O Sanches Neto foi uma boa surpresa, porque admiro sua crítica, atualmente na Carta Capital, gostei de seu primeiro romance e tenho mais vontade de lê-lo em livro. Foi bom vê-lo pessoalmente, em resumo. Mas o Wilson Bueno dominou a mesa, porque sempre alguém tem de dominar... Destruiu, com uma sátira a Machado e ao século XIX. O momento de humor mais inteligente e refinado da Flip. O livro é Amar-te a ti nem sem sei com carícias (um decassílabo perfeito!). Ótima aquisição para a Flip. Até parabenizei a Ruth na saída. (Ela estava preocupada com a saúde do João em São Paulo. Melhoras ao João!)

* * *


Foto de Walter Craveiro

Para encerrar, eu gostaria de dizer que foi uma honra para a Festa Literária de Parati ter, em 2006, o maior poeta brasileiro vivo. Ferreira Gullar. Era a literatura viva. A nossa literatura. (Todos os clichês valem aqui...) E ninguém vai esquecer o momento em que ele leu, mais uma vez, o Poema Sujo (1975). Também a participação de Mourid Barghouti - tão grandiosa quanto. Evocando a novilíngua de Orwell, disse que o mainstream transformou o sentido das palavras. Hoje, "matar pessoas" são "danos colaterais"; "ocupação" é "auto-defesa"; "guerra" é "preparar as pessoas para a democracia"; "bombardeio" é "modernização"; e "resistência" é "terrorismo". Estava se referindo, logicamente, ao conflito atual no Extremo Oriente... E eu fiquei com vontade de ler Eu vi Ramallah. Qualquer dia conto, para vocês, as minhas experiências literárias com os banheiros de Parati. Fica, para terminar, meu agradecimento ao restaurante Ganges, em que almoçamos todos os dias da Festa. Até a próxima! (As imagens vão melhores porque eu descobri um esquema com o Flickr...)


Postado por Julio Daio Borges
Em 13/8/2006 às 12h11

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