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Domingo, 22/11/2015
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Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
 
Asas do desejo: ode a Wim Wenders - Filmes

Dos nimbos de Berlim, das alturas de Tóquio,
do azul sobre o Rio de Janeiro, de todos os céus,
vez por outra, tombam anjos desejosos
de humanidade.

Eles descem a corredeira do tempo.
Alguns se ferem. E toda paixão termina. E logo
se incendeia. Livre para o amor torna-se o corpo
ao momento da queda.

Os anjos saem mundo afora.
Sopram nossos ombros.
Apaixonam-se pelas trapezistas.
Nas bibliotecas, ao lerem a história do mundo,
surpreendem-se com a vida dos mortais:

Tantos séculos se passaram.
E não sabem o que é o tempo.
Pra que tantos escritos, se não conseguem
soletrar a vida?

Tentando entendê-los, atiro meu relógio
na lixeira. Eu, que também escrevo livros,
disponho-me então a gravar na areia o primeiro
verso de um poema inacabado:

Do amor, quisera eu


(Poema do livro VAZADOURO. São Paulo: Escrituras, 2011)

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
22/11/2015 às 09h47

 
Eles não usam black-tie - Filmes

Depois do filme, muita coisa de cinema
acontece no Café. Nos diálogos, a poesia envolvendo-se.
Ou reflexões sobre a vida vivida na tela e no dia a dia.

Imagens, pra quê te quero!

Depois do filme, não somos mais os mesmos.
Na tela e na cidade escrevemos novos roteiros.
Fazemos greve. Libertamos heróis. Iniciamos
viagens ao centro da terra e ao redor da sala.

Nos versos de antes,
ao pedir ao Prof. Sinigaglia que entrasse no meu roteiro,
logo lhe perguntei:

Eles não usam black-tie, você assistiu?

Antes da resposta, Gianfrancesco chega ao Café:

─ Olá, Guarnieri?

─ Não imaginei que a peça virasse filme.

Entre as paisagens italianas e as nossas
entreolham-se personagens, cenários e motivos.
E outros filmes. São Bernardo ressurge no mapa.

E na trilha sonora não cabe uma valsa vienense.



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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
14/11/2015 às 10h20

 
Monicelli e Os Companheiros - Filmes

Terminado o filme, também acontecem
coisas incríveis. Aquele autor que, da capa do livro,
acenou para mim e para Woody Allen
me aguardava no escada:
─ Tomamos um cafezinho?

Relembramos o cinema quando não tinha
efeitos especiais de bolas de fogo engolindo a Terra.

─ Ah! Imagens que atuam! Fotos que pensam!
─ Olhe, olhe, o palanque em frente à fábrica de tecidos.
─ Que fábrica? A do Noel Rosa? (perguntei)

Limpei os óculos. Na parede do Café, Monicelli
dirigia Mastroiani. Na pele do Prof. Sinigaglia,
o ator discursava no século xix em favor da greve
numa fábrica de tecidos na Itália.

Aquele autor que acenou para Woody Allen e para mim
pensa que é possível mudar o mundo. Foi com ele
que peguei essa mania. Imagino-me roteirista.

Na fábrica do Noel, entre o aviso dos três apitos,
sempre a postos o "gerente impertinente",
não teria sido diferente o trabalho.

─ Avanti, Professore Sinigaglia. Entre no meu filme.
Neste roteiro pode dar certo.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
7/11/2015 às 10h18

 
Um tango com Woody Allen - Filmes

Antes do filme, esperanças antecipam
personagens e aventuras. Apagam-se as luzes,
cortina ainda fechada, Woody Allen me convida:
Primeiro passo, senhora: caminada.

À cumplicidade da ternura, percorremos o mundo.
Em meu aprendizado das imagens benfazejas
minha infância numa cartilha portenha
ala abeja cielo flor pajarito
Santa Fe Esperanza Buenos Aires.
Também lá se fecharam certa vez todos os cinemas.

Antes do filme, eu e Woody Allen voamos dos Pampas
ao infinito. Mas agora é preciso voltar. Media vuelta.
Meia-noite, Woody?
Mas não estamos em Paris.

Antes do filme, dançamos na vitrine da livraria.
Da capa de um livro, velho autor acenou para nós.
Suas mãos não envelheceram, notei.
Paramos a dança. Inquieto, Woody me olha.
─ Recomecemos, senhora, primeiro passo:
caminada.

Meia-noite, Woody?
Mas estamos na América Latina.
Nas ruas da cidade, o dia deseja começar ileso.
Não consegue.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
31/10/2015 às 11h49

 
O espírito afro-latino na poesia de Nei Lopes

O espírito afro-latino na poesia de Nei Lopes, livro inédito de minha autoria, foi classificado em 2º lugar ─ Prêmio Vianna Moog ─ no Concurso Literário Nacional e Internacional da UBE / RJ — 2015.

Para analisar a poética de Nei Lopes no ensaio O espírito afro-latino na poesia de Nei Lopes, enfoquei ─ sob os ângulos estilístico e ideativo ─ o livro Poétnica (Mórula: 2014), que reúne conjunto de poemas escritos pelo autor no espaço de tempo que vai de 1966 a 2013, tendo como motivo central o culto à memória dos ancestrais africanos e a relevância da resistência cultural na África e na América Latina em oposição aos padrões ocidentais. Nesse enfoque, dei relevância aos temas e valores afetos à espiritualidade e aos saberes negro-africanos, com grandes incursões pelo Candomblé.

Visto que, segundo a tradição ancestral, o sagrado tangencia todas as atividades do cotidiano, não faltam à poesia de Nei Lopes visitações à ambiência relacionada à casa, à rua e à cidade. Em Poétnica, ao andamento dos poemas e dos versos, o canto sonoriza-se e transita pelas terras da África e da América Latina, com muitas passagens pelo Rio de Janeiro, cidade onde o poeta nasceu e lugar onde vive. E lugar em que, na cultura carioca, o povo vivencia na memória a grande Pequena África.

Na poesia de Nei Lopes, considerando-se o modo de composição do canto, bem como o desenvolvimento e o fluxo da temática, Poétnica configura-se uma epopeia ─ uma epopéia afro-latina a irmanar aqueles dois continentes. Caracterizado tal perfil poético, identifiquei nos versos do autor a presença das sonoridades ancestrais, registrando que é, exatamente, na entonação que se desvelam mistérios da palavra ritmada. Sonorizada e ritmada, a palavra na poesia de Nei Lopes animiza-se ao modo da oração e dos cânticos próprios da tradição oral negro-africana. Oralizantes e tangenciando o sagrado, as articulações e repercussões dos sons referendam memória, atuação, força e simbolismo do espírito negro-africano, seguindo eixo ideativo que acompanha outros textos literários e pesquisas do autor.

Importante assinalar que, realizada num poema escrito aos 13 anos de idade, a poesia revela-se a primeira forma de expressão literária de Nei Lopes. Sua produção poética teve continuidade em trabalhos publicados a partir de 1966 e eclode, na forma de letra, em "Figa de Guiné", canção gravada em 1972, quando passou a se dedicar profissionalmente às atividades de letrista e compositor. Entanto, em O espírito afro-latino na poesia de Nei Lopes,o cancioneiro do poeta não foi objeto de análise, à exceção de duas letras mencionadas ─ Afrolatinô e Samba de Eleguá ─ numa comparação com a poesia em virtude de semelhanças quanto ao mesmo eixo ideativo que percorre Poétnica numa reverência aos ancestrais atuando nesse canto.

De acordo com os princípios da ancestralidade, o sagrado e o profano são faces de uma mesma realidade que transita entre o visível e o invisível na contiguidade do Aiê e do Orum. Para melhor ouvir o canto afro-latino de Nei Lopes, realizei estudo comparado da sua poesia e da tradição oral a partir dos versículos referentes aos ensinamentos negro-africanos registrados em Kitábu — O livro dos saberes e do espírito negro-africanos, igualmente de autoria de Nei Lopes.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/10/2015 às 18h12

 
Numa xícara de cafezinho - Filmes

O saguão do cinema não é maior que o Universo
mas lá vivem objetos e pensamentos
que nascem na Ursa Maior. Por isso
antes do filme acontecem coisas incríveis.

Antes do filme, consegui provar no poema de antes,
boa parte do mundo cabe num saco de pipocas.

Antes do filme, numa xícara de cafezinho,
cabem também coisas incríveis. Cabe o rio Nilo.
Ih! Derramou um pouquinho de café na mesa.
E esse meu riozinho negro escorre pro chão,
desce as escadas, vai abrindo caminho,
atravessa a rua e não para de correr.

Muitas outras coisas cabem na xicrinha de café:
garrafa de whisky escocês
potinho de iogurte natural
antiga crônica de Rubem Braga
comprimido de Aspirina
amuleto contra mau-olhado.
E muito mais.

Antes do filme, muitas outras coisas
saem dessa xicrinha de café:
as chaves da casa. E rol de todas as coisas
que eu gostaria de ter feito na vida.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/10/2015 às 10h19

 
Antes do filme - Filmes

Antes do filme acontecem também
coisas fantásticas. Através cortina de vidro,
a praça vira um mar de árvores suspensas no ar.
No fundo d'água passam carros e pessoas.
A mulher de roupa azul entra no pet shop.
Tudo debaixo d'água.

Antes do filme acontecem muitas coisas.
No espaço de tempo de meia hora,
ninguém imagina o quanto pode caber num saco de pipocas:
cinquenta gramas de grãos que estouraram
quatro caroços de milho
quinze pessoas de calça jeans

minha jaqueta cinza com botões de couro
a poesia de Alexandra Pizarnik
o calendário da Mafalda de 2015
um samba de breque.
E tantas coisas mais.
Mas a sala de projeção já abriu.

No saco de pipocas cabe ainda muita coisa:
cento e cinquenta floquinhos com gosto de manteiga.
E bastante sal.

Será que vai chover depois do filme?

No saco de pipocas ainda tem espaço
para o guarda-chuva de bolinhas.

(Obs. Texto postado em 17/10/2015)

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
24/10/2015 às 09h12

 
Chaplin e Tempos Modernos - Filmes




Dos tempos modernos aos dias atuais,
o mundo não passa de grande estômago
cheio de espaços vazios. E o tempo retrocede
em busca dos pãezinhos dançantes
à mesa vazia.

Triturando desejos, as máquinas engolem o mundo.
Triturando corpos, as máquinas cospem objetos e moedas
que só circulam nos nichos da Terra.
À vertigem da utopia,
o andar de Chaplin entra em meu roteiro
para desengrenar o establishment.

Quando ele chega, antigos parafusos
desobedecem ordens e direções.
O chip e a fibra ótica ─ que ele não conheceu ─
saem-lhe dos bolsos para irmanar
homens, cidades e oceanos.

Acompanhando-lhe o andar,
os sapatos transgridem fronteiras.

E os pés do Vagabundo animizam solas caminhantes
entre os braços dos moinhos de ferro.

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
10/10/2015 às 14h33

 
Drummondiando Mário de Andrade

Antônio amava Judite, mas era noivo de Maria
que era amada por Juca:

─ Vestido azul! Estás linda, Maria.
─ Não preferes o rosa, Juca?
─ Azul no vestido. Rosa em teus lábios.
─ Antonio prefere me ver vestida de branco.
─ Por que sempre falas nele?
─ É meu noivo, como não falar?

Na mesma sala. O carrilhão toca seis vezes.
O céu escurece:

─ De vermelho, prima? Sinal de alegria?
─ Sim. Amanhã me caso e seguirei viagem com Antônio.
─ Não te verei mais?

Um ano depois, Maria retorna. Ansioso,
Juca espera um aceno amoroso. Na mesma sala,
hora do almoço:

─ O lilás te cai bem, Maria. Te aviva o semblante.
─ Sempre, reparas na cor das minhas roupas. Fetiche?
─ Não, o belo me atrai.

Dois anos depois. Hora da ceia. Maria vestida de preto.
Um licor após o cafezinho. Apaixonado por outra,
Juca se retrai.

─ Nada falaste do meu vestido, Juca?
─ Por que falaria? Enviuvaste?
─ No ano passado.

Juca não mais amava Maria, que agora amava Juca.
Apaixonado por Judite, Juca esquecera Maria
que no mesmo ano se casou com Simplício,
que só agora entrou nessa história de amor.

E o amor de antes ficou sem entender nada
dessa história antiga.

(Texto em torno do poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade, e do conto "Vestida de preto", de Mário de Andrade)

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
4/10/2015 às 11h50

 
Na Pavuna: o samba e a irreverência carnavalesca

Em Vila Isabel, volto a repetir, a fábula desenha o dia a dia. Almirante nasceu na Vila. Da Vila, outros bairros e cantares são parceiros, porque a poesia não mora numa torre de marfim. A poesia vai a todos os lugares. E, com ouvidos aguçados, o Almirante da Vila e Homero Dornellas foram ouvir a batucada no subúrbio distante, que inspirou o samba Na Pavuna, rememorado no estribilho:

"Na Pavuna
Na Pavuna
Tem um samba
Que só dá gente reiuna (...)."

Antiga região agrícola, a Pavuna nos dias atuais tem metrô, comércio em expansão e conjuntos residenciais. Conhecido e consagrado samba na memória de todos aqueles que cultivam esse gênero musical, Na Pavuna homenageia o bairro nos aspectos do primeiro quartel do século XX. Visitando a Pavuna de 1929, quando esse samba foi gravado pelo Bando de Tangarás, os autores destacam o malandro bamba, o lugar do samba e a batucada.

Nessa exaltação à Pavuna, Almirante e Dornellas rememoram naquele bairro a presença do povo com seus hábitos e costumes. Na Pavuna "Só nasce gente turuna", dizem os autores, porque lá, junto com o samba, tem muito mais a ser cantado. Lá se fixou a ancestral cultura africana:

Na Pavuna, tem
Canjerê também
Tem macumba, tem mandinga e candomblé.

Atentos à batucada, percebemos, nos versos e no ritmo, alusão à história daquele lugar, que no século xvi ganhou engenhos de cana de açúcar e, mais tarde, fazendas de café, tudo isso, relembre-se, com o trabalho dos africanos que deixaram também como herança espécie de transe rítmico:

"O malandro que só canta com harmonia,
Quando está metido em samba de arrelia,
Faz batuque assim
No seu tamborim
Com o seu time, enfezando o batedor (...)".

A Pavuna, que "tem doutor" de samba, espalhou pela cidade o espírito de arrelia na voz dos foliões. Tão forte, tão forte, a marcação do samba, que, no mesmo ritmo, o povo trocou a letra pra reclamar do governo que passara a cobrar pela utilização dos mictórios públicos. Nos idos de 1970, registrei depoimento de um professor, que afirmava ter visto certo bloco de sujo, na década de 1930, nas imediações da avenida Rio Branco, cantando assim o estribilho:

"Na cidade.
Na cidade.
Já se paga
Pra fazer necessidade."

Enxergando as verdades do carnaval, por certo os autores não ficariam zangados com tal substituição passageira da letra. Almirante e Dornellas ─ familiarizados com a irreverência carioca ─ certamente endossariam o protesto popular. E, com bom humor, apoiando a justa queixa, quem sabe até entrariam naquele bloco?

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Postado por Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
27/9/2015 às 11h07

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