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Sábado,
19/12/2015
Blog de Cassionei Niches Petry
Cassionei Niches Petry
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Os robôs somos nós?
Em 2010, o cientista Craig Venter, junto com sua equipe, anunciou a criação de um organismo vivo a partir de um genoma sintético. Um passo importantíssimo para a criação de vida artificial. Logo, muitas vozes exaltadas protestaram contra o ser humano que mais uma vez quis brincar de Deus. Isso nos remete ao chamado "conhecimento proibido", retratado em mitologias de diferentes civilizações.
No mito grego da "Caixa de Pandora", por exemplo, a primeira mulher criada pelos deuses foi mandada à terra junto com um recipiente, mas com a proibição de não abri-lo. Como a curiosidade é inerente a todo ser humano (ia dizer a toda a mulher, mas aí atrairia a ira feminina sobre mim), Pandora não se conteve e abriu a caixa para conhecer seu conteúdo. Como consequência, de dentro da caixa saíram todos os males do mundo.
Mito semelhante é relatado no livro sagrado dos cristãos, na história de Adão e Eva. Deus proibiu que comessem do fruto da Árvore do Conhecimento. A mulher desobedece à ordem e ainda oferece a fruta ao homem que, obediente, aceita. Com esse ato, segundo o mito, entra o mal no mundo.
Como se pode ver, nesses e outro relatos há sempre um moral da história que nos impõe limites ao conhecimento. Podemos ir até um determinado ponto, mas, além desse ponto, estaríamos invadindo o território divino e receberíamos um castigo por isso. Sorte que nós, seres humanos, somos desobedientes, do contrário não teríamos os avanços científicos que nos ajudam cada vez mais a viver melhor.
A literatura também entra nessa discussão filosófica. Emblemática, por exemplo, é história de Frankenstein, escrita por Mary Shelley, em que um cientista cria um ser que seria uma espécie de antecessor dos robôs atuais. Apesar de se mostrar um ser inteligente, é levado, depois de sofrer maus tratos dos humanos, a praticar assassinatos. Esse medo que os humanos têm dos seres criados de forma artificial foi a inspiração para o escritor Isaac Asimov revolucionar a literatura de ficção científica.
Asimov, nascido na Rússia em 1920, foi um intelectual prolífico. Escreveu mais de 400 livros, não só de ficção como também de divulgação científica: química, física, astronomia, antropologia, história, etc. Em várias áreas o escritor deixou sua marca até sua morte em 1992.
Com suas histórias de robôs, o Bom Doutor - como ficou conhecido pelos fãs - tentou modificar um pouco o modo como vemos esses seres artificiais. Até os anos 40, os autômatos eram vistos apenas como criaturas capazes de cometer atrocidades contra o ser humano, o que ele chamou de "síndrome de Frankenstein". Para modificar essa visão, criou a chamada "Três Leis da Robótica": "1ª lei: Um robô não pode prejudicar um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, a menos que contradigam a Primeira Lei. 3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei."
Isaac Asimov escreveu os contos reunidos no volume Eu, robô (Editora Aleph, tradução de Aline Storto Pereira) a partir dessas leis e suas implicações. O ano é 2057 e a Dra. Susan Calvin, uma senhora de 75 anos prestes a se aposentar, conta a um jornalista nove fatos sobre autômatos que ela presenciou ou ouviu durante toda a sua carreira, formando assim os noves contos do livro. Como robopsicóloga, sua função é analisar os problemas decorrentes dos conflitos entre as leis programadas nos cérebros positrônicos dos autômatos e que causam problemas a eles e aos humanos. Em "Mentiroso!", ela se depara com um robô que lê pensamentos. Questionada sobre algumas questões pessoais de alguns personagens, a criatura responde apenas o que as pessoas gostariam de ouvir, pois não quer magoá-las, de acordo com a Primeira Lei, o que ocasiona uma enorme confusão entre os personagens.
As histórias tratam de questões filosóficas como crenças, verdade, razão, ética e paradoxos. No conto "Razão", um robô que foi montado em uma estação espacial afirma que a Terra não existe. Os astronautas - Donovan e Powell, que aparecem em outras histórias também - mostram evidências, como a imagem do planeta no espaço, mas a lógica do seu cérebro programado não aceita, e ele diz que não foram eles, humanos primitivos, que o criaram, mas sim o Mestre. Acaba, por fim, liderando um movimento fanático religioso entre os outros robôs. Em "Andando em círculos" (conhecido em outras traduções como "Brincando de pique" ou "Círculo vicioso"), o paradoxo provocado pela terceira lei causa pane no cérebro do robô e o deixa "bêbado". Em "Robbie", o primeiro conto de robô escrito por Asimov, um autômato serve de babá e amigo para uma menina, e a mãe questiona até que ponto uma máquina pode substituir o ser humano no afeto e no convívio.
A coletânea é uma reflexão, no sentido mesmo de se olhar no espelho, pois as histórias dessas máquinas são uma alegoria da condição humana e sobre os limites do nosso conhecimento. Padeceremos ainda durante muito tempo ainda da síndrome de Frankenstein ou devemos ter medo é do próprio ser humano? Evoluiremos cientificamente ou iremos parar no tempo com medo de um castigo divino?
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Postado por Cassionei Niches Petry
19/12/2015 às 16h18
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Raio X de um poeta
"− Chegou o teu Troco poesia por dinamite aqui, Barata.
− Obrigado, amigo, espero contar com uma análise do livro.
− Veio com cheiro de cigarro e tudo. Vi também que eu apareço com meu depoimento sobre a tua obra.
− O livro tem cheiro de cigarro, é isso? Que comentário inusitado! Encare isso como algo pessoal meu. 'O cigarro é meu escarro'... rs.
− Quando abri o envelope senti o cheiro. Me senti próximo de ti, cara!
− Não foi proposital, mas é uma boa forma de encarar, rs. Essa é a vantagem e a desvantagem de receber livros que não são de editoras... Garanto que a Record ou qualquer outra grande não tem esse recurso... rsrsrsrs.
− Achei legal isso, é um bom ponto de partida para uma resenha. Tua vida está literalmente nos teus livros.
− Sim, sou transparente nisso, Cassionei. Vida e pensamento."
Tive esse diálogo com o poeta Barata Cichetto através da internet. É uma troca de ideias que se mantém há alguns anos, depois de tê-lo ouvido em uma web rádio declamando poesias e tocando rock de qualidade. A partir do nosso primeiro contato passei a receber a produção artística desse agitador cultural: livro de contos, fanzines, CD's de ópera-rock (em parceria com Amyr Cantusio Jr.), tudo produzido por ele em processo artesanal.
O obra que recebi com cheiro de cigarro foi o livro de poemas Troco poesia por dinamite, que traz na capa o Raio X do crânio do autor. Entramos, de certa forma, no inquieto cérebro do artista, que deixa expostos sua alma, seus ossos, sua mente imunda, pornográfica. É uma poesia para os fortes, que não ruborizam ao ler versos como os de "Uma senhora puta": "Lembro das fúnebres orgias de tempos de outrora/Nas ruas com nomes de putas, Augusta ou Aurora/Transando com cadáveres mornos de putas tortas/E sem perceber se eram putas ou se eram mortas."
Estes versos estão na primeira parte, chamada "Troco poesia por sexo", em que predomina uma literatura pornográfica, nua e crua, com sexo sem metáforas ou subterfúgios, como lemos em "Sacanas bacanas": "Enquanto te espero cansada do trabalho/Apanho, seguro firme e masturbo o meu caralho/Imaginando que quando entrares a porta da casa/Eu o enfiarei na tua buceta o meu pau em brasa."
Na segunda parte, "Troco poesia por dinheiro", notam-se poemas que falam das agruras do artista num mundo em que a poesia sofre resistência de quem só enxerga a realidade palpável: "Mas acontece é que ser poeta é o meu ofício/Ainda penso eu antes de me jogar do edifício/E o pedreiro ainda cheio de um ódio não secreto/Pensa: 'que merda é isso sujando meu concreto?'".
A parte 3, "Troco poesia por rock'n'roll", revela as influências musicais de Barata, com títulos e epígrafes que mencionam principalmente Patti Smith e Lou Reed. Gostei de "Misanthropía (hoje não tem Rosa de Hiroshima)", que glosa Vinícius de Moraes e a banda Secos e Molhados: "Que se dane o poeta e sua cirrose, foda-se Hiroshima/Pois não me importa se o fim do mundo se aproxima/E se em rotas hereditárias e inexatas de radioatividade/A humanidade afundará na merda da própria vaidade.".
A parte 4 recebe o nome do título do livro e retoma todos os temas anteriores. Em "Carta aos poetas modernos", temos um longo poema que critica os artistas "vigaristas", "hipócritas", "moleques em fraldas, catarrentos, ofendido", "tolos esses que se definem como poetas revolucionários". Em "A poesia ou a vida!", Barata maldiz a própria "poesia que me arranca os olhos da cara/Me rói os ossos, chupa minha carne e mata minha tara." É ela, portanto, que deixou o poeta no estado em que é estampado na capa: só osso, não há mais pele. É o retrato 3x4 mais fiel da identidade do Barata.
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Postado por Cassionei Niches Petry
14/12/2015 às 14h49
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Direita, esquerda, dois lados da mesma moeda
Por pura coincidência, leio dois livros de escritores com posições políticas bem distintas: Abelardo Castillo, que é de esquerda, e Nelson Rodrigues, de direita. Do primeiro, leio Diarios — 1954-1991, e do segundo, me debruço sobre O óbvio ululante — primeiras confissões. Em ambas as obras, por serem confessionais, os autores revelam suas ideologias abertamente. Não é, porém, sobre elas que quero escrever, mas sim sobre certo patrulhamento que noto nas redes sociais sobre o que se deve ler ou não.
Quem é de esquerda, por exemplo, critica quem lê autores como Luiz Felipe Pondé. Já me chamaram a atenção por ter postado uma frase dele, dizendo algo como "não acredito que você lê esse cara!". Do lado da direita, nunca fui abertamente questionado, mas indiretamente noto pessoas considerando gente do calibre de José Saramago como péssimo escritor só por ele ter sido comunista.
Por estas e por outras é que eu me afasto cada vez mais de ideologias, pelo menos tento me manifestar o mínimo possível sobre elas. Sigo e tenho como "amigos" nas redes sociais gente de todos os lados, indo dos mais radicais aos mais moderados e tiro algo de bom de suas postagens. Se nada me acrescentam, deixo de seguir o sujeito, mesmo que permaneça "amigo" dele.
Hoje é um desses dias em que as postagens beiram ao ridículo, pois há manifestações a favor do impeachment da presidente Dilma em várias capitais. De um lado, gente que tenta de todas as maneiras diminuir a relevância dos protestos; de outro, gente que tenta de todas as maneiras mostrar que algo inútil (pois acabei me convencendo de que qualquer tipo de protesto leva do nada a lugar nenhum) tem adesão de uma parcela significativa da população. É um show de falácias e incoerências que não têm tamanho, por isso me distancio de tudo isso e não tomo partido de lado nenhum. Já cantavam os Engenheiros que esquerda e direita são iguais e que Fidel e Pinochet tiravam sarro da gente.
Sou alienado? Talvez. O alienado é aquele que enxerga apenas o seu próprio mundinho como o verdadeiro e despreza o mundo dos outros. Eu enxergo apenas o meu mundo, no entanto fico apenas indiferente aos dos demais. Sou alienado na medida em que me sinto um alien que recém-chegou a um planeta confuso. Para entendê-lo, procuro uma biblioteca e leio os livros que poderiam me dar uma resposta, porém me trazem mais questionamentos e, por isso, não tenho tempo para ter certezas, muito menos tempo para convencer os outros de que minhas certezas são as certas.
Por isso vou continuar lendo escritores e filósofos de esquerda ou direita. Leio Márcia Tiburi e Olavo de Carvalho, Graciliano Ramos e Vargas Llosa, ouço Chico Buarque e Lobão. Não me interessam suas ideologias, mas sim o que criam e a capacidade que eles têm de me fazer questionar a realidade, cada um a sua maneira.
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Postado por Cassionei Niches Petry
13/12/2015 às 18h21
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Muito além da tela
O jardineiro Chance viveu durante toda a sua vida morando e trabalhando em uma casa, de onde jamais lhe fora permitido sair. Tinha como distração apenas uma TV com controle remoto, à frente da qual passava boa parte do dia. Não sabia sequer ler e escrever. Para ele, a realidade se resumia ao velho dono da casa, que como pagamento pelos serviços lhe dava de presente suas roupas usadas, mas de grife; à empregada, que lhe servia o almoço; e à televisão, que lhe mostrava o mundo "além do jardim". Agora, com a morte do velho, é expulso pelos herdeiros e se vê obrigado a conhecer o outro lado do muro.
O início do romance O vidiota (Ediouro, 112 páginas), escrito por Jerzy Kosinski nos anos 70, lembra a "Alegoria da caverna", de Platão. Na história do filósofo grego, homens acorrentados desde tempos imemoriais viam sombras projetadas no fundo de uma caverna, produzidas por uma fraca luminosidade vinda da entrada. Quando um deles consegue se soltar, descobre que o que viam não era a realidade, mas a aparência dela. Chance, por sua vez, continuou a achar que "tudo o que via fora dos limites da casa se assemelhava ao que havia contemplado na televisão." Na adaptação para o cinema (que no Brasil recebeu o título de Muito além do jardim), cujo roteiro foi do próprio escritor, há uma cena que não consta no romance. Chance, vivido pelo ator Peter Sellers, ao pedir informações para um grupo de menores delinquentes, reagiu de uma forma inusitada quando um deles acionou um canivete automático na sua frente: tirou o controle remoto que levava no bolso e apertou os botões, como se tentasse trocar o canal que não lhe agradou.
Depois de ser atropelado sem gravidade pela limusine de uma mulher rica, o jardineiro, é apresentado ao círculo dos grandes empresários e economistas de um país em crise financeira como se fosse um homem rico, devido às suas roupas. Perguntado sobre o que acha da situação, ele responde: "Em um jardim, há uma estação para o crescimento das plantas. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, a primavera e o verão voltam. Enquanto as raízes não forem cortadas, tudo está bem, e tudo continuará bem." Um assombro! De um dia para o outro, Chance passa a ser conhecido internacionalmente pelas suas metáforas inteligentes, é convidado para entrevistas e inclusive é citado em um pronunciamento do presidente do país. Repetindo inocentemente gestos e falas que via na televisão, se torna uma das pessoas mais influentes do mundo, mesmo sendo analfabeto, simbolizando, talvez, muitos políticos e empresários que galgam postos importantes mesmo tendo pouco estudo.
Mas a comparação que me vem à mente é do protagonista com o telespectador brasileiro. Este tem opinião para tudo, mesmo conhecendo superficialmente sobre o que vai falar, pois apenas reproduz o que seu formador de opinião preferido na TV afirma. Seja o jornalista que fica durante todo o seu programa berrando, seja a apresentadora dondoca que nunca saiu do seu estúdio, ou ainda o autor da novela das oito, o brasileiro reserva a eles um altar na estante de sua casa. Pena que esses deuses televisivos defendam a pena de morte, o ódio ao semelhante, o julgamento sem provas, a crença em milagres e em soluções fáceis. Faz falta um controle remoto para trocar essa falsa realidade de forma definitiva, substituindo as sombras projetadas na tela pelas cores vivas da realidade. Ou, melhor ainda, pelo preto e branco das páginas de um livro como esse de Jerzy Kosinski.
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Postado por Cassionei Niches Petry
11/12/2015 às 15h44
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Conheça Carácolis (parte 1)
Carácolis é um país perdido no continente antártico, num lugar cujo relevo tem todas as condições necessárias para a sobrevivência. Ignorado até há bem pouco tempo pelo resto do mundo, tornou-se conhecido depois que passou a exportar caracóis, tornando-se a principal economia da nação.
"Não é mol a casca del caracol" é o primeiro verso de seu hino. A língua oficial é uma mistura de espanhol e português chamada enrolês. Falam devagar, assim com são umas lesmas quando se trata de trabalhar. O produto de exportação, portanto, não poderia ser outro, afinal não dá muito trabalho criá-los.
O regime político é o presidencialismo de casca, que funciona da seguinte forma: o povo elege o governante que, por sua vez, refugia-se na sua casa, uma espécie de caverna em forma de concha de caracol. De lá, executa as leis escritas nas paredes pelos antepassados que, dizem, teriam vindo de um país da América. De vez em quando o presidente, atualmente uma presidenta, põe a cabeça para fora para ver se está tudo tranquilo. Como nunca está, refugia-se de novo e convida seus correligionários para comemorar o sucesso do governo.
Conta-se que a atual governante foi proibida de falar em público, pois se enrolava muito mais do que o próprio enrolês que já é enrolado. A população, por sua vez, também evita falar e prefere se comunicar com celular, uma das poucas invenções do exterior que deram certo em Carácolis. A escrita, no entanto, me pareceu mais enrolada ainda. Conseguem complicar e tornar mais ilegível o que já é complicado e legível. Dizem, porém, que conseguem se comunicar e é o que importa.
Há controvérsias quanto à origem do nome do país. Numa pouco frequentada biblioteca, livros enrolados como os antigos papiros nos contam duas versões. Uma, a que me parece mais óbvia, diz que o nome deriva, por suposto, do plural de caracol. Outra versão, mais mitológica, diz que os primeiros habitantes teriam chegado numa espécie de canoa plana, sem remo (acredito que seja uma prancha de surfe) e, quase mortos de frio, ao verem a beleza e a singularidade do lugar, exclamaram "caraca!".
"Caraca!" exclamei também eu (na verdade não foi bem essa a expressão que usei) quando fui assaltado em plena rua. Nisso eles são ligeiros, ah! como são! Mas isso é um assunto para um próximo relato, se não roubarem meu notebook.
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Postado por Cassionei Niches Petry
5/12/2015 às 12h30
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Paródia, paráfrase & cia.
Mentiram-me,
mentiram para mim e para o Affonso
mentiram amanhã, hoje e ontem
mentem e metem
mentiras na cabeça da gente.
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Postado por Cassionei Niches Petry
4/12/2015 às 15h56
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Discurso de formatura do Ensino Médio
(Discurso elaborado para a solenidade de formatura do Ensino Médio do Colégio Luiz Dourado, de Santa Cruz do Sul, RS, representando os paraninfos. É o texto mais visitado (chegando a 20 mil visualizações) e plagiado do meu blog "Cassionei lê e escreve".)
Prezado Diretor, prezadas Vice-diretoras e demais membros da equipe diretiva; representantes da CRE e do Conselho Escolar; professores e funcionários do Colégio Estadual Prof. Luiz Dourado; formandos, pais, familiares, amigos e fantasmas que habitam este antigo auditório: saudações minhas e dos demais paraninfos.
"Lutar com palavras é a luta mais vã/ Entanto lutamos, mal rompe a manhã", escreveu Carlos Drummond de Andrade. Chamo o poeta porque ele sempre me ajuda a iniciar um texto quando tenho dificuldade de encontrar o que dizer - dificuldade, neste caso, provocada pela emoção e também pela responsabilidade a que fui incumbido. Mesmo lutando todos os dias com as palavras, como professor e escritor, sou um eterno aprendiz. Aliás, estamos sempre aprendendo. Nós, professores, buscamos todos os dias novos conhecimentos para transmitir aos alunos e também para realização pessoal. Jamais paramos. Vocês, formandos, passaram boa parte de suas vidas na sala de aula aprendendo conosco. Agora que estão concluindo o Ensino Médio, não significa, logicamente, que não tenham mais nada para aprender. Usando o velho clichê (e este pequeno discurso vai estar repleto deles), isso é só o começo. Alguns vão para a universidade e, inclusive, já passaram no vestibular, motivo pelo qual damos os parabéns. Outros, procurarão o curso técnico em Hospedagem do colégio Luiz Dourado, uma das grandes conquistas do nosso educandário nesse ano de 2012. Há aqueles que querem descansar um pouco e refletir sobre o que fazer. Também há os que já têm alguma profissão e não pretendem continuar os estudos, mas com certeza precisarão se especializar nela em algum momento.
É a escola da vida, meus caros (não disse que este discurso estaria cheio de clichês?). Se na aula de matemática 2+2=4, na matemática da vida 2+2 pode ser zero, 1, 2, 3, 4, 5 e depois ser multiplicado por netos e bisnetos; se na aula de física aprendemos que estamos firmes no chão devido à lei da gravidade, na física da vida podemos voar; se na aula de geografia uma sequência de montanhas se chama cordilheira, na geografia da vida uma sequência de montanhas são os obstáculos que temos que vencer; se na aula de química aprendemos que água e óleo não se misturam, na química da vida um metaleiro pode se apaixonar por uma pagodeira; se na aula de biologia aprendemos que o cérebro é que comanda nossas emoções, na biologia da vida é, na maioria das vezes, o coração quem manda; se na aula de português aprendemos que o verbo amar é um verbo transitivo direto e pronominal, no português da vida o verbo amar não obedece nenhuma regra; se na aula de literatura o romantismo foi um período estético do século XIX, na literatura da vida podemos ser românticos em todas as épocas; se na aula de educação física corremos atrás de uma bola, na educação física da vida precisaremos de fôlego para correr atrás dos objetivos; se na aula de filosofia aprendemos o cogito de Descartes, "penso, logo existo", a filosofia da vida vai nos dizer "luto, logo existo"; se na aula de sociologia estudamos o que é uma classe social, na sociologia da vida trabalhamos para passar de uma classe social a outra; se nas aulas de espanhol e inglês aprendemos as ditas línguas estrangeiras modernas, a vida nos faz aprender o internetês, o politiquês e a tomar cuidado com as más línguas; se na aula de história aprendemos como a humanidade foi sendo construída durante os séculos, na vida aprendemos a construir a nossa própria história.
Diz um dos versos da música "Playground", da banda inglesa XTC: "Você pode deixar a escola, mas ela nunca deixa você". No nosso caso, é o colégio que nunca vai sair de dentro de você. E isso posso garantir por experiência própria, pois também fui aluno do Luiz Dourado. Os ensinamentos que tive no colégio me ajudaram a ser o que sou. Tenho certeza de que vocês jamais esquecerão o que aprenderam. E se esquecerem, serão apenas as coisas que deveriam ser esquecidas.
Prometi que isso seria apenas um resumo das dezenas de páginas que poderiam durar horas para serem lidas, como os discursos de certo ditador latino-americano. Vocês já estão cansados de nos ouvir todos esses anos e agora querem comemorar. Mas lembrem que os professores, tanto os calmos como os irritados, os quietos e os faladores, os legais e os chatos, enfim, todos eles, torcem para que as sementes lançadas gerem bons frutos. Essa etapa é apenas o primeiro degrau da imensa escadaria que os fará chegar ao êxito nas suas escolhas. E para fechar esse amontoado de clichês, lá vai o último: apertem os cintos, pois o avião vai decolar. Boa viagem.
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Postado por Cassionei Niches Petry
1/12/2015 às 11h25
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A descida ao eu
(Texto originalmente publicado em 30 de junho de 2010 na minha coluna no jornal Gazeta do Sul.)
A frase que intitula esta resenha sintetiza o romance do século XX, segundo o escritor argentino Ernesto Sabato, que completou 99 anos no dia 24 de junho. A Argentina é um país que pode não ter o melhor futebol do mundo (apesar do título eminente), mas possui a melhor literatura, pelo menos na humilde opinião de quem escreve estas linhas, pois é o berço de Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e tantos outros. Não estranhe, caro leitor, se em plena Copa do Mundo estou neste espaço elogiando "los hermanos". Não podia, porém, deixar passar a oportunidade de escrever sobre um grande escritor e sobre um livro que me tirou algumas noites de sono.
Sabato foi um grande físico, chegando a trabalhar no Laboratório Curie, em Paris. Nos anos 40, depois de questionar esse mundo tão racional — que lhe provocava, segundo suas palavras, "um vazio de sentido"—, abandonou a ciência para se dedicar à literatura e à pintura. Publicou livros de ensaios e romances, pouco em quantidade — só três romances —, mas de uma qualidade incontestável. Destaca-se nesse conjunto a obra-prima Sobre heróis e tumbas, lançado em 1961 e com edição recente no Brasil pela editora Companhia das Letras, com tradução de Rosa Freire d'Aguiar.
O romance é dividido em quatro partes, mas antes há uma nota, supostamente tirada de um jornal de Buenos Aires, pela qual ficamos sabendo que Alejandra matou seu pai, Fernando Vidal Olmos, e depois ateou fogo no próprio quarto, se suicidando. Na primeira parte, "O dragão e a princesa", passamos a conhecer melhor essa impressionante personagem a partir das percepções de Martín, jovem que se apaixona por ela. Misteriosa, imprevisível e de personalidade forte, Alejandra só não é mais estranha do que os parentes que habitam a casa, gente ligada à antiga aristocracia argentina, cujos antepassados participaram da luta pela independência do país. Esses antepassados podem ser os heróis do título no que seria uma interpretação político-social da obra, colocando Alejandra como metáfora para a própria Argentina. Prefiro, no entanto, a chave mais existencial, sendo que o título dessa primeira parte nos leva a esse sentido. Seria o dragão Martín e a princesa a Alejandra? Ou seria a jovem uma princesa-dragão, soltando fogo através de suas duras palavras?
Na segunda parte, "Os rostos invisíveis", a história se desenvolve com mais comentários sobre a história da Argentina, inclusive sobre a era peronista, as paixões anteriores de Alejandra e aparece pela primeira vez Fernando Vidal Olmos, esse o rosto invisível em boa parte do enredo, mas que começa a se revelar. É dele o manuscrito que seria encontrado posteriormente no quarto incendiado e que corresponde à terceira parte, talvez a mais perturbadora de todo o enredo: "Informe sobre cegos".
O texto é uma narrativa enigmática, que reflete a mente perturbada de Fernando em sua tentativa de encontrar a Seita dos Cegos. Percorre, inclusive, os esgotos subterrâneos de Buenos Aires, como a descida de Ulisses ao Reino de Hades em busca das respostas do cego Tirésias, contada na Odisseia, de Homero. Paradoxalmente, busca a luz nas trevas. Na verdade, a busca representa a jornada nas tumbas da nossa mente, por isso as menções ao sexo desenfreado, aos canalhas de todas as estirpes, ao lixo produzido pelo homem. Tudo alegorias das questões morais do ser humano. Mais do que isso eu não falo sobre o "Informe". Leia-o. Repito, leia-o. E mais uma vez: leia-o, mesmo que seja só essa parte. Vai te deixar perturbado durante dias, mas é esse o objetivo de todas as grandes obras literárias.
O romance se encerra com "Um Deus desconhecido", que retrata os acontecimentos depois da tragédia relatada na nota policial do início. Também ficamos sabendo mais sobre a vida de Fernando Vidal Olmos. Vidas particulares e pátria se mesclam a partir de justaposições de imagens do passado e do presente, tanto dos personagens como da própria Argentina.
Tudo se conclui e nada se conclui. O Absoluto continua desconhecido, as trevas continuam trevas, os rostos continuam invisíveis e não descobrimos se a princesa é mesmo o dragão. A única certeza é de que o leitor terminará a leitura com a mesma sensação que teve Martín depois de ver Alejandra pela primeira vez: "já não era a mesma pessoa de antes. E nunca mais voltaria a sê-lo."
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Postado por Cassionei Niches Petry
26/11/2015 às 14h44
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Ode ao indivíduo, ódio ao coletivo
Ayn Rand (1905-1982), filósofa norte-americana de origem russa, escreveu toda obra literária — que inclui A nascente e A revolta de Atlas — para propagar sua filosofia, que se destaca, entre outros temas, pela crítica ao comunismo. Talvez por isso ela tenha se tornado mentora dos neoliberais e sua obra é desprezada pela intelectualidade, cuja maioria é de esquerda.
O romance Cântico, publicado em 1938 e recém-lançado por aqui pela Vide Editorial (com tradução de André Assi Barreto), é ambientado numa sociedade no futuro em que foram abolidas as palavras "eu" e "tu", bem como tudo que se refere à primeira e à segunda pessoa do singular. Em quase todo o romance, menos nos capítulos finais, os personagens falam no plural. Diz o protagonista no seu diário: "Nosso nome é Igualdade 7-2521, como está escrito no bracelete de ferro que todos os homens usam em seus pulsos esquerdos. Temos vinte e um anos." Tudo é decidido pelos conselhos e o lema é: "Somos um em todos e todos em um. Não há homens, mas somente o grande NÓS. Uno, indivisível e para sempre." Nesse ponto, há semelhanças com uma das obras fundadoras da literatura distópica, o romance Nós, do também russo Yevgeny Zamyatin, que certamente deve ter inspirado a escritora.
Trabalhando como varredor, de acordo com a ordem do Conselho de Vocações, Igualdade 7-2521 encontra um túnel onde há objetos abandonados, entre os quais lápis e papéis que o permitem escrever o diário. Por acaso, descobre a eletricidade e consegue acender uma lâmpada. Notem que ele não conhecia esse processo, visto que na sociedade em que vive a luz é proporcionada apenas por vela. Seria a luz na escuridão do túnel a metáfora da busca pelo conhecimento? Ele leva a lâmpada para o Conselho dos Estudiosos, mas é condenado por ter feito uma descoberta sozinho, pois nada realizado fora do coletivo deve ser aceito. Ao tentarem prendê-lo, ele escapa para um bosque, junto com Liberdade 5-3000, uma campesina por quem era apaixonado.
Um dos momentos mais interessantes acontece quando os dois encontram uma casa no final do bosque. Acham-na diferente de todas as outras: é pequena, com apenas uma cama em um quarto, visto que estavam acostumados com dormitórios coletivos. Uma das salas, porém, mudaria suas vidas: "Encontramos uma habitação com paredes feitas de estantes, que continham fileiras de manuscritos desde o piso até o teto. Nunca havíamos visto tal quantidade, nem de uma forma tão estranha. Não eram leves nem estavam enrolados, tinham capas duras de tecido ou coro; as letras de suas páginas eram tão pequenas e parelhas que ficamos assombrados com estes homens que tinham tal caligrafia. Demos uma olhada e vimos que estavam escritos em nossa língua, mas encontramos muitas palavras que não podíamos entender. Amanhã começaremos a ler estes escritos."
Eles desconheciam os livros, mas não a língua. E na leitura encontraram a palavra proibida: EU. Os capítulos finais justificam o título, pois o protagonista, que passa a se chamar Prometeu — o mortal que na mitologia grega roubou o fogo dos deuses e o entregou aos homens, causando a fúria de Zeus — escreve, agora na primeira pessoa do singular, um hino ao indivíduo. Eis um trecho: "Qualquer que seja o caminho que tome, a estrela que me guia está em mim; a estrela e a bússola que assinalam o caminho apontam somente em uma direção. Apontam até mim."
Nossa sociedade não é muito diferente da descrita por Ayn Rand: ouvimos frases como "tudo pelo social" ou "temos que pensar no coletivo"; os governos criam conselhos reguladores; os livros como fonte de conhecimento estão sendo abandonados; falar em nome de uma coletividade é visto como atitude de grandeza; e em uma dissertação de mestrado, por exemplo, não é aconselhável o uso da primeira pessoa do singular. Pelo menos nós ainda temos liberdade de nos expressarmos individualmente, mesmo correndo o risco de sermos taxados de reacionários ou insensíveis. Não concordam CONOSCO?
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Postado por Cassionei Niches Petry
17/11/2015 às 17h04
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A engenharia de Murilo Rubião
O oroboro é uma serpente mítica, ou um dragão, que morde sua própria cauda, formando, assim, um círculo. Não confundir com o cão que tenta morder comicamente seu próprio rabo. Aqui, a simbologia é a do eterno retorno, da circularidade do universo e da sua criação. O crítico Jorge Schwartz apontou esse mito como chave para a obra de Murilo Rubião. A julgar pela republicação de sua Obra completa (Companhia das Letras, 232 páginas), os mesmos 33 contos que ele vinha durante toda sua vida escrevendo e reescrevendo — e pela temática de boa parte deles — a analogia é mais do que justificada.
Para nos guiar na leitura de alguns contos do escritor mineiro, usarei as letras da banda Engenheiros do Hawaii, cuja capa de um dos discos estampava a imagem do oroboro. Os versos de Humberto Gessinger servirão como epígrafes, assim como Rubião colocava frases bíblicas antes de seus textos.
"Há tantos quadros na parede, há tantas formas de se ver o mesmo quadro" (Ninguém = ninguém)
Murilo Rubião nos oferece em sua curta obra uma vasta possibilidade de leituras. Um crítico pode analisar os contos sob um enfoque religioso, provocado pelas epígrafes. Pode também fazer uma leitura psicanalítica, visto que os personagens passam por situações oníricas, cuja simbologia deixaria um discípulo de Freud ou de Jung num paraíso. Não se pode descartar também uma abordagem mítica ou então sociológica. A análise filosófica também tem seu lugar, pois os personagens estão sempre questionando sua existência. Em "O ex-mágico da Taberna Minhota", o protagonista, perguntado sobre como conseguiu tirar o dono de um restaurante do próprio bolso, diz: "O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a menor explicação para sua presença no mundo?". De qualquer forma, os elementos do gênero fantástico utilizados pelo autor causam um estranhamento que tira o leitor da realidade cotidiana, mas para fazê-lo ver o quão absurda é essa mesma realidade.
"Quando eu vivia e morria na cidade" (Infinita highway)
O livro inicia com um conto que nos joga de cara com o insólito. Em "O pirotécnico Zacarias", mesmo depois de narrar sua própria morte, o morto não sabe se realmente passou dessa para melhor, pois conversa tranquilamente com os jovens que o atropelaram numa estrada, chegando até a sair para se divertir com eles. Sem saber qual seu destino, apenas observa as pessoas da cidade que olham assustadas para ele, os vivos que "respiram uma vida agonizante".
"Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem" (A revolta dos dândis)
O questionamento do "estar-no-mundo" coloca Murilo Rubião lado a lado com os filósofos existencialistas. "A cidade", por exemplo, lembra o romance A peste, de Albert Camus. No conto, um viajante chega de trem a uma cidadezinha e, depois de fazer algumas perguntas, é preso. No texto do escritor francês, é a peste bubônica que impede um jornalista — portanto um perguntador profissional — de sair da cidade de Oran, sendo que a doença seria a metáfora para a ocupação nazista. Na narrativa muriliana, os poderosos, com medo de um possível conspirador, detêm o homem, devido à sua curiosidade. O texto nos faz refletir sobre a alienação, palavra que vem de alienígena, que, por sua vez, significa estrangeiro. Portanto, é o medo do desconhecido, ou seja, do saber. As pessoas do lugar preferem a ignorância. "Casas vazias", responde o funcionário da estação ao ser perguntado pelo viajante se existiam belas mulheres na cidade.
"Além do mito que limita o infinito" (Guardas da fronteira)
Mitos gregos e bíblicos são a referência em contos como "Teleco, o coelhinho" e "O edifício". No primeiro, um coelho se transforma em vários seres, retomando o mito de Proteu, que se metamorfoseava para fugir dos homens que não compreenderiam as verdades ditas nas suas profecias. No segundo, um prédio fica durante anos em construção, pois teria ilimitado número de andares, tal qual a Torre de Babel da Bíblia, que atingiria o céu, não fosse a proibição divina. João Gaspar, antigo diretor das obras, vê a inutilidade do projeto e tenta parar a construção, mas seus discursos são alvos de deboche. Seria ele a representação dos "limitadores" do conhecimento ou dos que nos mostram o saber com algum sentido?
"É preciso saber de tudo e esquecer de tudo" (Realidade virtual)
Para ler Murilo Rubião precisamos deixar de acreditar nas coisas reais e passar a ver tudo pelos olhos da fantasia. Devemos acreditar em dragões na nossa garagem, em coelhos que falam, em pessoas que depois de ficar tão magras se tornam quase invisíveis até desaparecerem completamente, em mulheres que engravidam todos os meses, etc. Depois disso, devemos enxergar nos contos uma alegoria dessa mesma realidade esquecida e assim refletirmos sobre o absurdo desse mundo real. O círculo do oroboro se fecha quando vemos a realidade por trás, para dominá-la. Só não podemos, claro, nos deixar ser engolidos por ela.
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Postado por Cassionei Niches Petry
15/11/2015 às 09h33
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