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Sábado,
25/4/2015
Blog de Fernanda Barbosa
Fernanda Barbosa
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Futucadores de smartphones e meus instintos
Têm dias que a gente está escrotinho, se sentindo num degrau acima do resto da humanidade e quer dar lição de vida para desconhecidos, não é?
Então têm dias que eu acordo assim, cismando em dar um encontrão proposital num futucador de smartphones. Futucadores de smartphones me despertam os instintos mais primitivos. Tenho ganas de derrubar o celular da criatura, de puxar o aparelho demoníaco e sair correndo, de gritar no ouvido do viciado em zap-zap, de passar meleca na tela e ver a reação do sujeito (se é que eles têm reação — desconfio que reações são permitidas apenas no mundo virtual, no real a pessoa fica blasé), de espirrar em cima, de roubar e mandar uma mensagem desaforada pros amigos virtuais do futucador.
Enfim... tenho muitas ideias bastante criativas. Mas, geralmente, dou apenas uma esbarrada de moderada a brusca, daquelas que nem chegam a deslocar o ombro, só para ver a pessoa retirar a retina da tela por 6 microssegundos, que é o tempo que leva para a criatura hipnotizada tirar os olhos da tela, repousá-los rapidamente num ponto embaçado da paisagem com olhos suspensos e desnorteados de zumbi, verificar que não é ladrão querendo roubar seu precioso, e voltar com os polegares alucinados procurando letras na tela machada de digitais. Gosto dessas pequenas conquistas cotidianas.
Mas aí têm dias que estou mega complacente com viciados digitais. Manjo um com facilidade. É só começar a andar na multidão numa velocidade constante de 60cm/s que, fatalmente, um futucador de smartphone vai detectar sua marcha e vai se meter bem no meio de sua rota. Veja bem, o futucador não ficará ao seu lado ou atrás de você. O futucador ficará na sua frente — a uma velocidade de 3cm/s, já que a prioridade dele não é andar, mas teclar -, daí você vai rezar para que aquele não seja o primeiro dia em que você cometerá um crime.
Então calcula comigo... puxa da memória a aula da tia Frederica de física... se um corpo vem em velocidade constante de 60cm/s e um outro corpo entra em sua trajetória retilínea a uma velocidade de 3cm/s, o que acontece? Um dos corpos vai ficar sem calcanhar... é isso o que acontece. A professora Frederica sabia das coisas... Têm dias que a gente está escrotinho.
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Postado por Fernanda Barbosa
25/4/2015 às 19h13
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Daquilo que não publicamos nas redes sociais
A mediocridade da vida me fascina. Gosto de escrever sobre aquilo que a gente se esforça para esquecer e tornar invisível: o entediante, o chato, o sujo e o feio do nosso cotidiano. Situações sem significados grandiosos. Cenas urbanas diárias que a gente não publica nas redes sociais, cenas que muitas vezes não saem de nossa memória, mas não são verbalizadas, compartilhadas, curtidas. Cenas sem filtros, sem poses, sem beijinho no ombro, sem pau de selfie. Cenas cruas que nos tornam, irremediavelmente, mais um na multidão. Justamente nós, tão acostumados a nos sentirmos acima da média, somos terrivelmente medianos em nossas miseráveis filas de transporte coletivo ("Quantos são na minha frente? 1, 2, 3... 15? É sério, isso?! Não vai dar pra ir na janela!"), em nosso gosto por ler as capas dos jornais populares em pé, em frente às bancas, para descobrir qual é a manchete hilária do dia ("hahahahaha Esse cara que faz os títulos é um gênio! Isso é Nelson Rodrigues na veia!"), em nossa torcida para encontrar um banquinho vazio e ir sentado na viagem longa de volta para casa ("Sai, sai, sai da frente... aperta o passo, aperta, aperta... vai que dá, se joga, se joga, com classe peloamordedeus! Que isso de dar pinta de que está desesperado para ir sentado não é elegante"), em nossa obsessão em olhar para as pessoas e botar defeito para passar o tempo ("Moço, esses óculos estão envelhecendo você. Cruzes! Se eu tivesse um pé assim eu não colocava sandália. Caramba! Que verruga é essa, meu irmão! Isso é da Nike mesmo?").
Ah, como somos imensamente comuns na maior parte do tempo... Uma pena desperdiçarmos toda a nossa timeline mostrando apenas o extraordinário (ou aquilo que, no comum, soa extraordinário após alguns filtros e edições apropriadas). A riqueza está no verdadeiramente ordinário.
Numa época em que todo mundo quer ressaltar o ego, dedicar-se à construção de si mesmo, reafirmar o seu eu, a sua própria genialidade, suas conquistas sem igual, o seu destaque e sua obra nessa sociedade tão massificadora e viciada em entretenimento e compartilhamento... nesta época de self (e selfie), mais do que nunca, sinto a necessidade de falar do medíocre. Daquilo que em nós é bastante café com leite, bem comunzinho, sabe? E se você fizer um esforço, vai resgatar várias comunzisses em seu cotidiano também.
Vamos comigo nessa jornada pelo invisível?
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Postado por Fernanda Barbosa
4/3/2015 às 18h39
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Julio Daio Borges
Editor
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