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Segunda-feira, 16/3/2015
Blog de Sonia Regina Rocha Rodrigues
Sonia Regina Rocha Rodrigues
 
Crítica do livro Sete Anos, de Fernanda Torres.


Companhia das Letras


O livro reúne textos publicados entre 2007 e 2013 nas revistas Veja Rio, Piauí e no jornal Folha de São Paulo. Apenas uma é inédita, a que fala sobre a morte de Fernando Torres.
Fernanda fala do ofício do ator e da arte cênica fazendo um apanhado da história do teatro, cinema e televisão em cujos palcos transitou desde cedo na vida.
Há pontos negativos. Fernanda carece da técnica do escritor profissional e transporta para o papel certos vícios de linguagem cuja origem se compreende quando se lembra de seu sucesso como comediante. O caricato, a superficialidade, a generalização que provocam o riso contaminam sua prosa. Ela abusa dos clichês e mostra sem aprofundar. Lembremos que os textos foram originalmente escritos para colunas de mídia impressa, espaço rígido em seu formato. Imperdoável é a falta de revisão da Companhia das letras que deixou escapar mistura de tratamentos, como nessa frase da página 123: "O humorista fará piada com sua desgraça, o escritor te roubará as histórias e o jornalista usará sua informação."
O texto Buquê nada acrescenta ao leitor e destoa do conjunto. Fala da histeria feminina e de sexo oral em uma conversa à mesa que pretende ser engraçada, porém, "entre o chocolate e a carícia íntima", "esqueçam os aspargos" e a crônica.
Perdoemos estes deslizes da escritora Fernanda, já que a atriz nos presenteia com um retrato precioso dos bastidores da arte e se dispõe a "falar, sem deixar de ser pessoal, sobre coisas de interesse comum."
O texto de abertura é Kuarup, no qual ela nos detalha à sua maneira engraçada os apuros da equipe de filmagem, isolada no Parque Nacional do Xingu, alojada em barracas baixas que obrigava as pessoas a viverem acocoradas, observadas por famílias indígenas, tendo o material de cena que pernoitara ao relento devorado por formigas. A autora confessa ter perdido seus "delírios de moça fina" e desenvolvido um certo "ceticismo em relação à vida selvagem".
Comparando diretores, roteiristas, passeando entre grupos e tendências, Fernanda cita a mãe para diferenciar trama e drama. A trama é técnica fria, o sofrimento egoico que o psiquiatra cura. O drama é apanágio dos mestres, é a transcendência da alma, toca fundo o espectador.
Achei curiosa a revelação de Bráulio Mantovani: "quando disseram que meus personagens americanos eram estereotipados, eu não tinha a menor ideia do que fazer para humaniza-los."
Quando o assunto é política, no entanto, Fernanda vacila; usa tantas figuras de linguagem que acaba por dizer coisa nenhuma. Melhor calar, como fez a mãe ao ser convidada para entrar na política, como Ministra da Cultura. No entanto, ela é comentarista política...fica sempre em cima do muro.
No capítulo Os Russos há interessantes considerações sobre o uso da literatura como solução para o ensino da política. A autora justifica: "os personagens debatem, discutem, evita-se a doutrinação sem contexto, permite-se a retrospectiva histórica da reflexão; usa-se a contradição humana como narrador". Ao término, o texto, que mantinha o seriedade do tema, desagua na desastrosa última frase: "a arte é uma baita aliada da educação". Em minha opinião, a palavra baita descontrói o texto.
Minha crônica preferida foi No dorso instável de um tigre, sobre o ofício de ator:
"O deus do teatro é Dionísio, o doido, o catártico, o de vinho, o do êxtase. É preciso livrar-se de Narciso. Os iniciantes vivem por definição em estado de pânico. A angústia em cena é o motor do comediante; controlá-la é a arte do profissional". Segundo Fernanda, teatro é fingimento mútuo. "Eu finjo ser outro e você finge que acredita". A fobia do ator é o medo da cena. Se cavalo e entidade se misturarem no palco, é o colapso, o risco de perder o sentido da profissão. "Que razão há para fingir ser outro?". Há uma linha bem tênue separando personagem, alucinação programada e loucura. "O bom ator não representa, é." O final deste texto é perfeito: "Tudo se primeira fala da primeira cena de Hamlet: Quem está aí?"
O maior elogio que posso fazer ao livro é: Fernanda escreve com a alma.

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Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
16/3/2015 às 15h43

 
Entrevista com a escritora Lu Menezes


Lu Menezes é santista, publicitária e escritora. Daquelas que entendem como ninguém a sobreposição de papéis e as contradições que permeiam nossos relacionamentos e cotidiano. Morou em São Paulo, Londres, Belo Horizonte e hoje se concentra na baixada. Viajante por opção, trabalho e oportunidade, aproveitou suas escapadelas pelo velho mundo pra aprender mais sobre as dicotomias, graças e malfeitos que acometem a todas as filhas de Maria. Assim nasceu Baião de Três. Uma mistura gostosa de tudo isso.
Cronista de jornais catarinenses, idealizadora de oficinas de escrita criativa e literatura, Lu também é blogueira, veja abaixo o nome de seu blog , onde se diverte com causos e contos, que retratam o dia a dia e brincam com nosso jeito de ser e ver a vida.


1. Quando você começou a se interessar por literatura?
A literatura sempre esteve presente na minha vida. Desde a infância. Com contos e personagens que se somavam as minhas próprias histórias. Como não partilhar das malandragens da boneca Emília? Ou não desejar ter o meu próprio pé de laranja lima? Foi mais ou menos assim que tudo começou. Lendo. E logo queria escrever. Mania que ainda me acompanha. Até os dias de hoje.

2. Como foi seu início no meio literário?
Sempre escrevi. Em alguns momentos, mais. Outros, menos. Mas o trabalho com leitores veio em 2010, quando comecei a escrever crônicas para o jornal Agora Meio Oeste, de Videira (SC). Trabalho embrionário. E que serviu de ensaio a composição do meu primeiro livro, Baião de Três. Na sequência, veio o blog, www.letrasecontos.com . E projetos de novos livros. Escrita é isso. E quem escreve sabe. Que não tem cura. Nem volta. Jamais.

3. Conte sua experiência nas Oficinas Culturais Pagu.
Comecei a trabalhar com oficinas em 2013, em Videira (SC). Daí vieram os encontros em minha cidade, Santos, nas Oficinas Culturais Pagu: um espaço ímpar, onde as mais diversas formas de expressão cultural se encontram. Disseminando arte e educação por toda a baixada santista. O foco das oficinas é a discussão e a produção literária, privilegiando a fluência discursiva e a busca por uma escrita mais consciente, focada e balizada em técnicas que favoreçam o nosso processo criativo.

4. Como você percebe o atual cenário literário brasileiro?
Hoje escreve-se muito no Brasil. O que é fantástico. Mas ainda precisamos pedalar um bocado até que os espaços e oportunidades atendam às necessidades reais do mercado literário nacional. Com chances efetivas de trabalho para os novos talentos e condições satisfatórias aqueles que tencionam viver das letras.

5. Quantos e quais são seus livros publicados?
Tenho um livro publicado até o momento. Baião de Três, um livro de contos e crônicas, que trata de gente, em seus pecadinhos cotidianos e histórias mais corriqueiras. Lançado em agosto de 2013, pela Editora Alley. E trabalho em outros dois projetos, com previsão de término até 2017.

6. Algum escritor exerceu impacto em sua obra? Quem? Por que?
Muitos. Vários. E são tantos que fica difícil nomear alguns. Mas gosto de citar Nelson Rodrigues, Gabriel Garcia Márquez, Jose Saramago e Luis Fernando Veríssimo, como nomes que influenciaram diretamente a minha escrita e forma de "ler" o mundo.

7. Quais os seus projetos para 2015?
Estou cem por cento comprometida com os novos livros que estou escrevendo, mas é claro que os "causos" do blog continuarão sendo publicados semanalmente. Além das novas oficinas que ainda vêm por aí.

8. Deixe uma mensagem final. Obrigada.
Obrigada, você, querida amiga, pelo bate-papo. Ainda mais quando o assunto é esse. Literatura. Escrita. Leitura. Prazeres que abrem portas e mentes. Que mostram caminhos e possibilidades que tornam nossas vidas ainda mais deliciosas de serem vividas. Aos bocados. Que assim é bem melhor. Só que vicia. Então, venham preparados...

Site da Lu: Letrasecontos

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Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
9/3/2015 às 15h25

 
A arte como terapia - inspiração e criação.

Arte não é comércio. É como respirar, um ato fisiológico. Ninguém faz arte porque quer, faz arte porque necessita. É comunicar-se ou enlouquecer.
Começamos a escrever, geralmente, na escola, recebendo temas para redação, como 'minhas férias', 'meu melhor amigo' etc. Nessa época usamos mais o raciocínio do que a emoção, procurando por frases de efeito que já sabemos que serão apreciadas pelos professores. Em minha época de criança estavam em moda expressões como 'o canto mavioso dos pássaros' e 'flores multicoloridas'. Somos influenciados pelo estilo de nossos autores preferidos - no meu caso, Monteiro Lobato. Hoje em dia aprecio as técnicas de Edgar Allan Poe e Fernando Sabino.
Aos poucos cada pessoa desenvolve um estilo próprio de escrever, uma maneira peculiar de perceber idéias promissoras. (chamamos a isto inspiração)
Do meu ponto de vista, inspiração é qualquer estímulo à atividade criativa.
Eu percebia que emoções fortes transformam-se em devaneios, imagens coloridas e vivas que ficavam 'querendo sair', agitando-se em meu cérebro. Esta inquietação inicial adquiria um significado, dava origem a uma gestação mental , e só se acalmava quando a idéia vinha à luz. Este é o meu processo de criação: a emoção gera uma perturbação psíquica que dá origem a idéias desorganizadas que ao se organizarem criam a obra. Começo a escrever sem censuras, deixo as idéias fluírem espontaneamente para o papel do jeito que vierem, por mais sem sentido que pareçam.
Na adolescência eu escrevia histórias malucas como sonhos. Nessas primeiras histórias, vampiros, sereias, discos voadores e fantasmas misturavam-se com pessoas reais e faziam rir minhas colegas de escola. Através destes primeiros textos, os tumultuados e confusos sentimentos adolescentes iam embora e eu retornava ao equilíbrio. Eu havia descoberto a 'catarse' - a purificação, a sensação de alma lavada que sentimos quando extravasamos nossos sentimentos de forma simbólica.
Toda catarse é terapia.
A arte, em todas as suas manifestações, é uma forma poderosa de catarse.
O aspecto terapêutico do ato de escrever, a princípio não é muito claro porque tendemos a pensar que quando usamos as palavras utilizamos a razão, quando, na realidade, a imaginação do escritor está muito mais voltada ao emocional. A ficção, seja prosa ou poesia, é mais emoção que razão. Com o passar dos anos, o tempo de sonhar, devanear e escrever, que na adolescência 'sobrava', foi diminuindo, mas o fluxo criador aumentava, e fui-me tornando sucinta, aprendendo a 'enxugar' os textos, a retirar o supérfluo, a garimpar o essencial do tema. A idéia vinha, eu anotava em qualquer papel à mão e deixava para desenvolver o tema mais tarde, quando encontrasse tempo livre. No decorrer do dia o assunto retornava com freqüência a minha mente, de relance; ia associando idéias, fazendo comparações, encontrando outros pontos de vista. Quando eu finalmente sentava-me para escrever descobria que o texto estava pronto em minha mente, inteiro, do começo ao fim, sem hesitações e praticamente sem necessitar retoques. Desta forma fui desenvolvendo o que chamo técnica do inconsciente.
Um acontecimento chama-me a atenção e penso 'isto dá um conto'. Envio a idéia ao inconsciente e não penso mais nela, simplesmente aguardo; quando o texto está pronto, ele aparece por inteiro, geralmente durante a madrugada.
Há duas maneiras pelas quais as idéias me acordam à noite: texto pronto ou sonho.
No caso do texto pronto, ouço uma voz interior lendo para mim; repito três ou quatro vezes para memorizar e então levanto, acendo a luz e escrevo. É preciso ter o cuidado de repetir mentalmente o texto antes de acender a luz para que a idéia não se perca, porque a passagem do estado de relaxamento (estado alfa) para o estado de vigília (estado beta) é muito delicada; se a passagem for sutil há lembrança, já a passagem brusca provoca amnésia, perde-se a percepção dos processos interiores do estado crepuscular (a fronteira entre o adormecer e o despertar).
Os sonhos são interessantes elaborações de conflitos internos que aparecem como histórias simbólicas prontas de grande impacto emocional. São exemplos deste tipo de criação meus contos Pesadelo eNo templo de Esculápio. Também a peça teatral Os deuses despencaram do Olimpo foi inteiramente sonhada.
Certa vez li o texto Pesadelo a um grupo de amigos escritores e cada um deles deu para a história uma interpretação completamente diferente. Eu o sonhei aos doze anos de idade e só aos trinta e cinco encontrei a chave simbólica do sonho, que se refere à passagem da vida de menina para a de mulher; 'não há volta' e a elemento para decifrar este símbolo pessoal são as letras escritas em vermelho - o sangue da menarca. O símbolo tem esta plasticidade, esta particularidade de prestar-se a várias interpretações em vários níveis de complexidade, de acordo com o estado perceptivo de cada um. O inconsciente representa no símbolo o que é mais importante naquele momento e o consciente capta somente o que está a seu alcance administrar, por isso as histórias simbólicas, como o são os contos de fadas, nos encantam e são tão úteis na formação do psiquismo infantil.
Quando escrevo sobre o cotidiano utilizo uma técnica um pouco diferente, meio consciente e meio automática. Escolho o motivo quando me surpreendo com o aspecto absurdo ou diferente da vida e trabalho este aspecto absurdo através do humor - desta forma descarrego as frustrações existenciais.
Procuro usar a técnica do impacto, apresentando o trivial fora de seu contexto (um de meus personagens pergunta se as girafas não são bichos de faz-de-conta); trabalho as idéias de forma aparentemente lógica de modo que a conclusão do raciocínio, no entanto, leve a uma absurdo; uso e abuso das ambigüidades e do recurso da repetição para caracterizar a intenção e o comportamento do personagem, até chegar ao final surpreendente.
O final surpreendente é uma característica do conto moderno, que consiste em conduzir o leitor a uma conclusão completamente diferente do que o fluxo lógico da história sugere e leva-lo assim a repensar a história sob uma nova perspectiva.
Em resumo, toda arte é, para o artista, uma forma de libertação emocional, sendo a criação uma forma elaborada e complexa de transformar sofrimento em arte, uma forma de contato com a realidade interior.


Quadro de Van Goh, Irises

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Postado por Sonia Regina Rocha Rodrigues
3/3/2015 às 07h51

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