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Domingo,
3/7/2016
Blog da Mirian
Mirian de Carvalho (e-mail: [email protected])
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Da razão do poema
Reconheço-me no instinto das marés
batizando-se a si mesmas.
Reconheço-me em mansas turbulentas águas
batizando-me a pele.
Renasço no inchado ventre da espera
gerando o desconhecido.
Ao sentido dos amores e desamores,
resguardam-me os motivos dos intervalos.
Se me perguntas pela flexão do verbo
ou pela razão do nome, enlaço-me
à caligrafia dos não ditos
dilacerando vozes.
Mas sob tal fúria
não há dor nem desatino.
Todo fragmento se torna epifania.
Antes da palavra, reconheço-me
antelinguagem matizando
orquídea e quaresma.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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3/7/2016 às 12h44
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Deus é brasileiro ─ (Filmes)
─ Procuro um santo terra adentro.
─ Vosmecê não tem medo desses cantos?
Deus é brasileiro.
Se assim diz a voz do povo, assim a voz Dele próprio
Mas Deus precisa de umas férias no céu estrelado
E desce aqui aos Brasis matados e desmatados
à procura de substituto.
Deus é brasileiro.
─ Vosmecê se batizou na igreja? Tem certidão de cartório?
Sua nacionalidade ─ Taoca e Madá não desmentem.
Das estradas d’água
aos caminhos de dentro,
só trabalho pesado.
Aqui tem luta de faca.
Tem tiro. Tem cafetão. Tem jagunço.
Tem emboscada. E tem coisa pior.
Deus coça a cabeça. Depois, dorme um pouquinho
E logo sai à procura de quem fique em seu lugar.
Sem saber que está diante de Deus, mais gente pergunta
─ Vosmecê não teme esses rios? Não teme traição?
Conhecendo bem o solo onde nasceu
Deus segue estrada, mas toma seus cuidados:
caminha como se pisasse em ovos
Ou nas nuvens.
Nessas andanças, Ele fica às vezes meio ressabiado
Pra reavivar o ânimo, toma banho de mar.
Passa em frente ao bordel e não joga pedra em ninguém.
Come jerimum.
Some no meio das águas.
Reaparece. E retoma a estrada:
─ E Vosmecê não tem medo de ir pra cidade?
Procurando um santo,
Deus encontrou um pescador
que achou e perdeu um amor.
Aí, Deus continuou fazendo seu trabalho
ressuscitou gente morta e reatou a paixão.
Mar adentro, a canoa abriga os enamorados.
O céu vira um mar de peixes miúdos girando
O mar vira um céu cheinho de estrelas girando
E o mundo gira com a rapidez de canoa mágica.
Deus é brasileiro.
Por aqui, cadê férias?
Deus decide então ficar na terra natal
Ele aprende o percurso dos redemoinhos
Precavido, não esquece o guarda-chuva.
E um dia, quem sabe, um fim de semana no Corcovado.
Férias pra quê?
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25/6/2016 às 12h07
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Da linguagem das águas
I
Ao delírio das minhas vísceras,
respondem os lábios
vertendo desejos.
Da linguagem das águas,
inaudível o rumor.
II
Em avanços cadenciados
ao motivo da fonte, apascento
o visitante com a ilusão
de saciedade.
Ao maior e ao menor
dos enganos, a hora do amor
não esconde ofegante
voz do recomeço.
Renovando-se, a vida
escava escava.
E autofecunda
vazios.
(Do livro Nada mais que isto)
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19/6/2016 às 11h13
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Indefinições
Ante o ermo das horas,
dos meus lábios flui aquilo que sinto.
Ou escondo.
Por isso reescrevo versos.
Por isso inicio diálogos com o desconhecido.
E a noite chega. E a casa dorme.
E no telhado repousam nuvens e teias.
E nas rosas de linha da cortina
sinto o perfume de flores vivas.
Mas a conjunção aditiva não ousa
sustentar palavra e carícia que,
do indefinido,
se façam completude.
E nada poderá conter o que findará
em cópula e beijo.
E assim a espera não se conclui.
A desfiar o tecido das vestes,
meu sangue flui.
Meu corpo estremece ante o desejo
de ser mensagem codificada.
Despojando-se à leitura.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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11/6/2016 às 12h27
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Mezuzá
Às mãos do pastor de ovelhas, grãos
de areia contavam estórias do cordeiro
imolado pelo Povo de Deus.
No lenho dos umbrais, balbuciando
cantigas dos antepassados da Torá
escrevi minhas preces.
Aos olhos de Shadai, construí minha
casa de pergaminho conduzindo-me
à memória do mar aberto.
Nos dois sentidos das portas, beijo
minha barca das preces e bênçãos.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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5/6/2016 às 21h51
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Da razão do poema
Reconheço-me no instinto das marés
batizando-se a si mesmas.
Reconheço-me em mansas turbulentas águas
batizando-me a pele.
Renasço no inchado ventre da espera
gerando o desconhecido.
Ao sentido dos amores e desamores,
resguardam-me os motivos dos intervalos.
Se me perguntas pela flexão do verbo
ou pela razão do nome, enlaço-me
à caligrafia dos não ditos
dilacerando vozes.
Mas sob tal fúria
não há dor nem desatino.
Todo fragmento torna-se epifania.
Antes da palavra, reconheço-me
antelinguagem matizando
orquídea e quaresma.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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29/5/2016 às 12h29
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Elisa ou Mutações do feminino
Lapidando a relva, a vida eterna
e a pedra no peitoril da janela,
Elisa aguarda florações tardias.
O dia se quebrou ao meio
e, desnudando-se, Elisa se divide
em muitas faces e Elisas.
Na cidade, no campo ou na arena
Elisa é Ana, A Domadora de Feras,
atuando no exílio da poesia,
ao assumir desejos de Laura
e santidade de Teresa, ante os passos da fé
ou ante a dança da paixão ou seguindo
o destino, nesse retiro da casa de Odete e Carmem
a cozinhar arroz.
Ana, todas elas.
Todas elas, Elisa.
Da máquina, brotando tarefas de Maria
a cultivar crisálidas de algodão,
marca-se o intervalo da dor
ao ansiado rumo da vida.
Elisa, todas elas.
Todas elas, Elisa.
Sob o halo dos loucos, minhas noites
de Ismália contemplam o rosto da lua
que é morada de Elisa
na cidade de Isolda.
E ao espelho de Elisa, Ana
aconchegada ao leito. Elisa a esperar
a cor do trigo. Anelisa conduzindo
o arado ao encontro
dos céus e lobos.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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22/5/2016 às 12h22
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Distraidamente I
Tal aquele barqueiro distraído
que perdeu a isca e fisgou o remo ao pescar
a lua, eu queria escrever distraidamente.
E encurvar o anzol até fechar-se um círculo
para que minhas palavras não caiam
em tentação.
Quando engulo abstrações, morro de tédio.
Por isso, para sobreviver, meu devaneio
desce ao chão e distende-se numa caminhada.
E ao pisar na relva meus passos
estalam folhas secas.
Mas não é por maldade que piso
nas coisas da terra. A elas meus sapatos
irmanam-se no ímpeto que as faz
viver na simplicidade do cotidiano
a engendrar bichos de nuvem.
E distraidamente mantemos
o fôlego.
(Do livro Nada mais que isto)
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15/5/2016 às 14h28
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Colher de pau
Dos escritos do grego antigo
à panela em acordo com as chamas,
a colher de pau define voltas, girando
verduras, grãos ou carne.
O leve peso não lhe permite
saltos para fora da vasilha.
Em movimento circular, esta colher
escurecida pelo uso revela-se mais suave
e eficaz, tanto mais antiga se torna.
Antes da boca, ela prova as iguarias
ao testar-lhes o cozimento.
Entranhado no ar, o cheiro do fruto
me faz imaginar este utensílio moldando-se
na matéria da figueira. Galáxia em expansão
ao ofício da simplicidade, o doce concentra
sabor e aroma no ponto exato.
No cotidiano, o Universo
se revela na beleza do útil.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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8/5/2016 às 11h20
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Apenas entreabertas as gavetas
Desfolhando flores secas, as coisas
sofrem de paixão. A solitude recria
as cores do lenço e ilumina as dobras do vestido
eternizado no retrato.
O que restou da morte respira comigo
este cheiro dos guardados
entranhando-se na madeira.
O que resta da vida acompanha veios
e encaixes no lenho das imaginárias florestas
em vigília no quarto de dormir.
Ao abrir cofres e caixas,
em meio a rendas com cheiro de sândalo,
este camafeu e eu sentimos vivo o rosto da mulher
adormecida sobre marfim.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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30/4/2016 às 13h29
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Julio Daio Borges
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