Tendo escrito o argumento e/ou roteiro e obtido as autorizações necessárias, é o momento de se dedicar à pré-produção. Nesta etapa, você analisa o roteiro e organiza como se dará a filmagem das cenas; raramente o que vemos na tela corresponde à ordem em que realmente as cenas foram filmadas. O mais comum é ordenar as cenas em função da disponibilidade de locação - digamos que parte da história se passe num hotel; dificilmente há como manter uma equipe de filmagem por semanas a fio em um estabelecimento comercial que esteja funcionando, isso atrapalharia o dia-a-dia do hotel e atrasaria bastante as filmagens. Num caso assim, o hotel, ou a parte dele necessária para o filme, fica à disposição da equipe durante um período X de tempo (horas, ou dias, ou semanas, enfim, o que for combinado) e nesse período todas as cenas que tenham o hotel como locação deverão estar filmadas. Outras variáveis a considerar é a agenda dos profissionais envolvidos - os atores, por exemplo, podem estar participando na mesma época de outro filme, ou de peça teatral, ou ainda de alguma novela ou série. Enfim, é durante a pré-produção que se procura esquematizar o plano de filmagem, ou seja, um cronograma elaborado de modo que se possa fazer a filmagem otimizando ao máximo os profissionais envolvidos e os recursos necessários, levando em conta os recursos disponíveis.
No caso de documentários, o plano de filmagem tem mais a ver com o agendamento das entrevistas; de todo modo, o plano é menos rígido do que o de um filme de ficção, porque nem sempre ao início da produção de um documentário o diretor sabe exatamente quantas pessoas serão entrevistadas, e onde as gravações irão ocorrer. Mesmo no caso de um doc como Edifício Master, de Eduardo Coutinho, que se passa todo dentro de um prédio de Copacabana. A equipe alugou um apartamento no edifício, permanecendo lá durante um mês, e a filmagem aconteceu em apenas 7 dias, ouvindo 37 moradores.
FILMAGEM
Muitas vezes o projeto do filme já está roteirizado e pré-produzido, porém não começa a ser filmado de imediato em função da busca de recursos para a produção do filme. Talvez aqui esteja a maior diferença entre filmes realizados com o apoio de grandes companhias e o cinema independente. Cineastas independentes costumam financiar seus filmes das mais diversas formas: ou com suas próprias economias, ou recorrendo a empréstimos de parentes, ou através de campanhas de financiamento coletivo (também conhecidas pelo nome em inglês crowdfunding), ou ainda inscrevendo o projeto em editais (falaremos mais detalhadamente sobre editais no capítulo 5). Em função disso, pode acontecer de um filme independente ter sua produção iniciada sem que se tenha em mãos todo o valor necessário para sua conclusão.
No cinema independente é comum que a equipe utilize os equipamentos que cada um tem à disposição, como câmeras digitais, tablets e mesmo celulares (já até festivais dos quais só podem participar filmes gravados em celulares e tablets). Havendo dinheiro em caixa, é possível alugar equipamentos, com ou sem os respectivos técnicos, para a realização das filmagens.
Todo filme, seja curta, média ou
longa-metragem, documentário ou ficção, com alto, baixo ou nenhum orçamento,
começa com uma ideia. Você tem uma
ideia que quer compartilhar com as outras pessoas de forma audiovisual, e a
partir daí mobiliza outras pessoas para que colaborem com você nessa
empreitada. O cinema é por definição uma arte coletiva — claro que nada impede
que você filme apenas aspectos da natureza (por exemplo, um canteiro de flores
num parque público de sua cidade, ou as travessuras de seu gatinho dentro de
casa), edite e publique isto na internet, sem a interferência de mais ninguém.
Mas se não houver a participação de outras pessoas, nem que seja assistindo, qual
o sentido em se fazer um filme?
A ideia é apenas isto, uma ideia.
Para se transformar em filme, ela primeiro deve poder ser expressa de forma
clara e concisa, de modo a poder ser facilmente entendida por qualquer outra
pessoa. Digamos que você queira adaptar a peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare, ambientando a ação no Rio
de Janeiro nos dias atuais. Essa frase que acabei de escrever — "adaptar a peça
Romeu e Julieta, de William
Shakespeare, ambientando a ação no Rio de Janeiro nos dias atuais" — já serve
para transmitir a ideia. Essa frase concisa que descreve brevemente a ideia
para o filme é ora chamada de sinopse,
ora de storyline.
Há quem diferencia sinopse de
storyline, como o roteirista Doc Comparato, em seu livro Da Criação ao Roteiro: "a story line representa o quê (o
conflito-matriz escolhido), a sinopse representa o quando (a temporalidade), o
onde (a localização), o quem (as personagens) e, finalmente, o qual (a história
que vamos contar)".
O passo seguinte é elaborar o argumento, que, no entender de Garcia
Filho, é "a verdadeira base de todo o filme", acrescentando que "por argumento,
se compreende o conjunto de ideias que serão desenvolvidas no roteiro. Ele tem
a ação delineada, bem como a sequência, personagens e locações. Normalmente não
tem diálogos e sua narrativa é pobre". Seu tamanho é variável; enquanto uma
convenção de Hollywood estipula que uma página de argumento equivale a dez
páginas de roteiro, o crítico Inácio Araújo afirma que "normalmente são
utilizadas de duas a quatro páginas para indicar as linhas gerais da história
que será tratada: o que acontece, o porquê e quem são os personagens."
Já o roteiro é um texto com a sequência detalhada das cenas do filme, na
ordem em que serão apresentadas ao espectador, contendo indicações de cenários,
horários em que as cenas se passam, personagens (com atitude corporal e
entonação a usar nas falas, se necessário) e os diálogos completos —
basicamente, o roteiro pode ser considerado "o filme por escrito".
Para exemplificar melhor as
diferenças entre argumento e roteiro, vamos ver trechos que correspondem à
sexta cena do filme Cidade de Deus,
de Fernando Meirelles e Kátia Lund, cujo roteiro foi escrito por Bráulio
Mantovani:
Argumento:
Pelas
ruas da Cidade de Deus Cabeleira, Alicate e Marreco fogem da polícia. Eles
percorrem algumas ruelas, trocam de roupa e correm até o campinho onde fingem
jogar bola com os meninos.
Roteiro:
6 EXT.
RUAS DO CONJUNTO - DIA
Cabeleira,
Alicate e Marreco correm, perseguidos de perto, por um POLICIAL que dá tiros
para o alto. Eles riem. E também atiram para o alto.
BUSCA-PÉ
(V.O.)
O Trio
Ternura não tinha medo de ninguém.
Nem da polícia...
Eles achavam que a Cidade
de Deus
era deles. Mas tinha um monte de
bandido
que achava a mesma coisa. Naquele
tempo, a
Cidade de Deus ainda não tinha
dono.
Os
bandidos se metem pelas ruelas do local.
MONTAGEM
cria a sensação de labirinto: o Policial nunca sabe para onde ir.
Os
bandidos param um instante. Tiram as camisetas vermelhas, jogando-as por trás
do muro de uma casa. Todos agora estão de camiseta branca. Eles continuam
correndo até o...
Há uma
importante diferença a respeito de roteiro quando o filme a ser produzido for
um documentário. Num filme de ficção, você primeiro estrutura toda a história
no papel para só depois filmá-la. Num documentário, você trabalha inicialmente
com sinopse e argumento, e aí já parte para produzir a filmagem e filmar. Após
a filmagem, você assiste o material captado, fazendo a chamada "decupagem" (ou
seja, você anota o que foi gravado e transcreve as falas) e só então escreve o
roteiro, que será utilizado nas etapas de montagem e pós-produção.
AUTORIZAÇÕES
Fazer
cinema envolve, em algum momento, a necessidade de obter autorizações de outras
pessoas. Vamos ver os principais casos:
- você
precisa obter autorização para adaptar obrade outra pessoa.
Fernando Meirelles e Kátia Lund precisaram obter de Paulo Lins a autorização
para transformar o romance Cidade de Deus
em filme. Já uma adaptação de qualquer peça de Shakespeare pode ser feita
livremente, pois o autor é falecido há mais de 70 anos, prazo após o qual tudo
o que alguém tenha produzido passe ao domínio público. Durante o período entre
a morte de um autor e a entrada de sua obra no domínio público, a autorização
deve ser obtida junto aos herdeiros. Geralmente a autorização é concedida por
um prazo determinado, ao fim do qual, se o filme não foi ao menos iniciado, o
diretor perde o direito a adaptar a obra para o cinema, e o autor pode vender
os direitos para outro produtor.
- você
precisa obter autorização para utilizar obra de outra pessoa. Por
exemplo, para utilizar uma música na trilha sonora de seu filme, ou ainda um
poema ou qualquer texto que não seja seu e que não faça parte da obra cujos
direitos foram adquiridos. Em relação a música, caso ela tenha mais de um
autor, a contagem dos 70 anos para entrada em domínio público só inicia após a
morte do último parceiro. Por exemplo: "Carinhoso" é de Pixinguinha e João de
Barro. Pixinguinha faleceu em 1973 e João de Barro em 2006. Portanto,
"Carinhoso" só passará ao domínio público em 2077 (a liberação se concretiza em
1º de janeiro do ano seguinte ao que se completam as sete décadas do
falecimento). Até lá, a inclusão de "Carinhoso" em filme precisa ser autorizada
pelos herdeiros de ambos os autores. A inserção de cenas de filmes brasileiros
feitos há mais de 70 anos independe de autorização, bem como o uso de textos de
autores falecidos há pelo menos 70 anos. Obras de autores estrangeiros podem
ter prazos maiores de proteção aos direitos autorais, pois cada país é livre
para fixar o período que quiser, desde que nunca menos de 50 anos, prazo
estabelecido pela Convenção de Berna.
- você
precisa obter autorização para usar a imagem das pessoas. É o chamado
"direito de imagem". Em cinema, esse direito está mais ligado a documentários —
todas as pessoas que irão dar depoimento precisam assinar um documento
afirmando que autorizaram ser filmadas. Não é necessário obter essa autorização
quando a filmagem for feita em local público, ou em evento aberto ao público.
- você
precisa obter autorização para usar o nome das pessoas. Isso pode
acontecer, por exemplo, se você quiser adaptar uma biografia. Digamos que você
queira filmar um trecho do livro de memórias Antes que me Esqueçam, de Daniel Filho. Depois de obter a
autorização do autor para a filmagem, você teria que buscar a autorização de
cada pessoa real citada por Daniel no livro que vá se tornar um personagem do
seu filme — é um caso semelhante ao do uso de obra alheia: as autorizações
referentes a pessoas já falecidas devem ser obtidas com seus herdeiros, com o
detalhe de que neste caso não existe o prazo de 70 anos que há em relação ao
direito autoral. O direito de imagem é um direito moral, e não prescreve, ou
seja, nunca tem fim.
- você
também irá precisar de autorização para filmar em imóveis de outras pessoas,
sejam casas, empresas, terrenos, fazendas etc. — enfim, todo e qualquer lugar
onde você não poderia entrar livremente. Filmar na rua, praia, praças, parques,
estradas, rios, lagos etc. independe de autorização.
A partir de hoje, passo a publicar em capítulos semanais, como se fosse um folhetim, o meu novo pdf, Cinema Independente, texto que escrevi para ser usado nas aulas da minha Oficina de Cinema Independente. Casualmente, a primeira edição da Oficina foi realizada em setembro de 2015 em Jequié, cidade baiana vizinha a Vitória da Conquista, terra natal de Glauber Rocha, cineasta de quem tomei emprestada uma famosa frase para ser a epígrafe deste material. Como eu ressaltei já na abertura da aula inaugural, é evidente que não coloquei a frase em função disso, e sim pela importância, no cinema brasileiro e mundial, de Glauber Rocha, que sempre se definiu como um cineasta independente.
***
INTRODUÇÃO
Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça
(Glauber Rocha)
Glauber Rocha (foto: Branca Dias)
Até não muito tempo atrás, produzir um filme era um privilégio reservado a quem possuía muito dinheiro, ou conseguia atrair investimentos de terceiros em volume suficiente para custear sua produção. Entre os motivos estava o alto custo dos equipamentos necessários, inacessíveis ao cidadão comum.
Se por um lado equipamentos profissionais utilizados em filmes como Star Wars e Jurassic World continuam fora do alcance dos bolsos da maioria da população mundial, por outro lado a boa notícia é que, a partir do surgimento da fotografia digital e da popularização dos celulares e smartphones com câmera, todos nós passamos a ter no bolso uma ferramenta capaz de filmar em alta definição. É claro que para muitos é mais que o suficiente postar o que filmaram em alguma rede social e mostrar apenas para os amigos. Mas por que não investir um pouco mais de tempo, usando um notebook e alguns programas que podem ser baixados legal e gratuitamente da internet (opções que também estão ao alcance da maioria de nós), e ter um produto em condições de ser exibido em cineclubes e participar de festivais de cinema?
Neste texto, compartilho com os inscritos em minha Oficina de Cinema Independente e demais interessados no assunto minha experiência com a realização de meus curtas-metragens da série As Tias do Marabaixo. Fico feliz em poder informar que a realização da primeira edição da Oficina de Cinema Independente, na cidade baiana de Jequié, em setembro de 2015, já rendeu a realização de meu sexto curta-metragem, Você é África, Você é Linda, meu primeiro filme de ficção.
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CINEMA INDEPENDENTE
Conceito
São considerados independentes os filmes produzidos sem o apoio ou o financiamento de um grande estúdio de cinema. Geralmente se tratam de filmes com baixo orçamento, com distribuição limitada a poucas salas de cinema (no caso de longas-metragens). Outra característica importante é a maior liberdade para a expressão artística do cineasta.
Evidentemente, há exceções para os itens citados acima. Vários filmes premiados com o Oscar recentemente eram originalmente produções independentes, que ao receber a estatueta atraíram o interesse de grandes distribuidoras. Podemos citar os casos de Cisne Negro, produção norte-americana de 2008, Quem Quer Ser um Milionário?, filme inglês do mesmo ano, e O Lado Bom da Vida, filme americano de 2012. Até o Brasil está nesta lista, com a co-produção com os Estados Unidos O Beijo da Mulher-Aranha, de 1985, indicado a quatro Oscars (incluindo uma vitória) e vencedor do Independent Spirit Award de Melhor Filme Estrangeiro.
Em relação a orçamento, o filme independente mais caro já produzido foi O Fantasma da Ópera, de 2004. A produção custou 96 milhões de dólares, bancada pelo dramaturgo Andrew Lloyd Weber, autor da adaptação teatral que estreou na Broadway em 1986 e segue em cartaz até hoje. Após o filme ter sido concluído, a Universal comprou seus direitos de exibição.
História: O Cinema Nasceu Independente
Costuma-se pensar no cinema independente como um gesto de rebeldia dos realizadores contra os grandes estúdios, na intenção de terem maior liberdade para fazerem seus filmes da forma que quiserem. Esta imagem é correta, mas o fato é que o cinema não começou com os grandes estúdios. O cinema nasceu independente.
Na primeira sessão de cinema da História, em 28 de dezembro de 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière exibiram em Paris dez filmes que eles próprios haviam feito com seu cinematógrafo, um aparelho portátil que filmava, revelava e projetava. Eram filmes curtos, de 40 a 50 segundos cada, retratando cenas como a saída dos operários da fábrica Lumière ou a chegada de um trem à estação. O novo invento logo atraiu o interesse do mágico Georges Méliès, que adquiriu um aparelho semelhante, fabricado na Inglaterra, começando a fazer filmes de ficção, inclusive com os primeiros efeitos especiais.
A primeira sessão de cinema no Brasil aconteceu em 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, promovida pelo exibidor itinerante belga Henri Paillie, que projetou oito filmes de cerca de um minuto cada, retratando cenas pitorescas do cotidiano de cidades europeias. Em 19 de junho de 1898, o italiano Afonso Segreto realiza a primeira filmagem em nosso país, registrando a entrada da Baía de Guanabara. O irmão de Afonso, Pascoal Segreto, inaugurara no Rio no ano anterior, em 31 de julho de 1897, a primeira sala brasileira de cinema, o Salão de Novidades de Paris, que sempre incluía em sua programação filmes nacionais, a maioria filmados por Afonso Segreto.
David W. Griffith
Estúdios - Inicialmente uma atração exótica, com filmes curtos, em geral documentários, exibidos em feiras e eventos em geral, o cinema foi rapidamente evoluindo, passando a ter filmes ficcionais de durações maiores e atrair o interesse do público e de investidores. Fazer um filme passou a ser uma operação gradativamente mais complexa em termos de material utilizado, pessoas envolvidas e consequentemente maior investimento financeiro, além da necessidade de um lucro considerável a cada lançamento para manter a estrutura funcionando. Isso levou a criação, principalmente nos Estados Unidos, de uma série de estúdios, a partir da Paramount, em 1912; no ano seguinte, surge a Fox, seguindo-se a Metro (1915), a Goldwin (1916) e a Columbia (1919), entre outros. A maioria dos novos estúdios era localizada em Hollywood, um distrito de Los Angeles, Califórnia, que, após ter sido usado pelo diretor David W. Griffith como locação de seu filme In Old California (1910), produzido pela American Mutoscope and Biograph Company, começou a ser procurado por diversos produtores de Nova York, interessados em criar lá os seus estúdios de filmagem, atraídos pelo clima quente o ano todo, com baixo índice de chuvas. Logo depois, a Primeira Guerra Mundial (1914-18) acabou indiretamente contribuindo para firmar a posição de Hollywood no cenário mundial, ao praticamente paralisar a produção europeia no período; mesmo que alguém conseguisse produzir algum filme na Europa, não teria como exportar em meio à guerra.
Curiosamente, aquele que ajudou a firmar Hollywood como a meca do cinema americano acabou também sendo um dos primeiros profissionais de sucesso a buscar atuar de forma independente: Griffith rompeu com a Biography em 1913, devido ao fato da companhia ser contrária ao investimento em longas-metragens, um formato que já se firmara na Europa a partir de dois sucessos italianos de proporções mundiais - Quo Vadis (1913) e Cabiria (1914). Além de a Biography não concordar em investir o valor que um longa exigia,e não querer dar crédito a diretor e elenco, usava ainda um argumento que hoje soa ridículo - seus executivos acreditavam que filmes muito longos podiam machucar os olhos dos espectadores...
Foi através de sua nova empresa, David W. Griffith Corp, que Griffith lançou seu filme seguinte, o longa O Nascimento de uma Nação (1915), que o consagrou como um dos criadores da linguagem cinematográfica (honra que divide com o russo Sergei Eisenstein). Griffith também participou, em 1919, da criação da United Artists, ao lado de nomes como Charles Chaplin e Douglas Fairbanks, grandes astros descontentes com a forma como eram tratados pelos estúdios. Além de produzir, a UA também distribuía filmes de realizadores independentes, inclusive as primeiras produções de Walt Disney.
O Brasil também teve seus grandes estúdios, na primeira metade do século 20, com destaque para três empresas: a Cinédia, fundada em 1930, a Atlântida, criada em 1941 e famosa pelas chanchadas (comédias musicais que geralmente traziam os sucessos carnavalescos de cada ano) e a Cia. Cinematográfica Vera Cruz (1949-54), que investiu em dramas históricos. A Vera Cruz chegou a produzir um sucesso internacional, O Cangaceiro (1953), premiado em Cannes, mas não conseguiu gerar recursos suficientes para se manter produzindo (em parte por erros administrativos tais como a venda dos direitos de exibição de O Cangaceiro para a Columbia Pictures, fazendo com que a Vera Cruz nada recebesse pelas exibições em 80 países - só na França o filme ficou cinco anos em cartaz).
A chamada "política dos estúdios" de Hollywood dominou a cena norte-americana até a virada das décadas de 1960/70, quando realizadores da Costa Leste, como Francis Ford Coppola, Robert Altman e Martin Scorcese rompem com a estética e os padrões dominantes até então na indústria.
Paralelamente, o surgimento de novas tecnologias a partir dos anos 1950 como o filme 16mm, o Super-8, o videocassete e, mais recentemente, os equipamentos digitais, permitiram que cada vez mais pessoas possam realizar e difundir seus próprios filmes, tirando dos estúdios o monopólio de contar histórias através de imagens em movimento.
Durante boa parte do século 20 a produção independente teve dificuldades para ser vista pelo grande público, em termos mundiais. O surgimento dos grandes estúdios de Hollywood, aliada à consolidação das distribuidoras, acostumou o público a um padrão de excelência técnica que só era possível atingir com os equipamentos que apenas os estúdios possuíam. Se com as filmadoras portáteis qualquer pessoa passou a ser um cineasta em potencial, por outro lado a concentração do mercado exibidor de filmes nas mãos de poucas distribuidoras, aliadas aos interesses dos grandes estúdios, tornava virtualmente impossível a filmes independentes ganharem as telas dos cinemas, ao menos em escala comercial. Os festivais acabaram sendo uma janela para esta produção começar a vir a público; a partir dos anos 1970, vários festivais passaram a ter mostras inteiramente dedicadas a filmes em Super-8. O aprimoramento das câmeras digitais, a partir dos anos 1990, fez com que pela primeira vez desde o surgimento do cinema sonoro, no final da década de 1920, o cidadão comum tivesse em mãos equipamentos similares aos usados pela grande indústria, tornando possível produzir, mesmo domesticamente, filmes com qualidade técnica compatível com as exigências do mercado.
Na semana que vem, vamos falar de roteiro e filmagem.
Cuiabá - A viagem para divulgação do projeto As Tias do Marabaixo junto a entidades culturais que possam vir a contratar a mostra das fotos e dos curtas-metragens se aproxima do final. Saí de Macapá em junho, logo após as comemorações do Dia Estadual do Marabaixo (16 de junho) e devo estar de volta para o Encontro dos Tambores (segunda quinzena de novembro).
Na viagem, passei inicialmente por Belém, Palmas, Paraíso do Tocantins (onde fiz a primeira mostra do projeto fora do Amapá), dali seguindo para a Bahia, onde planejava ficar 3 semanas e acabei permanecendo 3...meses. A estada prolongada na chamada "Boa Terra", além de muito agradável em termos pessoais, também me ajudou a dar uma nova cara ao projeto. Foi em Salvador que estruturei uma nova atividade cultural, a minha Oficina de Cinema Independente, onde divido com os participantes minha experiência em ter realizado os curtas d'As Tias, falando sobre cinema independente, montagem e finalização, festivais de cinema e mercado exibidor. (Em função disto, esta coluna passa a falar também da circulação da Oficina, e por isto a mudança do nome.)
Chegando a Salvador em 24 de julho, de imediato contatei as Secretarias de Cultura, no âmbito municipal e estadual e obtive os contatos do principal SESC da cidade (o Sesc-Senac Pelourinho), que me informou que receberia projetos culturais apenas a partir de novembro. Da capital, portanto, eu poderia ir a Jequié, cidade próxima a Vitória da Conquista, onde já estava acertada uma exibição dos curtas, e dali seguir viagem para outros estados. A ida a Jequié, porém, teve algumas mudanças de data: seria em 6 de agosto, ficou para o dia 13 e, devido a uma paralisação de funcionários da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), acabou transferida para 11 de setembro. Essa pausa foi muito bem aproveitada, devo dizer: usei-a para estruturar o conteúdo da Oficina de Cinema, e já comecei a oferecer sua realização para diversas instituições culturais e também de ação social da Bahia. Também coloquei a Oficina à disposição da UESB, de modo que a ida a Jequié em setembro não era mais apenas para exibir os curtas, mas também para realizar na cidade a primeira edição da Oficina. Lá, entre os dias 11 e 13 de setembro, exibi os curtas-metragens d'As Tias do Marabaixo pela primeira vez fora da região Norte, e aproveitei para rodar mais um curta com temática negra e feminina: Você é África, Você é Linda, lançado no YouTube em outubro. Meus agradecimentos à direção da UESB e a Selma de Oliveira, que fez a produção local da Oficina e também atuou no meu novo curta.
De volta a Salvador, optei por ficar mais um mês, a fim de contatar instituições dos dois campos (social e cultural) que pudessem se interessar tanto pelo projeto Tias do Marabaixo quanto pela Oficina de Cinema. Aproveitei também alguns eventos, como o seminário Juventude Negra de Terreiro - Desafios do Mundo do Trabalho, realizado no Centro Cultural da Câmara de Salvador em 25 de setembro, para divulgar as duas iniciativas.
Quando minha estada se aproximava do final, tive uma agradável surpresa: a Diretoria de Bibliotecas Públicas do Estado da Bahia, um dos órgãos da Secretaria Estadual da Cultura, me convidou para apresentar o projeto na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, no bairro dos Barris. Trata-se da mais antiga biblioteca do Brasil, em funcionamento ininterrupto desde 1811. A princípio, os curtas seriam incluídos em uma das sessões regulares de cinema promovidas pela Biblioteca, programada para o dia 14 de outubro. Mas a direção da Dibip optou por fazer um evento especificamente para mostrar na capital baiana as fotos e os curtas d'As Tias do Marabaixo, no dia 13 de outubro, o que muito me honra e mostra o respeito que esta instituição cultural baiana tem pelo projeto que divulga a cultura popular do Amapá. Na foto que abre o post, vemos alunas do Colégio Estadual Senhor do Bonfim, de Salvador, visitando a exposição de fotos, montada no corredor da Biblioteca. No espaço para perguntas, após a exibição dos filmes, os jovens baianos se mostraram curiosos sobre se haveria presença de culto aos orixás do Candomblé nas festas de Marabaixo (ao que respondi que não, o Ciclo do Marabaixo festeja o Divino Espírito Santo e a Santíssima Trindade).
Não há como descrever a minha satisfação ao ouvir estes adolescentes nordestinos se dizendo encantados com a vitalidade de Tia Zefa. Ou definindo como "divo" o chapéu que Tia Chiquinha costumava usar. Ou ainda cantando, ao sair da sala de projeção, o refrão da música que faz parte do curta que homenageia Tia Biló: É de manhã, é de madrugada...
Nesta reta final da viagem, com tempo menor de permanência nas etapas seguintes (Goiânia e Cuiabá, onde me encontro), estou priorizando os contatos com as instituições culturais,
mas ainda devem acontecer apresentações do projeto em Rondônia (a confirmar) e Roraima nas próximas semanas. Informarei assim que puder!
No dia 22 de julho, realizei em Paraíso (TO) a primeira mostra do projeto As Tias do Marabaixo fora do Amapá. O evento aconteceu na Oficina Geral, a convite do gestor do espaço, Cláudio Macagi. O público que compareceu (numa data em que a Oficina abriu especialmente para o evento, já que não funciona regularmente às quartas no mês de julho) pôde conferir a exposição com 18 fotos do making-off do doc As Tias do Marabaixo e assistir aos cinco curtas-metragens já lançados.
Falei um pouco sobre o projeto antes da projeção dos curtas. No debate que se seguiu à exposição, algumas pessoas destacaram pontos que viam em comum entre o Marabaixo e outras manifestações culturais brasileiras de matriz africana, e manifestando sua admiração por conhecer mais sobre a cultura negra do extremo Norte do Brasil.
Agradeço a Cláudio Macagi o convite para realizar o evento em seu espaço, e também expressar minha gratidão aos amigos André Donzelli "Porkão" pelo apoio em minha estada em Palmas, e a Eduardo Mesquita e Pedro Fernandes pelo "help" na minha breve passagem por Goiânia (cerca de 12 horas, período que decorreu entre minha chegada vindo de Belém e minha partida para Palmas). Do Tocantins, segui para a Bahia, continuando a viagem de divulgação do projeto.
Estou em Belém, primeira etapa de minha viagem para divulgação dos curtas-metragens da série As Tias do Marabaixo. Os cinco filmes serão exibidos no final da próxima semana na Mostra Mutum, festival de culturas populares e música instrumental realizado em Taquaruçu, próximo a Palmas, capital do Tocantins.
Nos últimos dias em Macapá antes da viagem, participei do lançamento da Campanha de Reconhecimento e Valorização da História do Marabaixo, a convite de Elísia Congó, presidente da Federação Folclórica do Amapá. Elísia é filha de Dica Congó, nome histórico do Marabaixo da Favela, e ano passado foi uma das festeiras do Ciclo do Marabaixo, inclusive boa parte do meu longa-metragem foi rodado em sua casa.
Elísia Congó
Elísia teve uma ideia tão simples quanto genial: confeccionou cartazes com dizeres alusivos ao Marabaixo, para que as pessoas pudessem se fotografar com eles e postar estas imagens nas redes sociais, usando a hashtag #CampanhadeValorizacaodoMarabaixo. Estivemos em escolas, universidades, emissoras de rádio, bares e diversos outros locais públicos, registrando bastante adesão e compartilhamento. Inclusive três das Tias do Marabaixo aderiram à Campanha.
Tia Zefa
Tia Zezé
Natalina
A foto de Natalina foi feita na Assembleia Legislativa do Amapá, logo após a sessão solene do Dia Estadual do Marabaixo, na manhã de 16 de junho. A data foi criada em 2010 por iniciativa do deputado estadual Dalto Martins, já falecido, e cujo nome hoje batiza o plenário da Assembleia. Os grupos presentes aproveitaram para protestar contra a atitude de um delegado de polícia de Macapá que havia, dias antes, mandado interromper uma festa de Marabaixo alegando o alto volume do equipamento de som que estaria sendo utilizado - sendo que todas as casas que sediam festas do Ciclo obtém previamente alvará junto à Prefeitura para a realização do evento.
À noite, diversos grupos de Marabaixo finalizaram os festejos do Dia Estadual com um grande Marabaixão no barracão Tia Gertrudes, no bairro da Favela.
A campanha de valorização continua. Elísia continua levando os cartazes a eventos - o mais recente foi a passagem do ministro da Cultura, Juca Ferreira, por Macapá, para inaugurar a nova sede da superintendência do Iphan no Amapá, no dia 25 de junho.
Você também pode participar da campanha - basta confeccionar seu cartaz de apoio ao Marabaixo, produzir uma selfie e postar nas redes sociais com a hashtag #CampanhadeValorizacaodoMarabaixo .
Na noite de 5 de junho, sexta-feira passada, aconteceu a exibição pública dos cinco curtas que compõem a série As Tias do Marabaixo, durante a segunda edição, no Bar do Nêgo, do Projeto Vitrola Cultural, coordenado pela socióloga Patrícia Pinheiro e que conta com os DJs Ronnie Santos, Flávio Gutembergue e Jader Roots; o projeto visa resgatar a cultura de ouvir música em vinil, e também abre espaço para outras manifestações culturais. Em plena orla de Macapá, a poucos metros do rio Amazonas, o maior rio do mundo, quem esteve presente pode ver, pela primeira vez num único evento, a série completa (os curtas já haviam sido exibidos em dois eventos do grupo poético Pena e Pergaminho, sendo três num evento e dois no outro). Não tenho palavras para expressar minha satisfação e alegria com o convite e mais ainda com a efetiva exibição. Naturalmente, por se tratar de uma apresentação num bar - espaço onde exibições de filmes são raras -, o nível de atenção foi bem diverso do que observei quando da mostra nos encontros do Pena e Pergaminho: enquanto algumas pessoas simplesmente ignoravam os filmes, houve quem levantasse da cadeira e começasse a dançar! Um momento muito feliz que aconteceu quase no encerramento, perto de 1h da manhã, quando começamos a exibir o curta final, Tia Zezé no Encontro dos Tambores.
Exibição do curta Tia Chiquinha
Sei bem que ainda não se inventou um modo de medir a felicidade. Mas também tenho a plena certeza de que mais feliz ainda foi não um momento só, mas uma noite inteira, pouco mais de três semanas antes da noite citada acima. Me refiro à noite de 13 para 14 de maio, a Quarta-Feira da Murta do Divino Espírito Santo. Apenas duas das casas que celebram anualmente o Ciclo do Marabaixo em Macapá comemoram a Quarta da Murta do Divino, ambas no bairro do Laguinho - a Casa do Mestre Pavão, sede da Associação Folclórica Marabaixo do Pavão, e o Centro Cultural Tia Biló, da Associação Cultural Raimundo Ladislau. O motivo é que estas duas casas homenageiam igualmente o Divino Espírito e a Santíssima Trindade, enquanto as outras casas (Barracão Tia Gertrudes e Associação Zeca e Bibiana Costa, ambas no bairro da Favela, e Herdeiros do Marabaixo, do distrito de Campina Grande) festejam apenas a Santíssima Trindade.
Quem acompanha o projeto As Tias do Marabaixo sabe que meu intuito é homenagear cinco senhoras negras que são consideradas memórias vivas do Amapá: Tia Zefa, Tia Chiquinha, Tia Biló, Natalina e Tia Zezé. Diante, porém, do ocorrido na Quarta da Murta do Divino na sede da Associação Raimundo Ladislau, eu não pude deixar de me sentir homenageado também. Nesta noite, a convite de minha amiga Laura do Marabaixo, neta da Tia Biló, os banners com as fotos da minha exposição "As Tias do Marabaixo" ficaram expostos durante todo o tempo da festa (ou seja, de 18h até o amanhecer, praticamente 13h). Mais que isso: as fotos foram dispostas de modo a estarem no centro da roda formada pelos dançarinos de Marabaixo, que assim faziam a festa em volta das imagens que retratavam a própria festa! Com toda a certeza foi um dos momentos mais felizes de toda a minha vida. :)
O Ciclo do Marabaixo 2015 encerrou neste domingo, 7 de junho, com a derrubada dos mastros nas cinco casas que celebram anualmente a Santíssima Trindade e o Divino Espírito Santo. Na próxima semana, acontece na Praça da Bandeira programação alusiva ao Dia Estadual do Marabaixo (16 de junho). Depois disso, sigo para algumas semanas em Belém, a caminho de Taquaruçu, distrito de Palmas, onde os cinco curtas serão exibidos no Cine Mutum, evento paralelo ao Mutum - 1ª Mostra de Música Instrumental e Cultura Popular do Tocantins, que acontece de 10 a 12 de julho. O caráter alternativo das exibições relatadas neste texto também se estende à viagem: pretendo percorrer vários estados com a exposição e os curtas evitando o uso de avião sempre que isso seja possível - vou de Macapá para Belém de navio, e de lá para Palmas de ônibus (no caso, indo primeiramente do Pará para Goiás, e de lá pro Tocantins).
Em 15 de setembro de 2014, foi inaugurada no Amapá Garden Shopping, em
Macapá, minha primeira exposição individual de fotos, intitulada As Tias
do Marabaixo. Durante uma quinzena, os visitantes do local puderam ver 16
fotos minhas retratando Tia Chiquinha, Tia Zefa, Natalina, Tia Zezé e Tia Biló,
então os maiores nomes vivos do Marabaixo (Tia Chiquinha veio a falecer
recentemente, em 18 de fevereiro). Até o final do ano passado, a exposição
percorreu algumas escolas da capital e permaneceu 10 dias na Galeria de Arte do
Museu Fortaleza de São José - nem em sonho eu imaginei que um dia meu trabalho
estaria exposto num prédio histórico do século 18! Neste 13 de maio, 127 anos da Abolição da Escravatura, a exposição volta a ser exibida ao público, em outro lugar da maior importância: a casa onde viveu Mestre Julião Ramos, pioneiro do Marabaixo do Laguinho e pai de Tia Biló.
Tia Chiquinha (de chapéu) e
Tia Zefa (com o microfone)
O projeto, porém, é bem
mais abrangente (talvez o termo certo seja "ambicioso") do que apenas uma
reunião de fotos - creio que basta dizer que as imagens expostas foram
selecionadas de um total de mais de 3.600... Boa parte delas foi captada
durante as filmagens de entrevistas com as senhoras citadas, e também em festas
do Ciclo do Marabaixo 2014. O material filmado dará origem a um documentário de
longa-metragem e cinco curtas, cada um deles dedicado a uma das entrevistadas.
O primeiro curta, Tia Zefa no Dia da
Consciência Negra 2014, foi lançado em 26 de fevereiro, dia em que a
homenageada completou 99 anos. O quinto e último curta, em homenagem a Tia Zezé, foi lançado em 21 de abril. Já em relação ao longa não há como fixar uma data no
momento. Classifiquei o projeto como "ambicioso" em virtude das outras ações
previstas - além da exposição e dos filmes (e de uma coleção de camisetas temáticas), pretendo lançar dois
livros, um com uma seleção de fotos, outro com a íntegra dos depoimentos
captados, isso sem falar no lançamento, é claro, dos próprios filmes, curtas e
longa, em DVD.
A ideia do filme começou
a nascer em 8 de maio de 2013, quando, levado pela cantora Patrícia Bastos,
estive na festa da Quarta-Feira da Murta do Espírito Santo nas duas casas do
bairro do Laguinho que a celebram: primeiro fomos à casa da Tia Biló, passando
depois rapidamente pela sede do Grupo do Pavão, onde Patrícia me apresentou à
Tia Chiquinha. A festa, o ambiente, a sensação de estar presenciando uma
tradição viva e muito rica, sem similar com nada que eu já houvesse visto em
minhas andanças pelo Brasil, me animaram a pensar numa série de entrevistas com
estas senhoras que dedicaram sua vida ao Marabaixo, ajudando desta forma a
preservar e difundir suas lembranças. Inicialmente, porém, eu planejava fazer
as entrevistas em áudio, para veiculá-las em meu blog Som do Norte. Felizmente minha amiga Andreia da Silva Lopes,
sobrinha de Tia Zefa, sugeriu que eu captasse o material em vídeo. "Sendo
assim", respondi, "não tem porque restringir o material ao meu blog. Vamos
fazer um filme logo duma vez!". Entrei em contato com a Graphite Comunicação,
que recentemente lançara um clipe de animação de "Mal de Amor", e acertamos
nove dias de gravação durante o Ciclo do Marabaixo de 2014. A primeira gravação
foi no Curiaú, uma entrevista com Tia Chiquinha, em 7 de maio, praticamente um
ano após a noite em que nos conhecemos.
Depois ouvimos, pela ordem, Tia Zefa,
Natalina, Tia Zezé (com quem gravamos numa noite de Marabaixo no Barracão
Gertrudes Saturnino, no antigo bairro da Favela, hoje Santa Rita) e Tia Biló;
além de quatro noites de festa, cobrimos também o Cortejo da Murta, que reúne
grupos de Marabaixo de Macapá e cidades vizinhas, que vão da orla do Rio
Amazonas até a Igreja de São José para buscar a bênção para os brincantes do
Marabaixo. Esta tradição, interrompida nos anos 1940 quando o padre Júlio Maria
Lombaerd impediu que os negros entrassem tocando caixa na igreja, foi retomada
em 2012. O último dia de filmagens no Ciclo, 27 de junho, coincidiu com a data
da festa pelos 94 anos de Tia Chiquinha (na verdade, completados na véspera). Posteriormente,
em novembro, registrei em foto e vídeo quatro dias do 20º Encontro dos Tambores
(foi dali, inclusive, que saiu o primeiro curta a ser lançado).
O primeiro semestre de
2015 será dedicado ao lançamento dos curtas e sua exibição, bem como a
continuidade da circulação da exposição, por instituições de ensino e espaços
culturais de Macapá, além, é claro, dos barracões onde se realizam os festejos
do Ciclo do Marabaixo. Para o segundo semestre, a intenção é, simultaneamente à
preparação do longa-metragem, circular com os curtas por festivais de cinema
Brasil afora.