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Quarta-feira, 20/5/2015
Blog do Carvalhal
Guilherme Carvalhal
 
Viagem em busca da poesia



O diretor Bille August tem uma notória característica em seus filmes que é lançar minúcias dos personagens, como se colocasse radiografias de seus personagens diante do espectador. Ele explora as detalhes sentimentais, aproximando o foco da alma e formando criaturas complexas e reais.

Em filmes como Pelle, o Conquistador (1987) e As melhores Intenções(1992) é nítido notar esta qualidade. No primeiro filme, ele adapta às telas a primeira parte da história do escritor Martin Andersen Nexo sobre Pelle, um líder sindical da Dinamarca. Neste filme, que retrata a infância do personagem principal, tem destaque a presença de Max von Sydow no papel do pai de Pelle. Em As melhores Intenções ele conta a história de vida de um casal (os pais de Ingmar Bergman), começando pela juventude e passando pelo desdobramento da vida, como o nascimento dos filhos e envolvimento do marido com movimentos sindicais.

Em 2013, o diretor utilizou de seu talento para levar às telas Trem Noturno para Lisboa, romance escrito por Pascal Mercier. E assim como nas suas obras anteriores, esta apresenta uma fina análise dos personagens, incluindo desde seus traços afetivos mais particulares até seu envolvimento com questões sociais maiores.

A história retrata Raimund Gregorius (Jeremy Irons), um professor de línguas na cidade de Berna. Ele se ocupa com a educação de adolescentes em um dia a dia repetitivo e tedioso, até se deparar com uma mulher misteriosa que deixa cair um livro. Ao começar a lê-lo, ele se depara com textos de um desconhecido escritor português chamado Amadeu do Prado (Jack Huston). Tocado pelos seus escritos, toma uma atitude pouco condizente com sua índole, de abdicar tudo e partir para Lisboa na tentativa de encontrar o autor.

Chegando a Portugal, ele começa a descobrir sobre o passado de Amadeu e vai remontando um quebra-cabeças que envolve um espírito um tanto rebelde desde a adolescência, passando por um triângulo amoroso envolvendo Jorge e Estefânia e o envolvimento destes três em um grupo de resistência à ditadura de António Salazar.

A ideia central é o choque do professor, que sai de sua letargia e reencontra um sentido em toda curiosidade motivada pelo escritor. Ao mesmo tempo em que procura recuperar informações do passado, ele conhece a oftalmologista Adriana, por quem aos poucos vai se apaixonando.

O filme traz todo talento de diretor à tona na adaptação de uma história que prima por uma visão sobre os seres humanos envolvidos em complexas condições de vida. O professor Gregorius passa por um baque quando se depara com o livro, capaz de fazê-lo abdicar de seu cotidiano para viver uma aventura, repentinamente querendo aproveitar a vida. As constantes ligações telefônicas do diretor da escola onde trabalha servem para lembrar disso, que mesmo embarcando em uma busca pessoal ele ainda possuía um emprego e obrigações em seu país.

A construção dos personagens, mesmo que em alguns momentos caia em clichês, mostra uma delicada rede de poderes, como o patriarca da família de Amadeu que vê a ditadura com bons olhos, a presença sedutora de Estefânia e de seu amigo Jorge em volta. Aliás, Bruno Ganz mais uma vez atrai a atenção representando este personagem na velhice.

Mesmo sendo uma obra com vários pontos altos, Trem Noturno para Lisboa sofreu severas críticas. Muitas delas se referem ao fato de ser um filme sem muito brilho e que não conseguiria passar o impacto sugerido. Também motivou críticas o fato da história ser em inglês, sendo que o livro é em francês e português. É de causar estranhamento ao brasileiro um filme passado em Portugal cheio de falas em outro idioma.

O filme, mesmo que para muitos fique aquém do talento do diretor, é uma obra de fina sensibilidade tendo como pano de fundo uma situação pouco abordada nas artes, que é a ditadura portuguesa. É uma aula de história com poesia e humanidade.

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Postado por Guilherme Carvalhal
20/5/2015 às 23h42

 
A riqueza dos livros que não entendi

Em seu livro Como Falar dos Livros que Não Lemos, o psicólogo e ensaísta francês Pierre Bayard propõe uma abordagem diferenciada sobre a relação das pessoas com os livros. Suas ideias nasceram de uma realidade notada por ele em seu consultório, ao ouvir as dificuldades de seus pacientes em ler. O que ele percebeu era que literatura não era sinônimo de felicidade ou prazer, mas de frustração e dificuldade. Dessas análises ele foi aprimorando sua visão da relação das pessoas com os livros, até resultar na tese que defende em seu livro.

Sua ideia consiste na criação de uma mancha cinzenta entre o ato de ler e o de não ler um livro. Por exemplo, se uma pessoa nunca leu um livro de Heidegger, mas leu artigos e livros a respeito de seu pensamento e conhece bastante suas teorias, essa pessoa leu ou não leu? Se alguém leu um livro, mas esqueceu ou não entendeu, ela realmente leu?

Na minha lista de livros lidos, há alguns volumes que eu não entendi. São obras com linguagem extremamente moderna, que acabam confundindo o leitor, ou então grandes épicos que me deixaram perdido em meio a seu enredo.

O maior caso dessa história foi com A Montanha Mágica, de Thomas Man. Desse livro, tenho recordações meio vagas, como longos diálogos com propostas filosóficas. Das lembranças mais concretas estão o personagem principal alegando não conseguir imaginar a existência humana sem charutos e um momento de mediunismo no qual um poeta morto recita seus versos.

Outra obra dentro dos não entendidos foi O Som e a Fúria, de William Faulkner. As duas primeiras partes do livro, que narra a decadência da família Compson, são escritas através do fluxo mental dos personagens. O primeiro é Benjy, que é autista. O segundo é Quentin, irmão de Benjy, que imerso em uma confusão mental e emocional tem um fluxo de pensamentos ainda mais confuso do que o primeiro.

A obra que gera dificuldades a mim e à grande maioria de quem tenta ler é Ulisses, de James Joyce. Um marco da literatura moderna, essa obra é digna de grupos de discussão que tentam entendê-lo e decifrá-lo para o restante da humanidade. Sua obra inspirada em Homero tenta trazer a Odisseia para os tempos modernos, reencarnando o herói grego na pele de Leopold Bloom, uma pessoa tão comum quanto as que cruzamos pelas ruas no dia a dia. A obra é repleta de jogos linguísticos e compreendê-la exige uma grandiosa dedicação.

Existe uma gratidão a se prestar aos livros que não entendemos. Não digo que foram os melhores que li na minha vida, mas são justamente obras desse tipo que nos levam a sair do conforto mental e a nos agitarmos para entender. Elas nos alavancam a patamares diferentes, enchendo-nos mais de dúvidas do que certezas e o esforço a que nos leva é uma das melhores formas de nos aperfeiçoarmos culturalmente.

Quando li Ulisses, eu passava pelas páginas cheio de dúvidas quanto a seus significados. Algumas situações dava para pescar, como o arremesso de uma lata de biscoito representando a fuga dos ciclopes da Odisseia, ou o ambiente do prostíbulo representando a ilha de Circe. No mais, é uma tentativa inútil de compreensão, pois para entender é preciso pesquisar artigos a respeito da obra, não se limitando apenas ao livro.

Os livros não entendidos, ou aqueles que nos custamos a entender, criam uma experiência de leitura diferenciada ao nos forçar a compreensão. Esse é o livro que tira o leitor da zona de conforto e da mera passividade, que o obriga a ler resenhas para melhor entender, que o leva a voltar as páginas, a passar vários momentos refletindo a respeito do que leu. Provavelmente é um livro que venha formar mais do que aquele lido rapidamente em uma única levada. Mesmo com todas as dúvidas que restam após a leitura, o livro não entendido é uma pérola por causa do embate que ele proporciona ao leitor que, mesmo saindo derrotado, acaba ganhando.



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Postado por Guilherme Carvalhal
17/5/2015 às 21h40

 
Uma música para cada pessoa

Hermeto Pascoal tem entre suas obras um dos maiores monumentos da música brasileira: uma extensa composição intitulada Calendário do Som, desenvolvida em 1996 e 1997. A proposta é justamente fazer uma composição para cada dia do ano, somando-se 366 músicas (o 29 de fevereiro também é homenageado). Assim, o compositor sentiu que compôs uma música dedicada a cada pessoa existente. Em 2005 o maestro Itiberê Zwarg juntou sua Orquestra Família e gravou 27 destes temas, trazendo uma pequena parte do enorme esforço de um dos maiores nomes da música brasileira para o público.

Calendário do Som é uma obra de uma riqueza tão vasta que é bastante difícil comentá-la. As influências são variadas, tornando-a de uma complexidade ímpar. Mas de um modo geral pode-se dizer que é uma composição de jazz fusion de orquestra com muita influência de música brasileira, como samba e chorinho. Aliás, também se pode afirmar ser uma obra de música brasileira influenciada pelo jazz. Fica ao caráter do ouvinte.

O importante é atentar para a grandiosidade do esforço de Hermeto em compor e de Itiberê Zware em gravar e até mesmo dar sua cara; imagina-se que pegar partituras de Pascoal e transformá-las em música propriamente dita não seja das tarefas mais fáceis.

A orquestra da gravação traz uma quantidade vasta de instrumentos: flautas, clarinetes, guitarras, baixo elétrico, bateria, etc. Então quem ouvi-lo pode esperar uma mágica viagem sonora com o que há de melhor na música do século XX: arranjos sofisticados, suavidade melódica, perfeita orquestração garantida pelo maestro e quem se aventurar por estudos mais apurados pode captar alguns detalhes, como influências de ritmos em uma complexa polifonia. Em alguns momentos tem jazz, música clássica, samba e chorinho fluindo ao mesmo tempo.

O próprio autor aponta algumas das influências do trabalho, como música do morro, cultura nordestina, etc. Ou seja, é uma vasta salada muito bem arranjada de influências variadas. Este é o tipo de obra capaz de fazer as pessoas atentarem para a existência de uma criação musical de altíssimo nível no Brasil. Quem valoriza nossas raízes culturais do país tem um gosto a mais com esta pérola que é um dos maiores feitos artísticos de nossa história.

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Postado por Guilherme Carvalhal
13/5/2015 às 16h05

 
O Gigante egoísta



O cinema britânico anda brindando o mundo com uma forma bastante peculiar de produzir filmes nos últimos anos. Da década de 1990 para cá várias películas da Inglaterra e de suas adjacências, em especial a Irlanda, tem se referido ao outro lado de suas sociedade, mostrando as classes baixas e uma vida pobre, à parte dos ganhos de um país de primeiro mundo.

Na lista de diretores podem ser incluídos nomes como Ken Loach, Mike Leigh, Andrea Arnold, Steve McQueen e Clio Barnard. São nomes que andam faturando prêmios, como a Palma de Ouro para Loach (Ventos da Liberdade, 2006), Leigh (Segredos e Mentiras, 1996), o Prêmio do Júri do Festival de Cannes para Arnold (Aquário, 2009) e o Oscar de Melhor Filme para McQueen (12 anos de escravidão, 2014, ressaltando que essa é uma produção norte-americana). Ou seja, a maneira como eles trabalham a sétima arte tem ganhado destaque mundo afora.

Dentre essa leva de artista, Clio Barnard é um dos destaques da atualidade. Oriunda dos documentários, estreou nos longas de ficção com O Gigante Egoísta (2013), obra inspirada em um conto de Oscar Wilde. Uma obra de delicadeza muito apurada, ao mesmo tempo abordando o ser humano de maneira crua.

O filme retrata dois amigos adolescentes, Arbor e Swifty, em sua luta cotidiana pela sobrevivência. São oriundos da classe baixa, imersos em todos os problemas típicos de uma família pobre, fora os conflitos cotidianos dessa fase da vida, como a vontade de abandonar a escola e as brigas em um período de formação da personalidade.

Nesse mundo de dificuldades, os dois acabaram trabalhando para um catador de metal, percorrendo a periferia atrás de pedaços de metal, conduzindo um potro que puxava uma carroça onde guardavam o que recolhiam. É evidente o esforço dos garotos para uma tarefa maior do que eles podem suportar.

Em meio a essa realidade, acontece uma corrida de charretes, o momento de maior lirismo do filme. É algo bem espetacular que, em um mundo de smartphones e tablets, algo tão prosaico faça parte da vida de jovens.

A estreia de Clio Barnard já rendeu muitos elogios. Ela se posicionou como uma grande cineasta e a perspectiva futuro é de novos grandes trabalhos. O cinema inglês anda cheio de gás.

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Postado por Guilherme Carvalhal
11/5/2015 à 00h13

 
A saga japonesa em terras brasileiras



A escolha de Nihonjin para ganhar o Prêmio Jabuti de 2012 foi um momento bastante catastrófico da literatura recente do país. O uso de uma brecha do regulamento por um dos jurados para valorizar esse livro deu a entender que houve uma injustiça na premiação, quando na verdade este trata-se de uma obra bastante singular nas letras recentes de nosso país.

O trabalho de Oscar Nakasato, também vencedor do Prêmio Benvirá (premiação deste selo da Editora Saraiva focado em escritores iniciantes) possui muitos méritos para que o suposto arranjo na escolha do ganhador do Jabuti atraia mais os holofotes do que um livro escrito em uma linguagem formidavelmente simples e capaz de em poucas páginas apresentar um rico universo cultural dentro do Brasil jamais explorado em uma grande obra. Para sermos justos, deveríamos esquecer a polêmica e valorizar apenas o trabalho artístico.

O autor, como seu nome sugere, descende de japoneses e reside no interior de São Paulo. Em Nihonjin ele narra a aventura da vinda de um casal de japoneses que sai de seu país em uma nobre missão confiada pro seu imperador, de fazer riqueza do outro lado do mundo e depois retornar.

Dessa forma Hideo e sua esposa Kimie partem, instalando-se em uma fazenda de café no interior de São Paulo, onde começam a confrontar com a distante realidade, onde há um clima diferente, uma língua diferente e uma cultura diferente, todos desafios à sua própria adaptação. E em meio a essa choque de realidade, Hideo mantém-se firme em manter sua identidade japonesa, não querendo se misturar aos gaijins, aqueles que não possuem sua naturalidade.

O fio narrativo conta toda a trajetória desse homem em seu novo país junto à formação de sua descendência. Na lavoura de café, sua esposa fica à janela esperando cair neve, maior possibilidade de lembrança de sua terra, e o maior momento lírico do livro acontece justamente quando ela descobre não nevar no país. As saudades acabam tirando sua vida, remetendo à história do banzo, a doença da saudade que matava os africanos, dessa vez acometendo a uma etnia diferente.

Em terras brasileiras, constroem um ofurô aos fundos de casa e Hideo proíbe a esposa de conversar com uma família de negros, de quem ouviu falar para agirem com desconfiança. Da agricultura de café, a família parte para cultivar uma área própria, até se estabelecer em zona urbana, criando um comércio para si, mostrando facetas variadas, como a ocupação rural e a urbana, a formação de grupos sociais próximos (como locais para práticas religiosas) e a criação de laços através do casamento entre japoneses e o batismo dos filhos com nomes em sua língua natal.

A narrativa de Nakasato utiliza do passar dos anos para fazer um apanhado geral dos japoneses no país. Seus valores em muitos momentos se confrontam com os demais, caso do conflito provocado pela professora que ensina ao aluno que ele era brasileiro e o pai insistente que mesmo nascendo aqui, ele continuava japonês; da mulher que abandona seu marido para ir atrás de um gaijin em um amor proibido; e bem mais à frente, retrata ainda a figura do dekassegui, o descendente de japonês que retorna ao Japão, carregando uma mesma discussão: japonês, brasileiro ou ambos?

Outro ponto alto da história remete à derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, que é a formação do Shindo Renmei, grupo de japoneses que assassinou compatriotas alegando traição quando estes assumiam a derrota de seu país. Essa parte traz à tona com muito impacto o choque de realidades e apresenta um momento curioso do país, com a formação de um grupo terrorista em território nacional.

O principal de Nakasato é sua capacidade de conseguir explorar um tema distante dos eixos corriqueiros da literatura brasileira. Seu livro não é uma grande exploração de técnicas linguísticas nem tem pretensões de inovar no uso da linguagem. Tampouco tentou produzir um épico, o que sugeriria um livro contando uma geração de famílias no país. Pelo contrário. Ele é conciso e econômico nas palavras, e esta é sua maior qualidade, além de caminhar de maneira realista, sem nuances de fantasia. Nihonjin é um universo dentro de um livro curto, e seus vazios apenas servem de brecha para deixar o leitor completar a história por conta própria.

A importância de Nihonjin também se dá ao retratar de forma (muito bem) romanceada um trecho da história do país, com enfoque em um determinado grupo social. Outras narrativas se valem do mesmo tema, como Lavoura Arcaica e sua família libanesa ou os turcos na obra de Jorge Amado. Porém, nenhum desses trabalhos retratou com tamanha completude os valores e a cultura de um povo, junto ao choque de realidades. Tanto que para isso ocorrer, precisou de um país que destoa bastante do Brasil.

Nihonjin não merece nem um pouco da polêmica devido ao Prêmio Jabuti. Esse livro merece sim ser valorizado como uma pérola literária, que apresenta um mundo dentro do país, de uma comunidade que passou pelas suas muitas dificuldades e adicionou mais tempero ao caldo cultural do Brasil. E isso em uma narrativa enxuta e saborosa, daquelas que o tamanho exíguo deixam o leitor desejando que o livro fosse bem maior.

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Postado por Guilherme Carvalhal
5/5/2015 à 00h35

 
Sobre futebol e modernidade



Em uma postagem em seu blog Todo Prosa sobre o falecimento de Ariano Suassuna, o escritor e jornalista Sérgio Rodrigues comentou suas diferenças com o autor de O Romance d'A Pedra do Reino. Rodrigues se colocou como nascido em uma geração globalizada, já com todo um contato com tecnologias da informação, o que o afastava do nacionalismo de Suassuna, esse em uma realidade em que as tradições locais falavam mais alto.

Esse pensamento de cultura globalizada e do choque de gerações provocado pelos mesmo é um ponto-chave para a leitura de O Drible, livro de Rodrigues que tem como enfoque a relação entre pai e filho fortemente baseada pelo futebol. As diferenças entre os personagens Murilo Filho e Murilo Neto, cada um de uma geração diferente, são o pilar para um drama que é, ao mesmo tempo, uma homenagem à paixão nacional.

No enredo, Murilo Filho é jornalista dos tempos românticos do jornalismo brasileiro, uma figura à semelhança de Nelson Rodrigues, apaixonado pelo futebol e também pelas letras. Machista, beberrão, grosso, ele vê no sue filho o contraponto às suas próprias convicções. Murilo Neto não tem o mesmo amor do pai pelo futebol e cresceu em um mundo globalizado. As referências à música e aos programas de TV são constantes, mostrando o choque do pai ao ver o filho escutando Rick Wakeman e com gostos mais globalizados. A juventude de Murilo Filho nos anos 80 mostra seu aspecto cultural em conflito: é um mundo onde o rock predomina, onde não há mais espaço para o romantismo e para utopias, onde o pragmatismo reina supremo. Pai e filho em dimensões fortemente opostas. Referências a séries como Perdidos no Espaço e Topo Gigio são constantes, construindo também um retrato do Brasil de algumas décadas atrás.

As principais mostras desse distanciamento são as falas de Murilo Filho a Murilo Neto sobre futebol, momento resgatado quando o pai é diagnosticado com doença terminal. O velho assiste gravações de partidas e tenta repassar ao filho a mesma paixão com que analisa os lances. O jovem, ao contrário das expectativas do pai, passa praticamente batido pelas suas explicações esportivas. E esse afastamento se dá em todas as perspectivas, evidenciando que não há de fato um vínculo familiar entre os dois.

Um dos pontos altos de O Drible são as referências ao futebol, que balizam todo o fio narrativo e aparecem constantemente nos trechos dedicados a Murilo Filho. Da Copa do Mundo ao futebol de várzea, toda a mágica que envolve o brasileiro entre as quatro linhas está aqui. A trajetória do craque Peralvo nesse ponto é importantíssimo: é o terceiro personagem da história, existente nas lembranças de Murilo Filho, e que quebra a narrativa do drama familiar para repercutir o futebol em si. Saído da minúscula Merequendu no interior de Minas Gerais para tentar a carreira como jogador profissional no Rio de Janeiro, quase superou Pelé, em um dos momentos mais marcantes desse livro.

O estilo de escrita de Sérgio Rodrigues é singular. Há constantes mudanças de vozes na narração, variando entre a primeira e a terceira pessoa, focando em Murilo Filho, Murilo Neto ou em Peralvo. A aula de história sobre o cotidiano perpassa três épocas distintas (1950, 1980 e os tempos presentes) em uma constância de detalhes que aproxima o leitor dessas realidades. E sem contar no estilo agradável de escrita do autor, que capta a tenção do leitor.

O Drible é um sinal de um novo viés da literatura contemporânea do Brasil. Se os clássicos da literatura nacional aos quais os leitores se acostumam fazem referências a um país do passado, as vozes mais novas buscam justamente esse novo panorama, globalizado e de uma cultura interligada com a de outros países. Se uma das principais referências de Rodrigues no livro é a série Túnel do Tempo, pode-se dizer que seu livro é uma viagem entre o Brasil de hoje em dia com o do passado, em um choque de conflitos no qual o futebol permanece como a maior das paixões.

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Postado por Guilherme Carvalhal
1/5/2015 às 14h18

 
Blues Pills, a renovação no rock



O álbum de estreia do Blues Pills é uma obra impressionante de rock, capaz de deixar o ouvinte espantado diante de toda a qualidade do trabalho. Bebendo de muitas fontes, o estilo é retrô, apesar de se poder notar muitas influências modernas em tudo (como nos efeitos usados nas guitarras). Muito material de bandas mais antigas deram a tona para um disco simplesmente perfeito.

As influências são um tato identificáveis. Led Zeppelin, Cream e Jimi Hendrix estão entre as principais. O grupo usa bases bem definidas e muitos solos de guitarras, uma fórmula que lembra bastante o Zeppelin. O som é bem hard rock, apesar de boas pegadas melódicas - como em Black Smoke e River - permeado de solos de guitarra e com estrutura musicais muito bem desenvolvidas (que em muitos momentos remetem ao Deep Purple).

Além dessas características, existe uma que se destaca bastante, que é o vocal de Elin Larsson. Sua qualidade é brilhante, atingindo o nível de Janis Joplin. Em um mundo que recentemente enxergou nomes como Adele e Amy Winehouse se destacando, Larsson apresenta um diferencial (fundamental no soul) que é a entrega da voz enquanto canta. Não é um estilo pasteurizado, mas algo bastante singular o que ela apresenta.

O enorme caldo de influências leva o disco a apresentar curiosas variações, apesar de seguir uma linha bem definida de música. Por exemplo, Devil Man, principal hit da banda, é uma música de hard rock enérgica, em que a vocalista simplesmente descarrega toda sua potência. Já em No Hope Left For Me há uma balada mais lenta.

A faixa inicial, High Class Woman, é uma bela introdução ao que a banda apresenta. Som enérgico, vocais poderosos, riffs bem desenvolvidos, músicos talentosos e um conjunto da obra sem nenhuma falha. Algo bastante presente que se vê ao longo das faixas é o quanto elas crescem. Iniciam lentas para aos poucos crescerem e geralmente descambam em refrões gritados.

Ain't No Change em sua parte incidental assemelha bastante aos momentos de pura viagem dos anos 1960 e 1970. Jupiter apresenta um estilo bem groove e, como todo o restante do disco, é notório como a banda procura dar um ar moderno para estilos passados. Um dos principais indícios são os efeitos usados na guitarra.

Astralplane, como o nome sugere, busca entrar no clima psicodélico. A música tem uma dosagem a mais de experimentação, algo que a banda não usa muito, já que seu trabalho está mais para algo bem delineado, sem muitas brechas para viagens musicais. Gypsy remete bastante ao estilo de Carlos Santana, como no uso de percussão. Já Little Song relembra as baladas mais lentas do Lynyrd Skynyrd.

O trabalho do Blues Pills é fantástico e o primeiro disco indica que essa seja uma das maiores bandas dos próximos anos. Seu álbum homônimo é espetacular, um dos melhores de 2014. A variedade de boas influências com o talento individual e coletivo faz com que ofereçam ao público um dos melhores álbuns dos últimos anos.

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Postado por Guilherme Carvalhal
28/4/2015 às 13h55

 
De Kawabata para Leigh

O livro A Casa das Belas Adormecidas foi lançado pelo japonês ganhador do Nobel de Literatura Yasunari Kawabata em 1961. É um livro forte e inovador, desses que podem facilmente botar o leitor para baixo caso ele pense em se colocar no papel do protagonista.

A história fala sobre um idoso chamado Eguchi, que começa a frequentar o prostíbulo que dá nome ao livro. Porém, lá dentro funciona de maneira pouco ortodoxa. Apenas velhos podem frequentar o local e as mulheres são postas todas nuas, adormecidas por um narcótico e assim deixadas à disposição do cliente. A cada noite Eguchi se depara com uma garota diferente e passa por variadas reações e pensamentos conforme a situação. É um livro que figura entre as maiores obras literárias do século XX.

No outro lado do planeta, um filme inspirado nesse livro desenvolvido pela diretora inglesa Julia Leigh, que também assina o roteiro, coloca algo a mais nesse enredo. Com o título Beleza Adormecida, o filme lançado em 2011 é uma visão bastante interessante em nível de comparação, porque mostra um outro lado de uma obra consagrada, que não foi explorado pelo autor original.

Nesse filme, temos Lucy, uma jovem de classe baixa que se depara com todas as dificuldades financeiras existentes. Aos poucos ela começa a se envolver com a possibilidade de um estranho emprego em um clube dirigido pela misteriosa Clara. Lá dentro Lucy descobre que está em um local onde deverá tomar um narcótico para dormir com homens desconhecidos.

O ponto alto desse filme é mostrar um lado não explorado por Kawabata, o da jovem que aceita esse emprego e fica na cama com estranhos. Cada um dos que deitam com ela tem aspirações diferentes, representadas pelas conversas com Clara antes de se deitaram, e tem fantasias com a jovem dormindo. Lucy chega a estranhar as marcas que aparecem em seu corpo após as noitadas de trabalho.

Um dos pontos negativos do filme é seu caráter um tanto quanto fragmentado. A história não possui muita continuidade, pulando de um aspecto a outro da vida da moça sem um todo coeso. Por exemplo, o final do filme é solto, não possuindo muita correlação com o que se passou. O papel de Lucy é interpretado por Emily Browning, que dos juvenis Desventuras em Série e Sucker Punch pulou para um filme bem mais adulto. Mesmo não sendo uma grande atuação, sua fisionomia combina perfeitamente com o papel e é utilizada como contraponto na fotografia do filme, um detalhe que faz toda diferença.

Pode-se pensar que a diretora ousou fazer um filme mais por ideias e sensações do que pela própria coesão. Mesmo assim, essa obra é interessante, com um visual muito interessante e bela fotografia, além de mexer com os espectadores diante de um roteiro que, mesmo pecando pela coerência, sobressai pela capacidade de impactar. E ele acaba por uma ideia interessante, a de pegar uma obra consagrada e, dentro do universo existente, criar uma perspectiva variada.

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Postado por Guilherme Carvalhal
23/4/2015 às 18h35

 
A história poética do avião japonês



O diretor japonês Hayao Miyazaki vem seguindo passos parecidos com os de Akira Kurosawa, ao abrir as portas do mundo para o cinema japonês. A diferença é que enquanto Kurosawa se dedicava aos filmes em carne e osso, Miyazaki se dedica às animações.

O maior sucesso de Miyazaki foi A Viagem de Chihiro, obra que lhe garantiu o Oscar de Melhor Animação em 2003 e o consagrou internacionalmente. O filme arrebatou fãs e tornou-se uma das maiores obras de animação do Japão, juntamente ao futuro sombrio de Akira.

Uma das principais características de Miyazaki é a sensibilidade com que desenvolve seus filmes. Ele dá cunho muito humano às suas histórias, envolvendo valores como amizade e busca pelos sonhos, em um grau de inocência cativante a uma sociedade que deixou de lado muitos de seus valores simbólicos. E é esse apelo emocional que ele utilizou em seu filme Vidas ao Vento, de 2013.

Esse trabalho de Miyazaki é uma versão livre sobre a biografia de um personagem real. A história retrata Jiro Horikoshi, um dos maiores engenheiros japoneses, responsável por grandes avanços na indústria aérea japonesa que garantiriam vantagens militares na Segunda Guerra Mundial. Nessa biografia, o diretor mescla altas doses de romantismo com a cronologia real de Horikoshi, desde sua infância até os testes positivos de seu trabalho, quando alcança seus sonhos.

A sensibilidade do diretor é responsável por fazer dessa história algo mais do que um simples relato pessoal. Uma das principais maneiras dele adicionar caldo à história é através do ambiente onírico. Desde a primeira cena, em que Horikoshi ainda criança sai pelos céus em um protótipo de avião em combate, o espectador já se depara com o estilo viajante do engenheiro. Em seus sonhos ele chega a conversar com Giovanni Caproni, construtor de aviões italiano a quem idolatra. A poesia de Paul Valéry sobre ventos ajuda a aumentar a dimensão poética do filme.

Esses sonhos do rapaz vão aos poucos se tornando concreto. Ele viaja para a Alemanha nazista em uma missão técnica, conhecendo sobre os aviões de guerra do país (e acaba conhecendo um outro grande nome da engenharia aeronáutica, Hugo Junkers). Os desenhos aos poucos vão se tornando realidade, mostrando a transformação de ideias em realidade prática.

Um aspecto interessante do filme é o retrato histórico. Já é pouco corriqueiro conseguir acessar filmes sobre Segunda Guerra Mundial que mostrem uma visão japonesa do conflito (recordo-me somente de Cartas de Iwo Jima, mesmo assim dirigido pelo norte-americano Clint Eastwood). Os aspectos culturais e sociais, além de alguns econômicos e políticos, são abordados na história. São as roupas, as construções, os hábitos alimentares, os encontros com autoridades militares, o casamento, que vão construindo junto a quem assiste uma ideia de Japão aliada a cultura, sociedade e história.

Além de toda beleza natural da obra, Vidas ao Vento é um relato histórico com o qual não estamos acostumados. O final do filme faz jus ao mostrar o uso dos aviões durante a guerra, finalidade última de nomes como Caproni e Horikoshi. Ainda assim, é uma obra tocante sobre sonhos, aspirações e realizações, com o estilo que vem tornado Miyazak o grande nome das animações no mundo.

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Postado por Guilherme Carvalhal
31/3/2015 às 16h45

 
O Rei de Havana

Cuba é o país das Américas que mais desperta interesses e dúvidas na atualidade, com uma multiplicidade de facetas existentes após um racha (amado por uns, odiado por outros) na lógica política reinante nas Américas. Essa multiplicidade de facetas pode ser percebido em muitos pontos que constituíam a percepção da ilha por nós.

Nas escolas, aprende-se o básico, como a Guerrilha em Sierra Maestra, Che Guevara e sua condecoração por Jânio Quadros, a crise dos mísseis. Nos noticiários vemos uma figura de Fidel Castro já cansada e que trocou a farda pelo casaco da Adidas, juntamente ao retorno de relações com os Estados Unidos que mexeu nas concepções acerca do regime comunista.

Na música, Win Wenders brindou o mundo com o sensacional documentário sobre o Buena Vista Social Club e também tem destaque o Orishas e sua perfeita fusão de hip hop com a música caribenha. Yoani Sánchez pôs um dedo na ferida ao apresentar os problemas de seu país e Michael Moore tentou mostrar um sistema de saúde perfeito no país em seu documentários Sicko (refletido para nós brasileiros pela vinda de médicos cubanos para atuarem aqui).

Uma percepção a respeito da sociedade cubana é apresentada no livro O Rei de Havana, do escritor Pedro Juan Gutiérrez, que vai contra qualquer tentativa de se enaltecer o regime comunista no país. O cenário apresentado é o universo da pobreza e das desigualdades de um país onde há excessos de proibições e que acaba corroído por toda tentativa de burlá-las.

O personagem principal chama-se Reynaldo, ou apenas Rey, que se autointitula o Rey de Havana. Após acidentalmente matar a mãe ao dar-lhe um empurrão e atravessá-la em um vergalhão na parede, o rapaz é levado a um reformatório onde desenha tatuagens para os presos e coloca duas pérolas na glande, o que sempre chama a atenção de todas as mulheres com quem se deita. Fugindo das grades, ele percorre por Havana em busca de se esconder da polícia e, mais ainda, tentando sobreviver em meio à pobreza e à violência.

Nessa jornada pelo submundo (ou seria o mundo cubano propriamente dito?) ele encontra-se com todo tipo de personagem. A principal delas é Magda, uma vendedora de amendoins que mora em um prédio em pedaços e também se prostitui. Seu jeito sujo e que raramente vê um banho atrai Rey, e ela se apaixona por ele, movida por uma espécie de necessidade de protegê-lo, pelo próprio fato do personagem principal ser um adolescente e ela um pouco mais velha.

Apesar da relação duradoura, Rey vem e vai por muitos cantos, sempre precisando conseguir dinheiro para manter-se por alguns dias. Assim ele se envolve com um travesti, tenta distribuir drogas, trabalha de estivador, vai morar com uma cigana que prevê o futuro e chega rodear a região onde residem os turistas. Tudo isso em uma estrutura de texto ágil e com altas doses de sexo, lembrando o estilo de Henry Miller.

A estrutura narrativa da obra é interessante, sendo uma sequência ininterrupta de fatos ocorrendo, pareando um pouco com o absurdo pela sucessão de situações inusitadas (mas, afinal de contas, isso é literatura). O problema é que em muitos aspectos o livro parece ser uma colagem de fatos e não tanto uma obra criativa. As sequências tentam mostrar muito da marginalidade. Então muitos dos personagens são figuras comuns de narrativas do gênero, como o malandro, o traficante, a prostituta, etc. Além disso, muitos dos momentos do livro soam como banais, como se tudo se repetisse para voltar ao estado inicial. Assim, a leitura acaba se tornando previsível.

O mérito do autor é expor uma realidade tão simbólica para quem enxerga de fora. Lido mais fora do seu país do que dentro dele, Pedro Juan Gutiérrez não tem o nível político de Yoani Sánchez, mas seus escritos fazem parte do desencanto de um sonho político que nunca se mostrou de fato positivo.

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Postado por Guilherme Carvalhal
16/3/2015 às 18h48

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